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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Mulher Objeto

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.05.2024
1981
Quinto e último filme do telenovelista Silvio de Abreu (1942), Mulher Objeto é consequência do sucesso de A Dama do Lotação (1978). O impacto do filme de Neville D'Almeida (1941) estabelece diálogo amistoso entre os diretores, que pretendem unir esforços para diversificar a produção cinematográfica brasileira, dominada pela pornochanchanda e bai...

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Quinto e último filme do telenovelista Silvio de Abreu (1942), Mulher Objeto é consequência do sucesso de A Dama do Lotação (1978). O impacto do filme de Neville D'Almeida (1941) estabelece diálogo amistoso entre os diretores, que pretendem unir esforços para diversificar a produção cinematográfica brasileira, dominada pela pornochanchanda e baixa qualidade técnica.  

Mulher Objeto busca em A Dama do Lotação o tema da mulher aparentemente frígida, que não se satisfaz com o marido – perspectiva inconcebível para a visão sexista das pornochanchadas. Nesse sentido, o filme atualiza a cena dramatúrgica com o debate de temas inaugurados no programa TV Mulher (1980): impotência, impulso sexual, homossexualidade e frigidez.

Silvio de Abreu, cinéfilo declarado, identificado com a produção da boca do lixo, em São Paulo, declara à época que seu desejo é “fazer um cinema popular, [...] não sobre o povo, mas para o povo, [com] uma maneira intrigante de contar uma história”, transformando “o sexo num elemento de suspense” [1].

A trama do filme caminha nessas direções. Regina [Helena Ramos (1953)], ex-secretária, casa-se com seu patrão, o bem-sucedido empresário Hélio [Nuno Leal Maia (1947)]. Entretanto, ela recusa contato sexual com o marido e fantasia relações com desconhecidos. Uma psicanalista [Karin Rodrigues (1936)] sugere que o pânico de Regina com o marido e os amantes imaginários provêm de traumas surgidos na infância. Cabe a Regina rastrear os indícios desse trauma.

A história inspira-se nos filmes do diretor estadunidense Alfred Hitchcock (1899-1980), notadamente de Marnie, Confissões de uma Ladra (1964) e no tema de A Dama do Lotação, do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980). Do primeiro, aproveita a condução dramática do filme e o uso rudimentar de conceitos de psicanálise. Do segundo, além da semelhança temática, utiliza o recurso de cenas eróticas para retratar as fantasias de Regina.

Desse modo, os flashes das imagens representativas do inconsciente da personagem – o conflito com a mãe pobre, as discussões com o marido que exige dela comportamento sexual exemplar ou as conversas com a amiga conselheira [Kate Lyra (1949)], que lhe exibe o sobrinho e jovem amante como prova de liberação plena – intercalam-se com 18 cenas eróticas. A atração por um encanador abrutalhado, os enleios sobre um cavalo em um campo hípico, a sedução de um ato lésbico e o jogo proibido de um amor adolescente são algumas das representações das fantasias sexuais da personagem. 

Ao final, graças às sessões de psicanálise, Regina recupera cenas que dão origem ao trauma: o choque vivenciado diante de uma relação sexual dos pais associa-se à educação repressiva em um colégio religioso, que culmina com o castigo, por colocar em prática o primeiro impulso sexual com outro adolescente. Desvendado o enigma, Regina está preparada para se tornar uma mulher realizada.

Embora o filme pretenda apresentar a mulher moderna que busca se libertar de repressões sexuais do passado, algumas críticas enxergam nele apenas a reafirmação do título. Para esses críticos, a mulher continua sendo tratada como objeto sexual, dependente econômica e emocionalmente do marido, “uma coisa a ser usada como o homem deseja [...]. Como pode-se pensar em liberação feminina?”, pergunta uma delas1. Possui pretensões intelectuais que procuram retratar a libertação sexual, no entanto, “a fantasia [da personagem] corresponderia muito mais a uma experiência masculina do que feminina”2. Nesse sentido, o filme não ultrapassa a visão machista que permeia as pornochanchadas: embora as fantasias sexuais pertençam à mulher, o domínio da perversão tem o aval do homem. 

