Carlos Petrucci
Texto
Carlos Alberto Petrucci (Pelotas, Rio Grande do Sul, 1919 - Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2012). Pintor, desenhista e cenógrafo. Referência da arte moderna gaúcha, é reconhecido pelos retratos, pinturas figurativas, abstratas e hiper-realistas.
Autodidata, Petrucci desenha desde a infância. Entre 1935 e 1936, aos quinze anos, inicia estudos de desenho com o pintor Adail Bento Costa (1908-1980), no Instituto de Belas Artes de Pelotas1. Nesta época, já copiava artistas de cinema e quadros de outros pintores publicados em revistas, prática que o acompanha ao longo de sua trajetória. Muda-se para Porto Alegre em 1938, onde ingressa em uma empresa de cartazes de rua e pratica técnicas em desenho. Em 1944, é contratado como desenhista técnico na Secretaria Estadual de Obras Públicas. Neste momento, passa a desenvolver seu trabalho artístico paralelamente ao emprego público. Têm nesta fase inicial duas fortes influências, o artista Vasco Prado (1914-1998), com quem divide ateliê, e a Revista do Globo, periódico ilustrado de Porto Alegre.
A carreira artística de Petrucci desenvolve-se através da participação em inúmeros salões, exposições coletivas e individuais. Produz sistematicamente até o final dos anos 1990, experimentando técnicas e linguagens diversas. São temas recorrentes em seu corpo de obra retratos, paisagens hiper-realistas, pinturas figurativas e abstratas.
O figurativismo está presente desde o início de sua produção, sendo marcante a representação de cenas íntimas, como na pintura à óleo Ateliê (1947), onde representa o seu local de trabalho.
Entre os retratos, destaca-se Menino com capuz (1942), obra que abre a retrospectiva realizada em 2019 para celebrar o centenário do artista, na Pinacoteca Aldo Locatelli, na capital gaúcha, denominada Petrucci 100. No quadro, pintado à óleo sobre juta, um garoto vestido com agasalho e capuz azuis é retratado ao entardecer, em tons fechados e ambiente sombrio. Há, ainda, retratos de colegas rio-grandenses, como o Retrato de Mário Quintana (1987), do poeta e jornalista gaúcho Mário Quintana (1906-1994), realizado em têmpera, técnica bastante utilizada por Petrucci2.
Ao iniciar trabalhos com monotipia, também passa a desenvolver obras abstratas, sendo comum encontrá-las nas produções entre 1950 e 1970, como Pedra Filosofal (1960), pintura à óleo de uma figura disforme preta com manchas verdes, amarelas e brancas, ou Sem título (1974), pintura de figuras geométricas coloridas que gravitam em um fundo laranja.
Em 1975, viaja pela primeira vez à Europa, onde entra em contato com a produção hiper-realista. Nesta época, inspirado pela viagem, inicia uma série de pinturas hiper-realistas de prédios antigos de Porto Alegre. A excelência técnica dessas pinturas marcam a produção de Petrucci. Segundo a pesquisadora Susana Gastal, o interesse de Petrucci em retratar prédios antigos, parte de uma preocupação com a transformação da cidade e o desaparecimento de sítios significativos do patrimônio arquitetônico. A reprodução com grande rigor técnico, em sua maioria em têmpera, é realizada a partir de fotografias de paisagens do meio urbano sul-rio-grandense.
Destaca-se Farmácia Carvalho (1977), uma representação da fachada de um prédio, e Torres (1979), imagem de um dia ensolarado em uma praia de Torres, no Rio Grande do Sul. Demarcam este conjunto as sombras projetadas, extremamente definidas, e o tom cromático utilizado, como em Pão dos Pobres (1976), onde as cores das paredes do prédio se repetem no piso e nas árvores, conferindo à imagem uma uniformidade sutil. Gastal menciona sobre essas pinturas uma ligeira atmosfera metafísica3. Petrucci retira dessas representações o que considera um ruído visual, como postes, letreiros e, sobretudo, pessoas, deixando somente prédios, vias e vegetação. O que, segundo o artista Alfredo Nicolaiewsky (1952), confere aos quadros uma sensação de vazio e solidão. Já para o crítico Carlos Scarinci (1932), o tempo é o personagem central da série hiper-realista de Petrucci.
Petrucci também produz murais com técnicas diversas, como o mural do Edifício Santa Cruz, em Porto Alegre, onde representa tradições locais relacionadas à música e à dança. Entre 1948 e 1959, colabora com o Teatro do Estudante do Rio Grande do Sul, realizando cenários para seis peças, entre elas Antígone (1948)4. A convite do Serviço Estadual de Turismo do Rio Grande do Sul, Petrucci ainda realiza, entre 1961 e 1963, uma série de cartazes para divulgação do estado no Brasil e no exterior. Entre eles, o cartaz Festa da Uva 1961 (1961), realizado para a tradicional festa da Serra Gaúcha. Em tons chamativos, um grande cacho de uvas vermelhas sobre folhas verdes centraliza a imagem. As letras são recortadas em cartolina branca e coladas sobre a pintura.
Petrucci também participa ativamente do desenvolvimento artístico-cultural da capital gaúcha. Integra a Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa6, da qual é eleito presidente em 1953 e 1954. Associa-se ao Clube de Gravura de Porto Alegre e ao Clube de Gravura de Bagé7, iniciativas que tiveram um importante papel na renovação das artes gráficas do estado, com repercussão nacional.
Carlos Alberto Petrucci explora o gênero da pintura, sua produção é marcada por inúmeras fases, transitando do figurativo ao abstracionismo e ao hiper-realismo. Colabora para o desenvolvimento artístico da capital gaúcha, consolidando-se como uma referência da arte moderna brasileira.
Notas
1. Em 1927, o Conservatório de Música de Pelotas, fundado em 1918, passa a ser o Instituto de Belas Artes de Pelotas, para atender a demanda por aulas de desenho e pintura. Desde a sua fundação convive com dificuldades financeiras. Em 1937 é municipalizado, voltando a se chamar Conservatório de Música.
2. Têmpera é uma técnica de pintura na qual os pigmentos ou os corantes são misturados com um material aglutinante
3. In: NICOLAIEWSKY, Alfredo. A realidade da ficção na pintura de Carlos Alberto Petrucci. Revista Gama, v. 5, 2017, p. 32.
4. Adaptação da clássica tragédia Antígona, de Sófocles (c.497 a.C.-c.406 a.C.), Antigone (1944) é escrita pelo dramaturgo francês Jean Anouilh (1910-1987) e, na encenação brasileira de 1948, dirigida pelo escritor e crítico literário gaúcho Guilhermino César (1908-1993).
5. A Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa é uma tradicional associação de artistas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, sendo uma das mais antigas em seu gênero no estado. Fundada em 1938, surgiu como uma alternativa para o sistema oficial de ensino de arte oferecido pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Teve um importante papel no incentivo à produção plástica no Rio Grande do Sul, e participou de diversos movimentos culturais e políticos de repercussão na cena sulina.
6. No Rio Grande do Sul houve dois importantes Clubes de Gravura: o de Porto Alegre (CGPA), criado em 1950 por Vasco Prado (1914-1998) e Carlos Scliar (1920-2001); e um ano depois o de Bagé (CGB), criado por Danúbio Gonçalves (1925), Glênio Bianchetti (1928-2014) e Glauco Rodrigues (1924-2004).
Espetáculos 1
Exposições 81
Fontes de pesquisa 27
- 150 anos de pintura no Brasil: 1820-1970. Rio de Janeiro: Colorama, 1989.
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CARLOS Petrucci.
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