Gerd Bornheim
Texto
Gerd Albert Bornheim (Caxias do Sul RS 1929 - Rio de Janeiro RJ 2002). Filósofo, professor e ensaísta. Realiza importantes trabalhos sobre teatro e reflexão estética, que se tornam referência fundamental para a apreensão e compreensão de diversos aspectos da área teatral, entre eles, o sentido do trágico, a estética brechtiana e o teatro contemporâneo. Como escritor, destaca-se pela densidade e clareza de sua análise crítica e, como conferencista, atrai plateias numerosas por sua competência filosófica e capacidade de comunicação.
Em 1951, gradua-se em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS, em Porto Alegre, cidade na qual reside desde os 16 anos. Sua formação tomista proporciona-lhe familiaridade com os clássicos e o aprendizado de latim e grego. Como bolsista do governo francês, chega a Paris, em 1953, para estudar na universidade Sorbonne e entra em contato com o pensamento filosófico contemporâneo. Nos cursos de Jean Hyppolite e Jean Wahl, conhece a obra de Martin Heidegger. Convive com intelectuais consagrados como Merleau-Ponty, Piaget e Bachelard. No ano seguinte, transfere-se para Oxford para cursar filosofia política e literatura inglesa contemporânea e em 1955, frequenta aulas de arte e cultura gótica na Universidade de Freiburg im Breisgaus, na Alemanha.
Retorna ao Brasil, em 1955, para lecionar filosofia na Universidade do Rio Grande do Sul - URGS e um ano depois integra o corpo docente da PUC/RS. Começa a publicar artigos em suplementos literários de periódicos da imprensa, produção que, por vezes, serve de matéria-prima para seus futuros ensaios.
O Curso de Estudos Teatrais da Faculdade de Filosofia da URGS, criado em dezembro de 1957, é efetivado pelo reitor Elyseu Paglioli, que convida o diretor e teórico italiano Ruggero Jacobbi para assumir a direção e ministrar as disciplinas de teoria e história do teatro e direção teatral. Jacobbi desdobra o Curso de Estudos Teatrais em dois setores: o Curso de Cultura Teatral, destinado a professores, intelectuais, estudantes e pessoas interessadas em conhecer e analisar os problemas do teatro, e o Curso de Arte Dramática - CAD, destinado exclusivamente à formação de atores.1
Bornheim relata como começa o seu interesse por teatro e o contato com Ruggero Jacobbi: "[...] foi um acidente, sempre gostei muito de teatro e de música. [...] Nós ficamos muito amigos. Ruggero, na parte prática, não era tão bom, mas era um teórico maravilhoso. Comecei a assistir umas aulas suas à noite e depois saíamos para tomar uma cervejinha, comer uma macarronada, e fui gostando daquilo. Ele montou o Egmont de Goethe e Cacilda Becker levou Maria Stuart. Tudo foi feito concomitantemente: a escola e as montagens. Ruggero obrigou-me a fazer uma série de conferências sobre Goethe e Schiller, e, com isso, fiquei ligado também ao teatro. Logo comecei a escrever uns ensaios menores sobre teatro. Aí aconteceu uma fatalidade: Ruggero simplesmente desapareceu do Brasil sem se despedir de ninguém, sumiu. Então a coisa sobrou para mim, porque ele dava teoria do teatro. Fui obrigado a dar teoria do teatro e acabei diretor da escola. Isso foi um desvio muito interessante para mim".2
Ruggero Jacobbi regressa a Roma, em 1960, e Gerd Bornheim assume a direção da escola até 1969, sendo responsável inicialmente pelas "aulas de teorias do ator: estética e poética da encenação"3 e, mais tarde, por "história e estética do teatro".4 O filósofo inaugura um promissor percurso ensaístico ao escrever seu primeiro livro Aspectos Filosóficos do Romantismo, em 1959, acerca do romantismo alemão e do teatro ocidental do século XX. Em 1961, publica a tese apresentada no concurso para livre-docência de filosofia na faculdade da UFRGS, com o título Motivação Básica e Atitude Originante do Filosofar, texto cuja nova edição, em 1970, sai com o título Introdução ao Filosofar.
Em 1965, lança O Sentido e a Máscara, reunindo artigos escritos na década de 1960 sobre o teatro contemporâneo, o teatro de vanguarda, Ionesco, o expressionismo, o trágico, Kleist, Goethe e Brecht. Segundo o filósofo João Vicente Ganzarolli de Oliveira: "À guisa de síntese, podemos dizer que o nosso autor é movido por uma mesma pergunta em todos os nove artigos independentes que compõem O Sentido e a Máscara: 'Qual a situação do teatro hoje?' É uma pergunta geradora, espontaneamente desdobrável em novas interrogações concernentes ao mesmo assunto focalizado. [...] O intuito de Gerd concentra-se na busca de um denominador comum para a arte teatral do século XX, ao menos no tocante às próprias idiossincrasias que tornam difícil a sua compreensão".5
É cassado em novembro de 1969, não porque tenha algum envolvimento com organizações políticas clandestinas, mas por influenciar com suas ideias os jovens universitários que participam da resistência à ditadura militar. Na onda de repressão que se segue ao golpe de 1964 e se agrava no fim de 1968, com o AI-5, acaba impedido de trabalhar como professor. Passa dois anos dando aulas em um curso pré-vestibular e todos os meses é chamado para depor na Polícia Federal.
