Anarquistas, Graças a Deus
Texto
Anarquistas, Graças a Deus é um livro memorialístico da escritora paulistana Zélia Gattai (1916-2008). Publicado em 1979, faz um importante retrato da imigração italiana no Brasil, da formação do país e da militância política em São Paulo no início do século XX.
O enredo se concentra na infância e adolescência da escritora, no bairro do Paraíso, e tem como personagens, além dela, seus pais (Dona Angelina e Ernesto Gattai), irmãos, avós e algumas figuras típicas da São Paulo provinciana do início do século. Organizado de maneira episódica, com capítulos curtos, o livro é um testemunho do processo de adaptação da comunidade italiana ao Brasil.
A obra reconstrói um ambiente caracterizado pelo ativismo anarquista de origem italiana. Ganha destaque o episódio da Colônia Santa Cecília, uma comunidade experimental anarquista, da qual o avô de Zélia tinha participado. Com uma linguagem fluida, e com humor, o livro não se concentra numa vivência pessoal enclausurada na subjetividade, mas se insere num período histórico marcado por tensões e transformações sociais. Pelo olhar atento de Zélia, ganham nitidez a paisagem e o contexto sociopolítico de uma São Paulo que começa a abandonar os aspectos de cidade pequena e a ganhar ares de grande metrópole.
Em prefácio à obra, Jorge Amado afirma que Anarquistas é “um livro pleno de calor humano. Escrito sem pretensões de fazer literatura ⎼ pretensão de literatura que quase sempre resulta em literatice”1. Para ele, com uma narrativa correntia e simples, a obra se torna uma fonte importante para compreender o crescimento do país e sua originalidade cultural.
Aludindo à potência do fator histórico na leitura da obra, a professora Arlinda Santana Santos afirma que, para além de memórias, Zélia apresenta um testemunho individual e coletivo, que tangencia os impactos de um Estado de Exceção. Segundo a estudiosa, há no livro uma exposição dos mecanismos de intolerância, da violência de um Estado que oprime, mata e aniquila subjetividades, em nome do poder.
Para a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, o livro é uma oportunidade rara de desvendar, por meio da lembrança, ações de pessoas que, movidas por suas utopias, ajudaram a fazer história: mulheres, jovens, filhos de imigrantes italianos e outros anônimos que, por suas ideias anarquistas, antifascistas e anticlericalistas, foram considerados ameaças à ordem pública e à segurança nacional.
Com o livro, Zélia adentra um campo literário formado majoritariamente por homens e conquista um espaço importante no campo das letras. Por meio da obra, vencedora do Prêmio Paulista de Revelação Literária, em 1979, consegue expandir seu público leitor, incentivando a leitura de mulheres.
Sucesso de público e crítica, o livro é adaptado para a televisão, em minissérie escrita por Walter George Durst (1922-1997) e dirigida por Walter Avancini (1935-2001). A produção vai ao ar na Rede Globo entre 7 e 17 de maio de 1984. Posteriormente, o direito de exibição é vendido para vários países, como Argentina, Estados Unidos, Itália, Portugal e Suíça.
Anarquistas, graças a Deus torna-se uma obra marcante na literatura brasileira e um exemplo raro do encontro entre memória pessoal e testemunho da memória coletiva. Ao retratar um período histórico singular, integra as fontes de conhecimento acerca da cidade de São Paulo e do Brasil.
Notas
1. AMADO, Jorge. O livro de Zélia (Prefácio) In: GATTAI, Zélia. Anarquistas, graças a Deus. São Paulo: Cia das Letras, 2009.p. 4.
Fontes de pesquisa 6
- BRAGA, Kassiana. A Senhora Dona da Memória: Autobiografia e Memorialismo em obras de Zélia Gattai. 2016. 208 f. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2016. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/137839. Acesso em: 16 jul. 2019.
- CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Memórias de uma jovem anarquista. In: MYRIAM, Fraga. Gênero e Memória. Salvador: FCJA/Museu Carlos Costa Pinto, 2002, p. 39-54.
- DUARTE, Erica Fernandes Costa. Biodiagrama de uma narradora: memória e história em Zélia Gattai. 11/12/2017 225 f. Doutorado em Letras. Universidade do Estado do Rio De Janeiro, Rio de Janeiro. Biblioteca do Centro de Educação e Humanidades. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=5426835. Acesso em: 01 dez. 2019
- GATTAI, Zélia. Anarquistas, graças a Deus. São Paulo: Cia das Letras, 2009.
- SANTOS, Arlinda Santana. Figurações do estado de exceção em Zélia Gattai: memórias de uma testemunha Anarquista-Libertária. Grau Zero: Revista de Crítica Cultural, v.3, n. 1, 2015. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/grauzero/article/view/3282. Acesso em: 18 dez. 2019
- SOUZA, Ana Carolina Cruz de. Gattai e Amado: retalhos de automemoriografias – performance, autofigurações e assinatura. Doutorado em Literatura e Cultura. Universidade Federal da Bahia. Salvador: Biblioteca Universitária Reitor Macedo Costa, 2016. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=4867786. Acesso em: 01 dez. 2019
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ANARQUISTAS, Graças a Deus.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra70945/anarquistas-gracas-a-deus. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7