Roberto Evangelista
Texto
Roberto Evangelista (Cruzeiro do Sul, Acre, 1946 – Manaus, Amazonas, 2019). Artista, líder religioso. Celebrado como um dos pioneiros da arte conceitual e da videoarte no Brasil, o artista estabelece relações entre arte, ecologia e transcendência, dando luz à perspectiva de potencialidade e importância da Amazônia e dos povos originários.
Apesar de viver boa parte da infância em Manaus, reside durante um período em Brasília, onde frequenta círculos culturais e participa de debates do meio sobre o Cinema Novo na Universidade de Brasília (UnB). No retorno à capital amazonense, no início dos anos 1970, gradua-se em Filosofia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e passa a integrar o movimento teatral mais ativo da cidade, o Teatro Experimental do Sesc (Tesc).
Envolve-se com as artes visuais a partir da década de 1970 e demonstra interesse pelo debate sobre questões da exploração na Amazônia, enfatizando o discurso ambiental a partir da arte. Estreita laços com culturas populares do interior do estado, sobretudo a partir de sua inserção na religião espírita União do Vegetal (UDV), da qual se torna um dos precursores no Amazonas e mestre da congregação. A atuação religiosa fortalece a relação com os povos indígenas e a percepção sobre a importância vital da natureza.
Suas primeiras produções são apresentadas em 1976, mesmo ano que conquista o Prêmio Ministério das Relações Exteriores na Bienal Nacional de São Paulo. A instalação Mater Dolorosa – In Memoriam I (1976), constituída de um cubo de acrílico transparente com restos carbonizados de árvores sobre areia branca, precede em dois anos o Manifesto do Rio Negro (1978), do crítico de arte Pierre Restany (1930-2003) e do artista Frans Krajcberg (1921-2017). O curador Paulo Herkenhoff (1949) considera a obra à frente de seu tempo, pois antecipa a discussão internacional sobre a devastação da Amazônia, debate que se instala nos anos subsequentes, após a falência dos projetos agroindustriais de companhias multinacionais.
O filme ecológico Mater Dolorosa II – In Memoriam (1978) é a obra que mais enfatiza seu olhar para a cultura indígena, abordando as cosmovisões e a resistência dos povos autóctones. Esse trabalho pode ser considerado um dos marcos na criação em arte contemporânea na região amazônica, pois propõe uma nova relação com a representação da realidade, o engajamento crítico e sociopolítico e o uso diversificado de meios e suportes. A produção cinematográfica é premiada em 1982 no V Salão Nacional de Artes Plásticas, da Fundação Nacional de Arte (Funarte), e alcança repercussão nacional e internacional, sendo exibida diversas vezes em TV aberta.
De acordo com o Herkenhoff, Roberto Evangelista não é apenas um precursor da videoarte, mas também um dos primeiros a produzir videoarte com alta qualidade estética, com tecnologias de seu tempo a serviço do imaginário ancestral. É do curador carioca o texto de apresentação sobre o artista para o catálogo da 23ª Bienal Internacional de São Paulo (1996), da qual participou com várias obras, com destaque para a instalação Ritos de passagem (1996), considerada obra-síntese da situação de negligência e destruição amazônica. Composta de mil caixas de sapatos, dois mil sapatos gastos e cinco pedras de lioz retiradas de uma calçada de Manaus, a obra é uma das mais importantes da trajetória do artista e volta a ser exibida apenas em 2017, no Sesc Ipiranga, também na capital paulista. Na análise de Herkenhoff, as pedras, uma vez extraídas do tecido urbano manauara, constituem uma crônica do colonialismo. “Porque levavam mais do que traziam, os navios de arribação colonial chegariam vazios se não trouxessem pedras em seus porões. Flutuariam sem lastro. Traziam pedras cortadas de Portugal, usadas para pavimentar as ruas das cidades amazônicas que se modernizavam no boom da borracha. Essas pedras tornavam-se uma 'correção' da natureza amazônica, região desprovida de pedras duras. Cinco daquelas pedras foram desencravadas de sua imobilidade, na qual condensam sua história de corpo que se molda e esculpe com passos em um século de fricção entre calçado e calçada no movimento da rua. O paradoxo perverso é que, feitos de borracha sintética, esses sapatos, que hoje consomem as pedras, também funcionam como ícones da queda da fastigiosa economia extrativista da borracha”1, anota o curador.