Aceita o convite para dar aulas no Instituto de Filosofia da Universidade de Frankfurt onde leciona durante um semestre letivo, em 1972. Vai para Paris, lá mora por quatro anos, e para sobreviver dá aulas de alemão e cuida da organização de uma galeria de arte no Boulevard Saint-Germain. Retorna ao Brasil em 1976 e, após três anos, a anistia lhe permite retomar as atividades no magistério superior. Em 1979, é convidado a lecionar de filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, na qual permanece de 1979 a 1991, depois se aposenta por tempo de serviço e começa a lecionar na Universidade do Rio de Janeiro - UERJ.
Publica, em 1983, Teatro: A Cena Dividida, em que reúne três ensaios, dirigidos aos estudantes e público não especializado. O primeiro fala sobre o caráter popular inerente às manifestações da teatralidade; o segundo discute as relações entre o teatro e a literatura, com questões em torno do teatro de texto e do teatro de espetáculo; e o terceiro apresenta um amplo painel sobre os aspectos fundamentais do teatro contemporâneo.
Gerd Bornheim dedica especial atenção a Bertolt Brecht e seu impacto no teatro do século XX no livro Brecht: A Estética do Teatro, publicado em 1992: "Quero transmitir ao leitor uma visão ampla das ideias estéticas de Brecht, respeitando sempre a prática e os confrontos que estão na origem e na maturidade daquelas ideias". Nesse livro o autor analisa o estético, o social e o especificamente teatral na obra de Brecht, em uma inédita perspectiva de abordagem.
Um de seus últimos livros, Páginas de Filosofia da Arte, publicado em 1998, reúne ensaios - que de acordo com a nota introdutória "nasceram de certa dispersão, ou da diversidade de interesses do autor"6 - escritos a partir de 1986 para jornais, revistas e obras coletivas. Os relacionados ao teatro discorrem sobre variados temas: Shakespeare, teatro besteirol, teatro experimental, Gerald Thomas e Brecht.
O teatro tem lugar de destaque na obra de Gerd Bornheim, como observa o teórico e diretor Luiz Carlos Maciel: "Depois da Filosofia, o que Gerd mais gostava era o Teatro. Quando era seu aluno, precisava de um local de ensaios para o espetáculo de Esperando Godot, de Beckett, que eu dirigia. Gerd emprestou logo o apartamento dele. Quando o Teatro Universal foi a um festival, no Recife, apresentando a peça A Cantora Careca, de Ionesco Abujamra, que era o diretor, convidou Gerd para fazer o papel de bombeiro, e ele aceitou; o filósofo tinha apreciável domínio de cena. [...] Hoje, no Brasil, qualquer discussão sobre teoria do teatro (e também outras questões estéticas) passam obrigatoriamente pelos escritos de Gerd".7
Notas
1. RAULINO, Berenice.Ruggero Jacobbi: presença italiana no teatro brasileiro. São Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2002. p. 177-187.
2. NOBRE, Marcos; REGO, José Marcio (Org.). Conversas com filósofos brasileiros. São Paulo: Editora 34, 2000. p.49.
3. CALAGE, Eloi. O sentido e a máscara. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 30 jul. 1966.
4. BORNHEIM, Gerd. Páginas de filosofia da arte. Rio de Janeiro: Uapê, 1998. p. 255.
5. OLIVEIRA, João Vicente Ganzarolli de Oliveira. Arte e beleza em Gerd Bornheim. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. p.114-115.
6. BORNHEIM, Gerd. Páginas de filosofia da arte. Rio de Janeiro: Uapê, 1998. p. 9.
7. MACIEL, Luiz Carlos. A afirmação do efêmero. Gazeta Mercantil, São Paulo, 28 fev., 1 e 2 mar. 2003.
Espetáculos 3
Fontes de pesquisa 4
- BORNHEIM, Gerd. Páginas de filosofia da arte. Rio de Janeiro: Uapê, 1998.
- NOBRE, Marcos; REGO, José Marcio (Org.). Conversas com filósofos brasileiros. São Paulo: Editora 34, 2000.
- OLIVEIRA, João Vicente Ganzarolli de Oliveira. Arte e beleza em Gerd Bornheim. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003.
- RAULINO, Berenice. Ruggero Jacobbi: presença italiana no teatro brasileiro. São Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2002.
Como citar
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GERD Bornheim.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa3542/gerd-bornheim. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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