O final do filme parece corroborar essa visão. Regina, consciente da lembrança que lhe causa o trauma, procura o gozo nos braços do amigo mais velho (a figura do pai, responsável pelo mal de origem) e, em seguida, nos do marido. Nesse "final feliz", o homem finalmente tem a mulher “inteira” que deseja. Em outras palavras, para encontrar a satisfação sexual, Regina deve propiciar prazer ao homem rico que a acolhe como esposa. 

Para Silvio de Abreu, Regina oscila entre dois meios adversos: de um lado, o ambiente burguês e amoral que lhe é propiciado pelo homem que, de certa forma, a comprou e tem direitos sobre ela; de outro, vagueia física ou imaginariamente pelo mundo miserável, violento e angustiado de sua família, cuja mãe recomenda fingir o gozo para agradar o marido. Regina, porém, quer ultrapassar esses valores e isso a sintoniza com os modernos ideais femininos. Ela está decidida a fazer sexo “só se puder tirar algum proveito ao nível do seu próprio prazer”3.

A crítica, de maneira geral, acolhe o discurso do filme que defende os direitos femininos e foge do esquema rasteiro das pornochanchadas, nas quais a mulher desempenha papel secundário e, geralmente, degradado. Segundo a jornalista Susana Schild, “[o filme] encaixa-se mais na linha de um cinema erótico bem-produzido com um pano de fundo de dramalhão com elementos psicológicos”4.

É possível também concordar com o cineasta ao redefinir sua obra. Ele simplifica a questão e coloca o trauma sexual como vilão do filme: “[trata-se da] história de duas pessoas que querem se entender, que não se entendem, porque o sexo atrapalha e, enquanto não resolverem os problemas sexuais, não vão se encontrar”6.

A bilheteria é modesta: cerca de 1,2 milhão de espectadores, público pequeno se comparado a A Dama do Lotação, com mais de 6 milhões de ingressos vendidos. A profusão de nus frontais e pênis eretos, sugerindo mais veracidade sexual, antecipa o filão de filmes de sexo explícito que dominam o mercado cinematográfico na década de 1980. Mulher Objeto encontra-se em um ponto da curva em que o cinema brasileiro parece atingir o apogeu e o fim das pornochanchadas.

Notas

1. ABREU, Silvio de. Entrevista a Oswaldo Mendes. Folha de S.Paulo, São Paulo, 6 set. 1981.

2. DIRANI, Zenia Cazzulo. Mulher-objeto, um título bem dado. Correio do Povo, Porto Alegre, 15 nov. 1981. p.4.

3. ABREU, Silvio de. Entrevista a Oswaldo Mendes, Folha de S.Paulo, São Paulo, 6 set. 1981.

4. SCHILD, Susana. Inversão de papéis. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2 nov. 1981. Caderno B, p.2.

5. CAETANO, Daniel. Silvio de Abreu. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 51, p.32-36, jul. 2010.

Fontes de pesquisa 6

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  • ABREU, Silvio de. Entrevista a Oswaldo Mendes. Folha de S.Paulo, São Paulo, 6 set. 1981.
  • CAETANO, Daniel. Silvio de Abreu. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 51, p.32-36, jul. 2010.
  • CUNHA, Maria Carneiro da. Pornô metido a intelectual. Movimento, São Paulo, p.24, 19-25 out. 1981.
  • DIRANI, Zenia Cazzulo. Mulher-objeto, um título bem dado. Correio do Povo, Porto Alegre, 15 nov. 1981. p.4.
  • MENDES, Oswaldo. O filme romântico de um artista da simplicidade. Folha de S.Paulo, 6 set. 1981. p.38.
  • SCHILD, Susana. Inversão de papéis. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2 nov. 1981. Caderno B, p.2.

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