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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Aquele Abraço

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 24.06.2020
1969
Na manhã de 27 de dezembro de 1968, os músicos Caetano Veloso (1942) e Gilberto Gil (1942) são detidos em seus apartamentos, no centro de São Paulo, cidade onde moram nessa época, e levados de carro para o Rio de Janeiro por oficiais do 2º Exército. Depois de algumas horas na sede do Ministério da Guerra, seriam encaminhados para o quartel da Po...

Texto

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Na manhã de 27 de dezembro de 1968, os músicos Caetano Veloso (1942) e Gilberto Gil (1942) são detidos em seus apartamentos, no centro de São Paulo, cidade onde moram nessa época, e levados de carro para o Rio de Janeiro por oficiais do 2º Exército. Depois de algumas horas na sede do Ministério da Guerra, seriam encaminhados para o quartel da Polícia do Exército, no bairro da Tijuca e dali, são despachados para outro quartel, em Deodoro, na zona oeste da capital fluminense, sendo desta vez confinados com outras pessoas em celas contíguas. Entre os presos da cela de Gil estão o poeta Ferreira Gullar (1930-2016) e os jornalistas Antonio Callado (1917-1997) e Paulo Francis (1930-1997).

O encarceramento de artistas, intelectuais e ativistas havia começado em 13 de dezembro, com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que dá início ao recrudescimento do regime militar e deflagra cassações políticas, atos de censura e o fechamento do Congresso. 

Em meados de janeiro de 1969, Caetano e Gil são transferidos para diferentes quartéis do Regimento de Paraquedistas, na Vila Militar, em Deodoro. Gil fica na Infantaria, aos cuidados de oficiais que lhe permitem certos benefícios, como, por exemplo, ter um violão em sua cela, regalia negada a Caetano, instalado na unidade de Aviação. “Aquele abraço, Gil!” é a maneira como o compositor costuma ser saudado pelos soldados, que na verdade repetiam um bordão do comediante Lilico, muito popular naquele tempo. Gil, no entanto, por não estar habituado a ver televisão, não só desconhecia a expressão como ficava encafifado ao escutá-la. “Que abraço é esse”, pensava.

A dupla que encabeça o movimento tropicalista é solta na manhã da Quarta-Feira de Cinzas. Ao passar pela avenida Presidente Vargas, palco do Carnaval carioca na época, os músicos ainda puderam ver os restos da folia de 1969. Em seguida, são encaminhados ao aeroporto e levados até Salvador, onde permanecem confinados pelos próximos cinco meses em prisão domiciliar, até finalmente partirem para o exílio em Londres.

“Meses depois de solto, eu vim ao Rio tratar da questão da saída do Brasil com o Exército. Na manhã do dia da minha volta pra Salvador, fui visitar Mariah Costa, mãe de Gal; ali, na casa dela, eu ideei e comecei Aquele Abraço. Finalmente eu ia poder ir embora do país e tinha que dizer bye bye; sumarizar o episódio todo que estava vivendo, e o que ele representava, numa catarse. Que outra coisa para um compositor fazer uma catarse senão numa canção?”, comenta Gil em depoimento ao livro Todas as Letras

Dentro do avião que o leva de volta a Salvador, o compositor rabisca os primeiros versos num guardanapo, enquanto ia mentalizando a música. “Tanto que é uma melodia muito simples, quase um blues. Como eu não dispunha de instrumento, tive que recorrer a uma estrutura fácil para guardar na memória. Quando cheguei à Bahia, eu só peguei o violão e toquei”, lembra o compositor. Eis a letra:

“O Rio de Janeiro continua lindo 

O Rio de Janeiro continua sendo 

O Rio de Janeiro, fevereiro e março 

 

Alô, alô, Realengo – aquele abraço! 

Alô, torcida do Flamengo – aquele abraço!

 

Chacrinha continua balançando a pança

E buzinando a moça e comandando a massa

E continua dando as ordens no terreiro 

 

Alô, alô, seu Chacrinha – velho guerreiro 

Alô, alô, Terezinha, Rio de Janeiro 

Alô, alô, seu Chacrinha – velho palhaço 

Alô, alô, Terezinha – aquele abraço! 

 

Alô moça da favela – aquele abraço! 

Todo mundo da Portela – aquele abraço! 

