Zanine Caldas
Texto
José Zanine Caldas (Belmonte, Bahia, 1919 – Vitória, Espírito Santo, 2001). Arquiteto, designer e maquetista. Destaca-se por explorar as potencialidades construtivas e as qualidades plásticas das madeiras brasileiras e por garantir um ambiente de rusticidade e aconchego, tanto em projetos de alto padrão quanto em construções populares.
Sem formação oficial como arquiteto, na década de 1940, atua como desenhista do escritório Severo Villares e como membro do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). Abre um ateliê de maquetes no Rio de Janeiro, onde trabalha de 1941 a 1948, e depois o transfere para São Paulo, onde atua de 1949 a 1955. Caldas torna-se designer e arquiteto por meio do ateliê de maquetes, e ganha fama não só pela qualidade, mas também por sua capacidade de propor soluções para os problemas de projeto que identifica durante a execução dos modelos.
Em 1949, cria a fábrica Móveis Artísticos Z, cujo objetivo é produzir móveis industrializados em larga escala – de bom desenho e a preços acessíveis –, com base no uso racional de chapas de compensado.
De 1950 a 1952, trabalha como assistente do arquiteto Alcides da Rocha Miranda (1909-2001) na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Desliga-se da Móveis Artísticos Z e, de 1953 a 1958, desenvolve projetos paisagísticos na capital paulista. Transfere-se para Brasília, onde constrói sua primeira casa, em 1958, e coordena a construção de outras casas até 1964.
Indicado por Rocha Miranda, ingressa na Universidade de Brasília (UnB) em 1962 e dá aulas de maquetes até 1964, quando perde o cargo em virtude do golpe militar. No mesmo ano, viaja pela América Latina e África, experiência que tem efeitos notáveis em seu trabalho, sobretudo no reconhecimento do valor do “saber-fazer” popular. Retorna ao Brasil e constrói sua segunda casa, a primeira de uma série de projetos na região da Joatinga, no Rio de Janeiro.
Em 1968, muda-se para Nova Viçosa, Bahia, e abre um ateliê-oficina, que funciona até 1980. A vivência na cidade baiana permite o contato com o agreste, os canoeiros e a paisagem ameaçada do local, e o aproxima de ambientalistas. Participa do projeto de uma reserva ambiental com o artista plástico Frans Krajcberg (1921-2017), para quem projeta um ateliê em 1971. Nesse período, os móveis são construídos com toras brutas de madeira, cujas linhas retorcidas inspiram seus desenhos.
Constrói a Casa dos Triângulos (1970) e a Casa da Beira do Rio (1970), nas quais adota um sistema construtivo bastante artesanal com madeiras típicas da região. Esse sistema consiste na montagem no chão de um gabarito, no tamanho real da casa a ser construída, em que se definem e aparelham as peças e se ergue a estrutura, que é depois desmontada para a numeração das peças e o envio da estrutura para o local da obra.
Segundo o arquiteto Roberto Conduru (s.d.), a atuação de Caldas é relevante para a difusão de valores ambientais em projetos arquitetônicos: o “gosto pelo alternativo e o rústico disseminou-se por todo o território brasileiro [...], incentivado pelas campanhas de preservação ambiental, pelo desgaste dos modelos vigentes em concreto armado e pela re-emergência do ideal regionalista no panorama internacional”.1
A Casa Hélio Olga Jr. é construída em São Paulo, entre 1980 e 1982, com desenho e madeira fornecidos por Caldas e montagem realizada pelo proprietário. Nessa casa – assim como em outras elaboradas por ele na década de 1970 –, a estrutura de madeira se destaca das paredes de vedação, a cobertura de telha de barro de largos beirais e os materiais de demolição dão à construção a sensação de rusticidade, aconchego e nostalgia.
Em 1983, funda o Centro de Desenvolvimento das Aplicações das Madeiras do Brasil (DAM). Propõe a criação da Escola do Fazer, um centro de ensino sobre o uso da madeira da região para a construção de casas, mobiliário e objetos utilitários para a população de baixa renda. Aposta no “saber-fazer” popular como caminho de inserção de uma população cada vez mais marginalizada e aproxima-se do artesanato e da linguagem nativista que marcam diversos projetos.
