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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Sousândrade

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.07.2021
09.07.1833 Brasil / Maranhão / Guimarães
21.04.1902 Brasil / Maranhão / São Luís
Reprodução Fotográfica Horst Merkel

A Casca da Canelleira, 1866
Sousândrade
Brasiliana Itaú/Acervo Banco Itaú

Joaquim de Souza Andrade (Alcântara, Maranhão, 1832 - São Luís, Maranhão, 1902). Poeta e professor. Realiza seus primeiros estudos em São Luís e, em 1853, viaja para Paris para fazer o curso de letras na Sorbonne. Seus biógrafos acreditam que também fez o curso de engenharia de minas na mesma universidade. Após conhecer vários países da Europa, ...

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Joaquim de Souza Andrade (Alcântara, Maranhão, 1832 - São Luís, Maranhão, 1902). Poeta e professor. Realiza seus primeiros estudos em São Luís e, em 1853, viaja para Paris para fazer o curso de letras na Sorbonne. Seus biógrafos acreditam que também fez o curso de engenharia de minas na mesma universidade. Após conhecer vários países da Europa, retorna a São Luís e, em 1858, lança seu primeiro livro de poesia, Harpas Selvagens, no Rio de Janeiro. Em 1870 viaja pela Amazônia e pela América andina em barcos e por trilhas na selva. Na volta, acompanha sua filha aos Estados Unidos, onde faz questão que ela estude, por ser republicano convicto. Passa 14 anos em Nova York, e escreve para o jornal republicano O Novo Mundo, publicado em português por José Carlos Rodrigues (1844 - 1923). Ainda nos Estados Unidos, escreve e publica sua obra principal, O Guesa Errante. Volta a São Luís em 1886, dá aulas de grego e faz proselitismo republicano. Ganha fama de excêntrico, sua ruína financeira avança e é abandonado pela esposa e pela filha, vivendo de maneira cada vez mais precária, sendo considerado louco por boa parte da população de São Luís. Sua última aparição pública se dá em 1899, numa saudação ao romancista Coelho Neto (1864 - 1934), em visita à capital maranhense.

Análise

Joaquim de Souza Andrade, Sousândrade, passa praticamente desconhecido por sua época, só alcançando reconhecimento póstumo graças à redescoberta de sua obra por críticos como Luiz Costa Lima e, principalmente, por poetas-críticos ligados ao concretismo, como Haroldo de Campos (1929 - 2003) e Augusto de Campos (1931), que publicam ReVisão de Sousândrade nos anos 1960, chamando atenção para a ruptura do poeta maranhense com os padrões românticos e o visionarismo de seu poema O Guesa Errante. Com isso, parece se confirmar uma previsão feita pelo próprio Sousândrade, quando diz, em 1877, num tom de amargura (que, entretanto, parece trair a concepção romântica do gênio incompreendido): "Ouvi dizer já por duas vezes 'que o Guesa Errante será lido 50 anos depois'; entristeci - decepção de quem escreve 50 anos antes".

O Guesa Errante é um poema de dimensões épicas, composto de 12 cantos e um epílogo, e inspirado na lenda dos índios muíscas, da Colômbia (uma das principais civilizações pré-incaicas), que é assim resumida por Cláudio Cuccagna: "O guesa era uma espécie de vítima sacrificial que periodicamente os muíscas ofereciam a uma das suas divindades [...]. O ritual, de clara origem pré-colombiana, previa a escolha de um menino a ser conduzido ao templo solar de Sogamoso (à leste da cidade de Tunja), onde era educado e preparado para a imolação. Chegada a idade de 15 anos a vítima era levada com todas as honras em procissão ao longo do chamado Suna, a via sagrada antigamente percorrida por Bochica, o herói civilizador da tradição muísca [...]. No fim do Suna o jovem guesa era sacrificado pelos xeques, os sacerdotes, que [...] arrancavam o coração de suas vítimas para oferecê-lo simbolicamente como alimento ao sol".

