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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Zélia Gattai

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 04.02.2020
02.07.1916 Brasil / São Paulo / São Paulo
17.05.2008 Brasil / Bahia / Salvador
Zélia Gattai Amado de Faria (São Paulo, São Paulo, 1916 - Salvador, Bahia, 2008). Escritora e fotógrafa. Sua obra se caracteriza pelo intenso trabalho com a escrita memorialística, em que combina relato autobiográfico e testemunho histórico.

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Zélia Gattai Amado de Faria (São Paulo, São Paulo, 1916 - Salvador, Bahia, 2008). Escritora e fotógrafa. Sua obra se caracteriza pelo intenso trabalho com a escrita memorialística, em que combina relato autobiográfico e testemunho histórico.

Filha dos imigrantes italianos Angelina Da Col (1904-1969) e Ernesto Gattai (1885-1940), passa a infância no bairro do Paraíso, em São Paulo. As experiências vividas pela autora nesse ambiente, em um momento de efervescência política, são fundamentais para a construção de sua obra memorialística.

Até produzir seu primeiro livro, aos 63 anos, Zélia não pensa em ser escritora, mas seu interesse por contar histórias está vinculado a experiências vividas por ela desde a infância. Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, da qual ocupa a cadeira nº 23, afirma: “Essa qualidade de contadora de histórias, que bem ou mal executo, trago no sangue”1.

Convive, a partir dos anos 1930, com grupos de intelectuais e militantes: em 1945, começa a trabalhar no movimento pela libertação de presos políticos do Estado Novo; vai para a Europa em 1948, onde vive com Jorge Amado (1912-2001), parceiro intelectual e afetivo que estava exilado no continente; mora por cinco anos entre Paris e Praga e entra em contato com grandes intelectuais da época, como Simone de Beauvoir (1908-1986), Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Pablo Neruda (1904-1973). Além de estudar língua e cultura francesa na Sorbonne, começa, nesse momento, a trabalhar com fotografia.

Zélia é autora de 11 livros de memórias, três livros voltados para o público infantil e um romance. Sua primeira experiência com escrita, como aponta Antonella Rita Roscilli, remonta a 1959, durante uma visita de Sartre e Simone de Beauvoir ao Brasil. Ela escreve uma reportagem para a revista Joia, que resulta em seis páginas ilustradas com fotografias. A produção literária de Zélia surge com uma provocação de sua filha: Paloma pede a ela que escreva uma história (contada pela mãe com frequência). Apesar de haver relutância, a narrativa é escrita, e rende quinze páginas. Tal experiência incentiva a produção da obra mais conhecida da escritora, Anarquistas, graças a Deus (1979).

De acordo com Maria Luiza Tucci Carneiro, ao escrever suas memórias, Zélia deixa um importante legado histórico, que dá rosto ao proletariado paulistano: “ativistas anônimos ganham nomes e o imaginário social apresenta-se recheado de símbolos”2. O livro assume a função de documento da memória coletiva, ao reconstruir um período marcado por conflitos sociais, resistência e ideias de emancipação: o ideal anarquista chega ao Brasil com 150 pioneiros que desembarcam no porto de Santos em 1890; partindo de Gênova, eles têm o objetivo de fundar a primeira Colônia Socialista Experimental na América Latina. “Sonhavam com uma sociedade governada pela justiça e pelo sentimento humanitário, onde não haveria necessidade de leis, religião e propriedade privada”3. O livro é, mais tarde, adaptado para a televisão, numa minissérie escrita por Walter George Durst (1922-1997) e dirigida por Walter Avancini (1935-2001). A produção vai ao ar na Rede Globo entre 7 e 17 de maio de 1984.

Transcendendo o universo da memória pessoal, o segundo livro de Zélia, Um chapéu para viagem (1982), apresenta elementos históricos, como a tensão gerada pela Guerra Fria e a luta pela Constituinte de 1946. Em 1983, publica Pássaros noturnos do Abaeté, com gravuras de Calasans Neto (1932-2006). Em Senhora Dona do Baile (1984), escreve memórias do período em que viveu exilada na Europa. Ao lado do sentimento de horror diante de cidades traumatizadas pelo conflito, a escritora guarda em si “a utopia gerada pelos ideais socialistas”4.