Todo mês de fevereiro – aquele passo!

Alô Banda de Ipanema – aquele abraço! 

 

Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço

A Bahia já me deu régua e compasso 

Quem sabe de mim sou eu – aquele abraço! 

Pra você que me esqueceu – aquele abraço!”.

Embora a letra mencione o bairro de Realengo, onde também existia um quartel do Exército, Gil nunca esteve detido ali. O lugar entra na música simplesmente por a palavra rimar com Flamengo.

Em uma das estrofes, há uma homenagem ao apresentador Abelardo Barbosa (1917-1988), o Chacrinha, que sempre acolhera muito bem os compositores baianos em seu programa televisivo. Egresso dos tempos áureos do rádio, Chacrinha era uma referência para os tropicalistas, com sua figura espalhafatosa que contrariava a estética bem-comportada predominante na televisão brasileira. 

Com o intuito de angariar fundos para pagar as passagens aéreas para a Europa, mais os custos de vida de seus primeiros meses no exílio, Caetano e Gil, até então proibidos de realizar apresentações públicas durante o período do confinamento em Salvador, recebem autorização para assumir os microfones em cima de um palco. Nos dias 20 e 21 de julho de 1969, no Teatro Castro Alves, eles apresentam o espetáculo Barra 69, no qual Aquele Abraço é interpretada pela primeira vez.  

Em Verdade Tropical, seu livro de memórias, Veloso descreve a importância da canção: “No show, a plateia também foi tomada pela música, e cantou-a com Gil como se já a conhecesse de muito tempo. O lugar onde a ironia se punha nessa canção – que parecia ser um canto de despedida do Brasil (representado pelo Rio, como é tradição) sem sombra de rancor – fazia a gente se sentir à altura das dificuldades que enfrentava. Aquele Abraço era, nesse sentido, o oposto do meu estado de espírito, e eu entendia comovido, do fundo do poço da depressão, que aquele era o único modo de assumir um tom de ‘bola pra frente’ sem forçar nenhuma barra. Nunca esta canção deixará de ter, para mim, uma importância afetiva semelhante à de Chega de Saudade, à de La Strada, à de Les Mots”.

A gravação original de Aquele Abraço faz parte do LP Gilberto Gil (Philips, 1969) e começa como uma dedicatória, em que o cantor anuncia: “Esse samba vai pra Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso”. É a última música registrada pelo compositor antes de seu embarque para a Europa – Gil sequer teve tempo de ouvir a versão final. Aquela canção, porém, se tornaria um dos maiores sucessos de sua carreira. Além de passar dois meses no topo das paradas de sucesso, o compacto contendo o samba vendeu mais de 300 mil cópias.

Por causa dessa música Gilberto Gil é premiado com o Golfinho de Ouro, do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS/RJ). Mas recusa o prêmio num artigo publicado no Pasquim, intitulado Recuso + Aceito = Receito. Nesse artigo ele escreve: “Se ele pensa que em Aquele Abraço eu estava querendo pedir perdão pelo que fizera antes, se enganou. E eu não tenho dúvidas de que o Museu realmente pensa que Aquele Abraço é um samba de penitência pelos pecados cometidos contra a ‘sagrada música brasileira’ (...) Com a publicação desta carta, o prêmio está implicitamente recusado. Que o Golfinho volte para as águas tranquilas de sua insignificância”1.

Em 1977, o próprio Gil fez uma versão em inglês da letra, com o título de Hello, Rio, anos mais tarde gravada pela cantora Clara Moreno (1971), no CD Mutante (Timew, 1999).

Nota

1. Documento – carta datilografada – disponível no Programa Hélio Oiticica, no site do Itaú Cultural. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=documentos&cod=184&tipo=2. Acesso em: 30 dez. 2013.

Fontes de pesquisa 4

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  • CALADO, Carlos. Tropicália – a história de uma revolução musical. São Paulo: Editora 34, 1997.
  • RENNÓ, Carlos (org.). Todas as letras – Gilberto Gil. Ed. rev. e ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  • RENNÓ, Carlos. Uma vez, uma canção – Gilberto Gil. Exibido originalmente em 1º jan. 2006. TV Cultura de São Paulo. Disponível em: http://youtu.be/X3YN-Tr7sXQ. Acesso em: 18 dez. 2012
  • VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997.

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