O périplo do guesa é descrito pelo poeta maranhense por associação com a peregrinação descrita por um dos principais personagens criados pelo poeta inglês Lord Byron (1788 - 1824): A Peregrinação do Jovem Harold. O itinerário americano do guesa de Sousândrade é, entretanto, bem distinto do europeu, percorrido pelo mito byroniano: partindo da América andina, dos altiplanos colombianos, ele viaja pela Amazônia até chegar ao território norte-americano, no centro financeiro nova-iorquino de Wall Street. Por meio da lenda muísca, Sousândrade alegoriza não apenas o destino dos povos americanos, com a chegada dos colonizadores europeus, mas também o do poeta marginalizado, incompreendido - motivo de sua errância.

A leitura feita pelos irmãos Campos tende a avaliar o Guesa com os parâmetros da modernidade, vendo em certos cantos prenúncio das experimentações vanguardistas. Eles ressaltam, assim, sobretudo os procedimentos formais ou mais especificamente as invenções sintáticas e vocabulares: a incorporação de palavras de vários idiomas numa mesma estrofe, os neologismos (inclusive bilíngues, como em "ring-negros" e "safe-guardando"), a ordenação sintática incomum, inspirada em outros idiomas (como em "sem-sono noite" e "olho-azul marabás"), além das violentas elipses e hipérbatos, entre outros procedimentos retóricos. Em termos de forma poética, destaca-se certo esquema estrófico e métrico sem precedentes na literatura brasileira, que Sousândrade parece fazer derivar, com liberdade, dos limericks da tradição inglesa - gênero de poesia que recorre à charada, ao humor e ao nonsense, famoso sobretudo através do poeta inglês Edward Lear (1812 - 1888).

Tais procedimentos são destacados especialmente em dois episódios pertencentes a dois dos cantos de O Guesa Errante. São eles os momentos de inferno do poema, como dizem os Campos: é o Tatuturema, no canto II, e O Inferno de Wall Street, no X. Ambos recriam com liberdade o modelo da Noite de Walpurgis, contido no Fausto, de Goethe. No primeiro episódio, tem-se uma espécie de sabá ou missa negra, de que participam índios de diversas tribos, regatões, padres e personagens históricos, figurados de modo irreverente e crítico. O clima de dissolução, roubo, fraude, orgia e embriaguez que marcam o episódio evidencia a intenção de denúncia do poeta republicano que atinge, num amplo arco de tempo, a perpetuação da tragédia iniciada com a ação colonizadora, a aculturação, a ação desviante da catequese que é levada adiante com os modernos missionários, responsáveis, juntamente com os regatões, pela exploração e miséria das populações ribeirinhas do Rio Solimões. O ataque alcança ainda a pseudoaristocracia e o aparato político-burocrático imperiais e, é claro, o próprio regime monárquico. Já o segundo episódio denuncia a principal ameaça à plena realização do ideal republicano encarnado pela sociedade norte-americana: o inferno financeiro de Wall Street, em que a bolsa de valores, "alimento perpétuo da lucromania, com seu macabro frenesi de especulações, é o símbolo de uma sociedade que se desmorona, abalada pela avidez do dinheiro", como sintetizam os irmãos Campos.

A reavaliação e os critérios de valoração da obra de Sousândrade não chegam a ser consenso entre críticos e historiadores. Mesmo aqueles que reconhecem o mérito e as qualidades estéticas sinalizadas pela crítica concretista tratam logo de apontar, como faz Paulo Franchetti, que isso se restringe a trechos selecionados, visto que "a leitura por extenso da obra de Sousândrade é decepcionante, pois ela não mantém de forma alguma o nível de realização estética presente em boa parte das passagens modernamente antologizadas. No caso específico desse poema, defrontamo-nos com um texto muito desigual, em que se justapõem estrofes e episódios de grande originalidade e dezenas de páginas da mais desorada e caótica eloquência romântica".

Obras 3

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