Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

A menina morta

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 31.08.2017
1954
Publicado em 1954, A Menina Morta é o último dos quatro romances do escritor fluminense Cornélio Penna (1896-1958). Nele, sintetiza as diretrizes do romance brasileiro de seu tempo: alia a temática regionalista, em voga entre seus contemporâneos, à investigação psicológica, da qual é mestre. A caracterização de tipos sociais, costumes e ambiente...

Texto

Abrir módulo

Análise

Publicado em 1954, A Menina Morta é o último dos quatro romances do escritor fluminense Cornélio Penna (1896-1958). Nele, sintetiza as diretrizes do romance brasileiro de seu tempo: alia a temática regionalista, em voga entre seus contemporâneos, à investigação psicológica, da qual é mestre. A caracterização de tipos sociais, costumes e ambientes locais, e o foco narrativo voltado ao estudo de memórias e estados de espírito dos protagonistas ganham o reforço da perspectiva histórica. A obra situa-se entre  o romance histórico e a narrativa psicológica. 

A narrativa decorre no Vale do Paraíba, berço da cultura cafeeira, na divisa dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Ambienta-se no Grotão, fazenda dedicada à monocultura do café, no período que antecede a abolição da escravatura e o fim do Império. A fazenda pertence ao Comendador Albernaz, senhor de trezentos escravos, família e agregados. Está distante da Corte, porém, inserida na estrutura da economia cafeeira, da qual derivam seus requintes civilizados e a ligação com o mundo exterior.

 

Em torno de sua gente, desenrola-se o enredo do romance, que tem por ponto de partida a morte da filha mais nova dos senhores da fazenda. Com a morte da menina, desaparece o elemento que agrega, emocionalmente, a população heterogênea e desigual da fazenda. Sem ela, cresce o distanciamento entre o Comendador e sua mulher, Dna. Mariana, e brotam diferenças entre a governante alemã (sra. Luísa) e as mucamas da fazenda. Os trabalhadores do local, como o carpinteiro José Carapina e o cocheiro Bruno, passam a enxergar com frustração e fastio a condição de escravos, enquanto as primas do Comendador e de sua mulher (Dona Virgínia, Celestina e as irmãs Sinhá Rôla e Dona Inacinha), integradas à estrutura social na condição de agregadas, passam a revolver antigos e desagradáveis assuntos familiares ao mesmo tempo em que se sentem prisioneiras de um mundo de conforto, consolidado à revelia. O vazio deixado pela morte da menina traz à consciência das personagens a violência das relações interpessoais e a desagregação da ordem doméstica e produtiva. 

A função dos afetos no Grotão confirma-se com o retorno da outra filha dos proprietários, a jovem Carlota, à fazenda. Retornando a pedido do pai, Carlota ocupa o espaço deixado pela irmã e assume a responsabilidade funcional da menina morta, ao mesmo tempo em que confronta a repressão e o silêncio que tudo dominam. Diante das interdições que compõem a aura fantasmagórica da fazenda do Grotão, Carlota protagoniza a segunda parte da narrativa num percurso de crítica e desvelamento. Recusa a imposição de um casamento de conveniência com vistas à manutenção da ordem política do Império e a ordem econômica (e psicológica) vigente na fazenda. Com isso, torna-se o centro da transformação da propriedade. Por meio de Carlota, precipita-se a destruição do sistema opressor sob o qual a fazenda é regida, desde a liberação das mulheres agregadas à reabilitação de Dona Mariana, cujos padecimentos têm relação direta com a postura do Comendador, à alforria final dos escravos da propriedade e a ruína da fazenda.  

Segundo Alfredo Bosi (1936)1, A Menina Morta realiza o que Mário de Andrade (1892-1945) compreende serem, em comentário às primeiras realizações de Penna, os “romances de um antiquário”, dedicados à reconstituição minuciosa de “ambientes antiquados” nos quais faz valer a perspectiva de “um antiquário apaixonado, que em cada objeto antigo vê nascer uns dedos, uns braços, uma vida, todo um passado vivo”, repleto “de sobrevivência humana assombrada”2 .Tal perspectiva, nos primeiros romances de Penna, é fundamental para a criação do registro psicológico insólito, do mistério e do eventual apagamento das fronteiras entre realidade e fantasia. Depura-se em A Menina Morta com vistas ao entendimento de um modo de vida central para a formação da sociedade brasileira. O grande protagonista do romance é a sociedade escravocrata, buscada não pelo quadro realista ou pela exposição objetiva de tipos e relações sociais, mas pela construção de sua opressiva dimensão subjetiva. Por meio do narrador onisciente, infiltrado na alma de cada personagem, Penna recobra temas centrais do romance brasileiro (em particular, o universo rural e a escravidão) sob um enfoque específico, combinando requinte descritivo a uma arqueologia afetiva “que a seu modo e em seu mistério”, como reconhece Mário de Andrade em 1939, “ainda manda sobre nós”.

Em sua combinação de romance psicológico, reconstituição histórica e estudo social, A Menina Morta é um dos originais romances do século XX brasileiro.

Notas

1 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 32 ed. São Paulo: Cultrix, 1994. p. 415-416

2 ANDRADE, Mário de. Romances dum Antiquário (24-IX-1939). In: O empalhador de passarinho. São Paulo: Livraria Martins Editora. p. 109-110.

Fontes de pesquisa 6

Abrir módulo
  • ANDRADE, Luis Eduardo da Silva. O medo à espreita: A menina morta, de Cornélio Penna. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Sergipe, Sergipe, 2013.
  • ANDRADE, Mário de. Romances dum Antiquário (24-IX-1939). In: _______. O empalhador de passarinho. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1946. (Obras completas de Mário de Andrade XX).
  • BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 32. ed. rev. e aum. São Paulo: Cultrix, 1994.
  • LIMA, Luiz Costa. O romance em Cornélio Penna. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
  • MIRANDA, Wander Melo. A menina morta: a insuportável comédia. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1979.
  • PENNA, Cornélio. Romances completos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1958.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: