Solano Trindade
Texto
Francisco Solano Trindade (Recife, Pernambuco, 1908 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1974). Escritor, poeta, teatrólogo e ator. Ativista do movimento negro brasileiro, é reconhecido como o poeta do povo pela arte fundamentada na vivência popular e tem sua obra literária e trajetória pessoal imbricadas na luta pela liberdade da população negra brasileira.
De família pobre e mestiça, nascido apenas 20 anos depois da abolição da escravidão no Brasil, em 1888, Solano Trindade vivencia a experiência negra e indígena de maneira decisiva durante a infância, quando tem contato intenso com as tradições e manifestações populares musicais, corporais, visuais, escritas e orais de origem afro-indígena. Essa é a estrutura basilar de sua produção artística e também a orientação primordial do caminho de enfrentamento às injustiças sociais ao qual se dedica não só como artista, mas também como homem atento ao tempo em que vive.
Ainda jovem, participa da organização de importantes eventos como o 1º e 2º Congressos Afro-brasileiros1, ocorridos em Recife e Salvador nos anos de 1934 e 1937. Pouco tempo depois, torna-se um dos fundadores da Frente Negra Pernambucana e do Centro de Cultura Afro-brasileiro, relevantes mobilizações culturais comprometidas com a promoção e divulgação de artistas negros e seus trabalhos. É nesse fluxo de envolvimento direto com a produção artística negra que publica seu primeiro livro, Poemas Negros (1936), e posiciona sua literatura como marcadamente negra, em gênese e conteúdo.
O percurso poético e militante de Trindade se concretiza também pela itinerância que ele escolhe realizar durante toda a vida, com a intenção de conhecer de perto a realidade da população negra brasileira em suas especificidades. Entre as décadas de 1940 e 1970, reside em diferentes cidades e regiões do país, como Recife, Belo Horizonte, Pelotas (RS), Rio de Janeiro e São Paulo, e em cada uma delas realiza importantes iniciativas culturais.
Participa, ainda que brevemente em alguns casos, de momentos cruciais do movimento negro brasileiro, como a consolidação do Teatro Experimental do Negro (TEN), criado em 1945 pelo pensador e ativista Abdias Nascimento (1914-2011). Seu perfil questionador, no entanto, o afasta do TEN e das proposições de Abdias e de outros ativistas negros de sua época, como o ator e escritor Haroldo Costa (1930), fundador do Teatro Folclórico Brasileiro.
Em meio à busca por uma inscrição autoral de sua arte, publica o segundo livro, Poemas de uma Vida Simples (1944), que traz o aclamado poema “Tem Gente com Fome”, uma denúncia contundente da marginalização e desigualdade a que está submetida a população pobre e negra do Brasil na época.
No início da década de 1950, em parceria com a coreógrafa e terapeuta ocupacional Margarida Trindade (1917-?), sua esposa, e com o sociólogo Edison Carneiro (1912-1972), atua na fundação do Teatro Popular Brasileiro (TPB), que inova no campo das artes cênicas ao inserir em seus espetáculos elementos da cultura popular como maracatus, batuques, jongos e ao ter como parte do elenco pessoas comuns, trabalhadores e estudantes.
A professora e pesquisadora Leda Maria Martins destaca um dos pilares da persona artística de Solano Trindade ao afirmar que a trajetória literária e teatral do poeta/dramaturgo caracteriza-se por uma herança robusta e um manifesto interesse em expressões artísticas populares. Por essa escolha, consegue estar à frente em muitas das discussões sobre teoria teatral, a performance e o universo do espetáculo cênico brasileiro.2
Durante a década de 1950, excursiona com o TPB pelo Brasil e exterior, realiza importantes montagens teatrais como Orfeu da Conceição (1955) do poeta Vinícius de Moraes (1913-1980), atua como ator em diversos filmes, e publica seu terceiro livro, Seis Tempos de Poesia (1958).
