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Enciclopédia Itaú Cultural
Teatro

Fernanda Júlia

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 27.09.2024
1979 Brasil / Bahia
Fernanda Júlia Barbosa (Alagoinhas, Bahia, 1979). Dramaturga, diretora e pesquisadora teatral. Fundadora do Núcleo Afro-brasileiro de Teatro de Alagoinhas (Nata), experimenta em sua produção artística encontros entre o teatro e o rito, convocando símbolos e mitos de matriz afro-brasileira provenientes da cultura iorubá. Em particular, investiga ...

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Fernanda Júlia Barbosa (Alagoinhas, Bahia, 1979). Dramaturga, diretora e pesquisadora teatral. Fundadora do Núcleo Afro-brasileiro de Teatro de Alagoinhas (Nata), experimenta em sua produção artística encontros entre o teatro e o rito, convocando símbolos e mitos de matriz afro-brasileira provenientes da cultura iorubá. Em particular, investiga a cosmogonia do candomblé Ketu como instrumento espiritual e artístico.

Frequenta rituais do candomblé desde a infância, na periferia de Alagoinhas, agreste baiano, onde os transes espirituais a fascinam, assim como a sensorialidade das cerimônias. Filha de pai pedreiro e mãe manicure, aprende com esta e com a avó (ialorixá) as músicas de sua herança cultural. Por volta dos dez anos, afasta-se dessa tradição em decorrência do preconceito religioso no ambiente escolar. Em 1997, após participar dos rituais da cerimônia de adeiká que consagram sua mãe como ialorixá, volta a praticar a religião como filha de Omolú, orixá associado à cura. Este processo está presente em seus trabalhos por meio de uma direção que privilegia a sensorialidade da cena, os gestos, danças, vestes, texturas, musicalidades e línguas de matriz africana, assim como as conexões entre o plano humano e o divino instauradas pelos performers. 

Ainda estudante, no Colégio Estadual Polivalente de Alagoinhas, participa da fundação do Núcleo Amador de Teatro e Artes (Nata), em 1998. Escreve peças como Guarda-roupa íntimo (1999), eleito melhor espetáculo pelos júris oficial e popular de um festival local. 

O Nata se apresenta em Salvador pela primeira vez em 2004, no Teatro Vila Velha, e dois anos mais tarde Fernanda Júlia ingressa no curso de direção yeatral da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O núcleo passa a transitar entre as duas cidades até ser convidado a realizar uma residência artística naquele teatro. Feito inédito a um coletivo teatral do interior baiano e que lhe confere projeção estadual e nacional.

Em 2009, o Nata é rebatizado como Núcleo Afro-brasileiro de Teatro de Alagoinhas, nome que faz jus ao projeto estético sustentado por Fernanda Júlia, em que o rito se torna modo de construção cênica, enlaçando a teatralidade negra às vivências religiosas do candomblé, reforçando atributos artísticos e sagrados dessas duas práticas culturais.  

Em coautoria com o ator e diretor Thiago Romero, cria o espetáculo Sirê Obá, a festa do rei (2009), que dispõe divindades religiosas como protagonistas, em enfrentamento à intolerância religiosa. A dramaturgia parte de uma pesquisa sobre os orikis, poemas em exaltação a orixás. A encenação, ao som de instrumentos de percussão, coloca o público no centro de um cenário que, de acordo com o pesquisador Marcos

Antônio Alexandre, “remete à plateia de um terreiro em dia de festa” e promove a “ativação do movimento ancestral”1. Um teatro físico-ritual no qual os corpos dos atuantes se tornam instrumentos de estados alterados de consciência, como nos ritos de possessão.

Em trabalhos posteriores, Fernanda Júlia se dedica a distintas divindades do candomblé em dramaturgias musicais e poéticas. Em Exu, a boca do universo (2014), trabalha com elementos rítmicos de matriz africana, como o chamado do tambor, o samba e o pagode baiano, com a simbologia religiosa e as expressões em língua iorubá, cultuando a memória daquele povo. “Como Exu rege o movimento do corpo, o que é presentificado em cena, é o corpo em (eterno) movimento, fonte de amor, sexo e de comunicação”.2

Em 2015, dirige o Bando de Teatro Olodum em Ere, sobre os assassinatos de jovens negros no Brasil, com concepção geral do ator Lázaro Ramos (1978). Em sua pesquisa de mestrado, concluída em 2016, a artista avalia que, em parte de sua trajetória criativa, a forma dramática ocidental conflita com a narrativa e com a lírica da poesia africana. A partir dessa consciência crítica, inicia-se uma nova fase do trabalho artístico com o Nata. 

Ao analisar os procedimentos que norteiam sua prática cênica como encenadora, distingue três princípios: as narrativas mito-poéticas, o teatro ritual e a tradição na contemporaneidade, embasados em aspectos antropológicos e performáticos do candomblé. São as vias para forjar um teatro “descolonizado, afirmativo e engajado”3 em rever os processos de dominação e reaver a herança cultural negra africana. 

Também em 2016, Fernanda Júlia dirige a Companhia Transitória, de Curitiba, em Macumba – uma gira sobre poder. Na relação teatral com o público, recompõe a “energia contagiante do terreiro, sua corporeidade intensificada, a musicalidade vibrante” presentificando o poder dos orixás, enquanto a dramaturgia demanda o empretecimento do capitalismo4. Em 2017, realiza a direção de Traga-me a cabeça de Lima Barreto, com o ator Hilton Cobra (1956), no Rio de Janeiro. A recepção crítica enfatiza a ironia com que o monólogo destrincha a eugenia diante da produção artística de intelectuais negros.

Em 2019, já adotando o nome artístico-espiritual Onisajé, torna-se a primeira encenadora negra a assumir a direção de um espetáculo da Companhia de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 63 anos de história, à frente de Pele negra, máscaras brancas, baseado em escritos do psicanalista Frantz Fanon (1925-1961). Sobre a peça, a crítica Lorenna Rocha observa que o foco no empoderamento negro pelo viés mercadológico reitera “ficções neoliberais”5.

Ao mobilizar saberes ancestrais na construção de um teatro engajado na revalorização da herança cultural africana e no enfrentamento de estruturas racistas, no limiar entre os ritos teatrais e religiosos, Onisajé busca sensibilizar tanto iniciados no candomblé quanto o público geral, praticando a tradição na contemporaneidade.

Notas 

1. ALEXANDRE, Marcos Antônio. O teatro negro em perspectiva: Dramaturgia e cena negra no Brasil e em Cuba. Rio de Janeiro: Malê, 2017. p. 120.

2. Ibidem. p. 128.

3. BARBOSA, Fernanda Júlia. Ancestralidade em cena: o teatro negro do grupo Nata. Portal de Teatro Primeiro Sinal, Belo Horizonte. Textos. Disponível em: https://primeirosinal.com.br/ancestralidade-em-cena-o-teatro-negro-do-grupo-nata/. Acesso em: 20 jun. 2021.

4. ROMAGNOLLI, Luciana. Formas para as diferenças: Festival de Curitiba 2017, parte 3. Horizonte da Cena, 5 jul. 2017. Coberturas críticas. Disponível em:  https://www.horizontedacena.com/formas-para-as-diferencas-festival-de-curitiba/. Acesso em: 20 jun. 2020.

5. ROCHA, Lorenna. Festival Cenas do Nordeste – 2ª edição: sobre ecos e curadoria. 4ª Parede, 19 mai. 2021. Críticas. Disponível em: https://4parede.com/cenas-do-nordeste-2021-sobre-ecos-e-curadoria/ Acesso em: 20 jun. 2021.

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