Madalena Santos Reinbolt
Texto
Madalena Santos Reinbolt (Vitória da Conquista, Bahia, 1919 – Petrópolis, Rio de Janeiro, 1977). Pintora, bordadeira. As imagens criadas pela artista se caracterizam pela profusão de pessoas e animais, assim como pela diversidade no uso das cores. As cenas, nas quais representa uma natureza abundante, remetem às vivências quando criança.
Nascida em uma pequena fazenda de gado em Vitória da Conquista, interior da Bahia, Reinbolt cresce em um ambiente rico de atividades como a modelagem de pratos e panelas de barro, a produção de roupas, com algodão colhido pela família, a criação de animais e o plantio de alimentos. Em suas brincadeiras, faz sumo de folhas verdes e, com uma pena de galinha, experimenta pintar papéis. Por volta dos 20 anos, deixa a cidade natal para trabalhar no serviço doméstico em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e, finalmente, Petrópolis, onde reside até o fim da vida. Em 1949, sem educação escolar ou acesso à alfabetização, a artista trabalha como cozinheira na casa de Lota Macedo Soares (1910-1967) e Elizabeth Bishop (1911-1979), que incialmente incentivam a artista e lhe fornecem materiais como tintas e pincéis, agulhas e linhas. Reconhecendo a qualidade da produção de Reinbolt, Bishop escreve que, em breve, o trabalho da artista será vendido em Nova York e todas ficarão ricas. A dedicação às atividades artísticas, no entanto, atrapalha o rendimento de Reinbolt no trabalho como cozinheira e ela perde o emprego. Não tendo como se manter financeiramente apenas com os bordados, trabalha como empregada doméstica até o fim da vida.
A produção da artista pode ser dividida em dois momentos: o primeiro de 1950 a 1969, no qual se dedica à pintura sobre tela; e o segundo de 1969 a 1975, quando realiza os "quadros de lã", imensos bordados que remetem à tapeçaria. De acordo com a artista, a mudança de técnica se dá porque, embora sejam mais trabalhosos, os tapetes são mais bem remunerados. Trabalhando no pequeno quarto destinado aos caseiros, sentada em sua cama, prepara 154 agulhas com fios de lã acrílica das mais diversas cores e as deixa à disposição em uma bacia para que decidir qual usar, como o pintor escolhe as cores na palheta de tintas. A artista elege a estopa como base para grande parte dos bordados por causa das características naturais da fibra, cuja trama irregular e flexível permite a movimentação mais livre das agulhas. Inicia o trabalho alinhavando na estopa as áreas que formam a composição e, em casos mais complexos, realiza um esboço sintético do que pretende bordar. O ponto mais frequente e de imediata identificação é o "ponto reto", que a artista utiliza de forma irregular, em tamanhos variados, para obter uma superfície movimentada que preencha o espaço e impeça a visualização do suporte. Para enfatizar texturas, aplica pequenos aglomerados de malha ou linha em determinados pontos do bordado, em especial nas folhagens de plantas, criando relevos e riqueza cromática que ampliam o dinamismo da composição.
Quanto à temática, a produção é voltada para as lembranças do ambiente rural da infância no interior baiano. À diversidade da flora e da fauna encontradas na região, que combina savana e floresta tropical, soma-se a atividade pecuária. Astros e estrelas, uma grande variedade de pássaros, bois, carneiros, onças e macacos, homens e mulheres surgem amalgamados ao ambiente. Nas representações de pessoas há predominância de sujeitos negros, e as histórias contadas nas imagens podem ser de ordem mítica do tempo em que os bichos falavam, relativas ao catolicismo ou relacionadas de casos acontecidos na região, como em A herança, bordado que pertence ao Museu Afro Brasil Emanoel Araujo, em São Paulo. Nesse trabalho, onde se vê representada uma casa de fazenda cercada de personagens identificados como o pai, a mãe e os oito filhos, vê-se o gado farto espalhado em torno da sede e uma vegetação que remete a flores coloridas. A imagem, que em leitura imediata lembra um ambiente idílico, é inspirada em uma trágica história real: diante da morte do patriarca, um fazendeiro abastado, os sete filhos que moram na região decidem assassinar o irmão que vive longe e visita a fazenda para a partilha de bens. Descobertos pela polícia, vão todos presos e a herança fica para a mulher do irmão assassinado. O relato da artista evidencia que a fartura e harmonia visuais presentes em suas criações dialogam com uma realidade por vezes violenta do mundo rural.
No que diz respeito à recepção do trabalho, é importante notar que não são realizadas exposições enquanto a artista é viva. Em 1975, os bordados são reproduzidos no livro Mitopoética de 9 artistas brasileiros, de Lélia Coelho Frota (1938-2010) e, em 2020, seu trabalho é incluído na exposição Mulheres na Arte Popular, realizada na Galeria Estação, com curadoria de Fernanda Pitta (1973). Para compreender o processo de recepção do trabalho da artista, é necessário levar em consideração, além do gênero, a condição de raça e de classe social, que dificulta o reconhecimento pelas instituições de legitimação por causa do preconceito de classe e do racismo estrutural brasileiro.
Autora de um trabalho original e expressivo, no qual uma técnica marginalizada pela história da arte, como o bordado, é escolhida como meio de resistência à realidade opressiva do trabalho doméstico e dos centros urbanos, Madalena Santos Reinbolt tem uma trajetória que simboliza o que ocorre com muitas artistas negras no Brasil.
Exposições 12
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29/8/1991 - 27/10/1991
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23/10/2007 - 31/3/2006
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9/3/2020 - 9/5/2020
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21/8/2022 - 30/1/2021
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27/8/2022 - 6/2/2021
Fontes de pesquisa 5
- CHIARELLI, Aline Reis. Madalena Santos Reinbolt, memória e arte popular: uma questão para a Arte Afro-brasileira. Trabalho de conclusão de curso (Monografia em Mídia Informação e Cultura) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.
- FELIPE, D. A.; SILVA, E. C. Tapeçarias de Madalena dos Santos Reinbolt: identificação de arte e artista popular. Conhecer – Debate entre o Público e o Privado, v. 9, n. 23, pp. 94-123, 2019.
- FROTA, Lélia Coelho. Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro, século XX. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005.
- GALERIA ESTAÇÃO. Madalena Santos Reinbolt. Disponível em: http://www.galeriaestacao.com.br/pt-br/artista/57/madalena-santos-reinbolt. Acesso em: 18 jan. 2021.
- MULHERES na arte popular. Versão do texto para o inglês Maria Fernanda Mazzuco. São Paulo: Galeria Estação, 2020. Disponível em: http://www.galeriaestacao.com.br/documents/catalog_108_fc3e6-catexpmulpop2020.pdf. Acesso em: 29 out. 2021.
Como citar
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MADALENA Santos Reinbolt.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa216672/madalena-santos-reinbolt. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7