Para a pesquisadora Maria do Carmo Gregório, é fundamental entender a trajetória de Solano Trindade como o produto da fusão de seu ativismo político e de sua produção literária, cênica e teatral. A escolha de Trindade se dá de maneira dupla e difusa, a primeira “como poeta e teatrólogo, registrando em metáforas a afirmação de uma identidade negra no campo das ideias, das emoções e das representações simbólicas. A segunda foi como liderança negra, através de diferentes instituições que criou e por onde circulou”3. Uma das instituições pela qual Trindade faz uma passagem importante é o antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), no qual atua no debate político sobre a questão racial e o compromisso social que a arte deveria ter para o alcance da justiça e liberdade almejadas.
Em 1961, vivendo na cidade de Embu, em São Paulo, lança seu quarto livro, Cantares ao Meu Povo, que sinaliza o forte envolvimento na militância política e estabelece, por meio da literatura, diálogo com escritores e pensadores estadunidenses e caribenhos do movimento da negritude.4 O período vivido em Embu é de profícua produção e divulgação de artista negros, o que traz à pequena cidade paulista um grande interesse de público e crítica.
A consciência racial e social de Solano Trindade é o fundamento de sua obra poética e política, que é também construída pelo desejo radical de uma liberdade plena para a população negra no Brasil. Os poemas, a dramaturgia e o ativismo são elementos fusionados no itinerário que Trindade trilha em seus 65 anos de vida e de ativa atuação precursora nos cenários cultural, social e político brasileiro.
Notas
1. Eventos acontecidos em Recife, no ano de 1934, e Salvador, em 1937, respectivamente. A década de 1930 marca um período de significativo interesse e agitação em torno do debate sobre as questões raciais no Brasil. É nesse contexto que artistas, intelectuais, pesquisadores e religiosos, em especial da região Nordeste, organizam o 1º e o 2º Congressos Afro-brasileiros, com a intenção de expandir os estudos sobre a população negra brasileira e sua fundamental contribuição para a formação do país. Além de Solano Trindade, os eventos contaram com a organização de Gilberto Freyre (1900-1987), em Recife, e de Edison Carneiro e Mãe Aninha, iyalorixá fundadora do terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador.
2. MARTINS, Leda Maria. Solano Trindade. In: DUARTE, Eduardo de Assis (org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. v. 1, Precursores.
3. GREGÓRIO, Maria do Carmo. Solano Trindade: Raça e Classe, Poesia e Teatro na trajetória de um afro-brasileiro (1930-1960). 2005. 143 f. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. p. 12.
4. Movimento literário de provável origem estadunidense, surgido na década de 1930 e que repercute em território franco-antilhano, onde se consolida encabeçado por Aimé Césaire (Martinica), Léon Damas (Guiana Francesa) e Léopold Sédar Senghor (Senegal). Solano Trindade estabeleceu diálogos, sobretudo, com a obra de outros dois expoentes do movimento, o estadunidense Langston Hughes e o cubano Nicolás Guillén.
Obras 10
Espetáculos 1
Exposições 2
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23/10/2007 - 31/3/2006
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29/5/2024 - 5/8/2024
Fontes de pesquisa 5
- DOMINGUES, Petrônio José. Movimento da negritude: uma breve reconstrução histórica. Revista África, n. 24-26, p. 193-210, 2009. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/africa/article/view/74041. Acesso em: 19 jun. 2021.
- GREGÓRIO, Maria do Carmo. Solano Trindade: Raça e Classe, Poesia e Teatro na trajetória de um afro-brasileiro (1930-1960). 2005. 143 f. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: http://objdig.ufrj.br/34/teses/MariaDoCarmoGregorio.pdf. Acesso em: 17 jun. 2021.
- LITERAFRO. O portal de literatura afro-brasileira. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, 2018. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/. Acesso em: 18 jun. 2021.
- MARTINS, Leda Maria. Solano Trindade. In: DUARTE, Eduardo de Assis (org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. v. 1, Precursores.
- MORAIS, Mariana Ramos de. “Raça, cultura e religião: os Congressos Afro‑Brasileiros e a antropologia feita no Brasil nos anos 1930”. In: BÉROSE - Encyclopédie internationale des histoires de l'anthropologie, Paris, 2020. Disponível em: https://www.berose.fr/article2169.html?lang=fr. Acesso em: 27 jun. 2021.
Como citar
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SOLANO Trindade.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa255970/solano-trindade. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7