No livro Jardim de Inverno (1989), em que Zélia se remete ao período vivido na Tchecoslováquia, o sentimento de exílio ganha agudez: “Aconteceu mesmo ocorrer-me um dia a ideia de comparar o nosso exílio a um cativeiro, imenso e abafado jardim de inverno”5. Entre outras obras de destaque, estão: Reportagem incompleta (1986), em que sua experiência com fotografia ganha corpo; A casa do Rio Vermelho (1999), em que retoma a cronologia memorialística, narrando a mudança para Salvador; e Crônica de Uma Namorada (1995), seu único romance.

Zélia estreia na literatura infantojuvenil em 1989. Para Susana Ramos Ventura, além da marca da oralidade, sua obra infantil tem relações com o trabalho de Monteiro Lobato (1882-1948). Em Pipistrelo das Mil Cores (1989), um animal de natureza mitológica é aprisionado por três caçadores no Pantanal e, posteriormente, levado para um zoológico. Há na trama uma forte referência a questões ecológicas. Em O Segredo da Rua 18 (1991), os protagonistas Doralice e Miguelinho inventam para os amigos a história de um tesouro de pirata enterrado no jardim. Jonas e a Sereia (2000), por sua vez, parte da clássica temática do amor impossível que, como aponta Ventura, abre caminho para a conciliação de opostos aparentemente inconciliáveis.

Por sua vasta obra memorialística e fotográfica, Zélia Gattai deixa um importante legado para a cultura brasileira, com forte teor de testemunho histórico e num raro encontro da literatura com a memória social.

 

Notas:

1. ACADEMIA Brasileira de Letras. Zélia Gattai. Discurso de posse. Sem data. Disponível em: http://www.academia.org.br/academicos/zelia-gattai/discurso-de-posse. Acesso em: 25 out. 2019.

2. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Memórias de uma jovem anarquista. In: Seminário Zélia Gatai: Gênero e Memória. Apresentação Myriam Fraga. Salvador, FCJA; Museu Carlos Costa Pinto, 2002, p.1.

3. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Memórias de uma jovem anarquista. In: Seminário Zélia Gatai: Gênero e Memória. Apresentação Myriam Fraga. Salvador, FCJA; Museu Carlos Costa Pinto, 2002, p.1.

4. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Memórias de uma jovem anarquista. In: Seminário Zélia Gatai: Gênero e Memória. Apresentação Myriam Fraga. Salvador, FCJA; Museu Carlos Costa Pinto, 2002, p.1.

5. GATTAI, Zélia. Jardim de Inverno. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 1989, p. 20.

Obras 1

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Exposições 4

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Fontes de pesquisa 6

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  • CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Memórias de uma jovem anarquista. In: Seminário Zélia Gatai: Gênero e Memória. Apresentação Myriam Fraga. Salvador, FCJA; Museu Carlos Costa Pinto, 2002.
  • GATTAI, Zélia. Jardim de Inverno. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 1989.
  • ROSCILLI, Antonella Rita. Zélia de Eua: rodeada de estrelas. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 2006.
  • SANTOS, Arlinda Santana. Memórias e outras histórias: reflexões sobre a escrita memorialística de Zélia Gattai. 30/05/2016. Mestrado em Crítica Cultural. Universidade do Estado da Bahia. Alagoinhas. Biblioteca DEDC - II. p.16. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=4348228. Acesso em: 17 nov. 2019
  • VENTURA, Susana Ramos. O casal amado para crianças e jovens. Colóquio Internacional 100 Anos de Jorge Amado. FLUL - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Conferência. Coimbra e Porto, 2012. Disponível em: https://www.academia.edu/10763983/O_casal_Amado_para_crian%C3%A7as_e_jovens. Acesso em: 17 nov. 2019
  • ZÉLIA Gattai fala sobre como começou a escrever. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado 2011 (7m33s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kX9hskUwodI. Acesso em: 25 out. 2019

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