Ainda segundo Conduru, a obra de Caldas se concentra “na construção de casas para a elite”, porém não se pode menosprezar sua dedicação ao DAM, onde inicia pesquisas sobre habitação popular baseadas em processos construtivos artesanais. Na unidade de Brasília, desenvolve protótipos de casas populares com toras de eucalipto como estrutura e vedação em solo-cimento, apostando num ideal de autoconstrução.
Caldas passa a adotar toras de madeira brutas roliças, aliadas aos materiais de demolição, que radicalizam o efeito de rusticidade e aconchego. Esse método se difunde também nos projetos não residenciais, como a Capela da Fazenda Barra das Princesas Agropecuária S. A., em Araguaia, Mato Grosso.
Em 1989, é reintegrado em seu posto na UnB, mas não chega a dar aulas. Viaja à Europa, onde projeta residências em Portugal e dá aulas na Escola de Arquitetura de Grenoble, na França. No mesmo ano, o Museu de Artes Decorativas de Paris expõe suas peças de design, e Caldas recebe a medalha de prata do Colégio de Arquitetos da França. Autodidata, em 1991, no 13º Congresso Brasileiro de Arquitetura em São Paulo, recebe o título de arquiteto honorário dado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).
José Zanine Caldas deixa um importante legado, que abrange tanto a produção em série quanto a prioridade da manufatura e do saber nativo e atende às demandas de alto padrão e às construções populares.
Notas
1. CONDURU, Roberto. Tectônica tropical. In: ANDREOLI, Elisabetta; FORTY, Adrian. Arquitetura moderna brasileira. London: Phaidon, 2004. p. 56-105.
Exposições 12
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24/8/1978 - 15/9/1978
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13/3/1984 - 22/4/1984
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2/10/1987 - 13/12/1987
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29/8/1991 - 27/10/1991
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2/10/1998 - 20/12/1998
Fontes de pesquisa 12
- ACAYABA, Marlene Milan. Branco & Preto: uma história de design brasileiro nos anos 50. Sao Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1994. 749.2981 A168b
- AFLALO, Marcelo (org.). Madeira como estrutura: a história da Ita. Textos Dominique Gauzin-Müller, Alberto Martins, Guilherme Wisnik. São Paulo: Paralaxe, 2005. 152p, il. color.
- ARTESÃO faz arquitetura , mas quer ser apenas mestre-de-obras. Projeto, São Paulo, n.103, pp.88-92, set. 1987.
- CALDAS, José Zanine; XAVIER, Ana Maria (coord.). Ver Zanine. Curadoria Luís Antonio C. Magnani; texto Luís Antonio C. Magnani; ensaio Hugo Segawa. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2003. 83 p.
- CARVALHO, Amanda Beatriz Palma de. Projetar e construir com madeira: o legado de José Zanine Caldas. 2018. 194 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Programa de Arquitetura e Urbanismo – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16134/tde-13072018-154632/publico/MEamandabeatrizpalmadecarvalhorev.pdf. Acesso em: 21 ago. 2020.
- CONDURU, Roberto. Tectônica tropical. In: ANDREOLI, Elisabetta; FORTY, Adrian. Arquitetura moderna brasileira. London : Phaidon, 2004. pp. 56 - 105, il p&b.
- SEGAWA, Hugo. Zanine. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2003. 84 p, il. p&b. color.
- SER ou não ser arquiteto. Projeto, São Paulo, n.103, p.86-87, set. 1987.
- SILVA, Suely Ferreira da (coord.). Zanine: sentir e fazer. Edição José de Paula Machado. 4. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1995. 188 p. 724.91 Z315z
- SILVA, Suely Ferreira da (coord.). Zanine: sentir e fazer. Rio de Janeiro: Agir, 1991. 144p, il. p&b. color.
- ZANINE. Viva! Zanine brasileiro. Texto Roberto Pontual. São Paulo: A Casa, 1999.
- ZANINE: Fábrica e Formão - mobiliário em madeira [exposição virtual]. Museu A Casa do objeto brasileiro, [s.d.]. Disponível em: http://www.acasa.org.br/zanine/index.html. Acesso em 31/07/2006. Não catalogado.
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ZANINE Caldas.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa25335/zanine-caldas. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7