Nos anos seguintes de carreira, dedica-se a relações sociais e comunitárias e retorna à cena artística somente em 2010. Em outubro de 2019, assiste à primeira exibição do filme Arte & transcendência (2013), no Teatro Amazonas. Com 41 minutos, o documentário, produzido pelo artista e realizador audiovisual manauara Sergio Cardoso (1954), aborda a trajetória e a obra do artista, desde a premiação que recebe na Bienal Nacional, realizada em São Paulo, em 1976, passando por outras exposições nacionais e internacionais relevantes em seu percurso. Um mês depois, Evangelista morre, aos 73 anos, vítima de um enfarte.
Na ocasião, Cardoso declara que, por meio de trabalhos bastante originais, o artista acreano empreendeu uma leitura particular do mundo espiritual amazônico, sublinhando que suas instalações percorreram o mundo. O movimento de retrospectiva de sua carreira se estende à publicação de Ritos de passagem: Roberto Evangelista (2017), composta por ensaios inéditos e registros visuais, culminando na mostra Contaminações, no Sesc Ipiranga, realizada na capital paulista, em 2017.
A produção de Roberto Evangelista está entre as pesquisas precursoras de um discurso socioambiental e político no Brasil, apresentando as cosmovisões e resistências dos povos indígenas desde os anos 1970 por meio de filmes, instalações e videoinstalações.
Nota
1. HERKENHOFF, Paulo. Travessias e dissoluções. Exposição Universalis, 23ª Bienal de São Paulo. Curadores: Tadayasu Sakai (Japão), Jean-Hubert Martin (França), Mari Carmen Ramírez (Porto Rico), Paul Schimmel (Estados Unidos), Katalin Néray (Hungria), Achille Bonito Oliva (Itália), Nelson Aguilar, Agnaldo Farias. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1996. Exposição realizada no período de 5 out. a 8 dez. 1996.
Exposições 26
-
10/1976 - 11/1976
-
1/10/1977 - 30/11/1977
-
4/11/1981 - 30/11/1981
-
30/11/1983 - 16/1/1982
-
10/12/1983 - 28/2/1982
Fontes de pesquisa 7
- ARTISTA plástico e líder religioso, Roberto Evangelista morre aos 73 anos. Amazonas Atual, Manaus, 13 nov. 2019. Disponível em: https://amazonasatual.com.br/artista-plastico-e-lider-religioso-roberto-evangelista-morre-aos-73-anos/. Acesso em: 26 nov. 2021.
- EXPOSIÇÃO UNIVERSALIS, 1996, São Paulo. 23ª Bienal de São Paulo, 1996. AGUILAR, Nelson (org.). São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1996. Exposição realizada no período de 5 out. a 8 dez. 1996.
- HERKENHOFF, Paulo. Travessias e dissoluções. In: Exposição Universalis. Curadores: Tadayasu Sakai (Japão), Jean-Hubert Martin (França), Mari Carmen Ramírez (Porto Rico), Paul Schimmel (Estados Unidos), Katalin Néray (Hungria), Achille Bonito Oliva (Itália), Nelson Aguilar, Agnaldo Farias. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1996. Exposição realizada no período de 5 out. a 8 dez. 1996. Disponível em: https://entretenimento.uol.com.br/27bienal/anteriores/1996/artistas/roberto_evangelista.jhtm. Acesso em 25 nov. 2021.
- MANESCHY, Orlando Franco; STOCO, Sávio Luis. A arte de Roberto Evangelista: uma ritualística na floresta amazônica. Revista Estúdio - Artistas sobre Outras Obras. Lisboa, v. 10, n. 28, p.64-72, out.-dez. 2019. Disponível em: https://sigaa.ufpa.br/sigaa/verProducao?idProducao=555874&key=c011bf19235af285a4496bf7e482a7bf. Acesso em: 26 nov. 2021.
- RITOS – ROBERTO EVANGELISTA. Website que registra o processo de produção da publicação de arte Ritos de passagem: Roberto Evangelista. Disponível em: https://livroritosdepassagem.wordpress.com/project/. Acesso em: 26 nov. 2021.
- ROBERTO EVANGELISTA. Experiência Amazônia (website). Disponível em: http://www.experienciamazonia.org/site/roberto-evangelista.php. Acesso em: 26 nov. 2021.
- STOCO, Sávio Luis; MANESCHY, Orlando Franco; RIBEIRO, Ricardo Agum. Crítica ambiental e existencial: a cuia na obra multimídia de Roberto Evangelista e a influência do pintor Hahnemann Bacelar. In: XXV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH-SP. São Paulo, 2020. Cadernos… Disponível em: https://www.encontro2020.sp.anpuh.org/resources/anais/14/anpuh-sp-erh2020/1597803655_ARQUIVO_431617ce6553d3b326ab9d7be3fa0597.pdf. Acesso em 26 nov. 2021.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
ROBERTO Evangelista.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa216344/roberto-evangelista. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7