Braços Cruzados, Máquinas Paradas
Texto
O movimento operário independente e combativo que ressurge em São Paulo a partir de 1978 e articula as primeiras greves de trabalhadores desde o golpe militar [1] encontra um aliado neste documentário à margem dos mecanismos tradicionais de produção. As diversas manifestações que se espraiam pelas indústrias da capital e do ABC paulista são registradas em filmes, como Greve! e Trabalhadores: Presente!, ambos realizados em 1979 por João Batista de Andrade (1939). Além deles, em Greve de Março (1979), de Renato Tapajós (1943); ABC da Greve (1990), de Leon Hirszman (1937-1987); e no longa-metragem Braços Cruzados, Máquinas Paradas, de Sérgio Toledo (1956) e Roberto Gervitz (1957).
Braços Cruzados, Máquinas Paradas documenta importantes eventos políticos de 1978: a greve de maio, a manifestação na Praça da Sé contra a carestia e as tumultuadas eleições para a direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Filme militante com dimensão analítica, o documentário valoriza “o discurso e a ação das pessoas que faziam o movimento” [2]. Tem como finalidade fomentar a discussão com as bases e com os trabalhadores de outras categorias.
O fluxo dramático ordena-se em três partes. No prólogo, mostram-se cenas de arquivo do Cine Jornal Brasileiro, órgão de propaganda do Estado Novo [3]. As cenas ilustram a tese de que a estrutura sindical imposta por Getúlio Vargas (1883-1954) tem inspiração fascista e engessa a ação do movimento operário. Nas duas partes subsequentes, acompanha-se a organização dos trabalhadores nos preparativos da greve de 1978. O filme documenta, também, a campanha da chapa Oposição Sindical Metalúrgica (OSM) para a eleição da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, com vistas a torná-lo democrático e independente, não mais atrelado ao Estado.
Em momento tenso, encena-se a decisão que envolve o início do movimento paredista. O recurso ficcional adotado serve para relacionar os dois processos – o da greve e o da eleição sindical, pois ambos compõem a estratégia política dos opositores. A fraude na eleição comprova que a estrutura sindical é instrumento a serviço dos patrões e não dos operários. Como forma de superar esse entrave, é proposta a instauração de uma comissão de fábrica, que prepara a greve sem a interferência do sindicato.
Joaquim dos Santos Andrade, conhecido como Joaquinzão, representa o peleguismo, sindicalismo que defende os interesses patronais. Para descrevê-lo, o filme lança mão do contraste entre seu discurso empolado e burocrático e a fala inflamada dos oposicionistas. Inter-relaciona a “política de resultados” que Joaquinzão propõe com a perpetuação da pobreza de trabalhadores amontoados em favelas. Na primeira parte, os componentes da chapa de oposição questionam o papel de Andrade como mediador entre o capital e o trabalho. Essa mediação impede a representação dos operários nas reivindicações salariais e no direito de greve. Na segunda parte, após vencer a eleição sindical, Joaquinzão rebate, sem clareza, as acusações de fraude que lhe asseguram novamente o a posse como presidente do sindicato. Fica demonstrada, de maneira direta, a ligação da chapa vitoriosa com o Ministério do Trabalho e as autoridades patronais, reforçando a tese defendida no prólogo.
As cenas finais documentam o movimento contra a carestia e a repressão violenta feita pelo aparato policial. Tais cenas parecem não se encaixar no eixo dramático do filme, entretanto, servem de contraponto à derrota da chapa de oposição nas eleições sindicais. Destacam a questão que fundamenta a causa do operariado: assim como a greve, o movimento e a luta proporcionam a união dos trabalhadores para desestabilizar da estrutura vigente, não apenas sindical, mas também política e econômica. Isso que permite ao narrador, sobre imagens fotográficas do acontecimento, relatar a grande greve de novembro e provar que “a estrutura sindical começa a cair”, apesar da vitória pelega.
As condições que fundamentam a produção do filme (16 milímetros, preto e branco, temática de caráter político em um regime de violenta censura) impedem sua distribuição em circuito comercial. No entanto, dezenas de cópias correm pelo Brasil nos anos posteriores. As exibições especiais, promovidas pela Dinafilme, empresa alternativa que distribui o filme no circuito cineclubista universitário e sindical, atingem um público estimado de cerca de um milhão e meio de espectadores [4].
O crítico Jean-Claude Bernardet (1936), ao comentar o lançamento do filme, elogia a tomada de partido dos cineastas, que recusam “uma postura sociológica, um distanciamento universitário que frequentemente marcam os filmes sobre o 'povo'”. Critica, todavia, a encenação do início da greve, pois não entende o acréscimo de “um pedaço de filme italiano sobre o operariado” [5]. Anos depois, reconsidera sua posição: o trecho encenado é “a maneira, imaginária, de furar o bloqueio da fronteira”, o portão de entrada da fábrica, que “delimita o espaço em que a câmera pode atuar e acaba funcionando como símbolo, no espaço, do choque entre duas classes sociais” [6].
Olga Futemma (1951), em análise posterior, conclui que a obra sobrevive “não apenas como registro de uma situação de época, mas como filme empenhado, desde as questões do desenvolvimento do raciocínio político até de acabamento e soluções puramente cinematográficas” [7]. Motivo suficiente para o prêmio que o documentário recebe no Festival de Leipzig, em 1979.
Notas
[1] A ditadura militar instaura-se em 1º de abril de 1964 e permanece até 15 de março de 1985. Os direitos políticos dos cidadãos são cassados, e os dissidentes, perseguidos.
[2] GERVITZ, Roberto. Depoimento. In: CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL. Cineastas e Imagens do Povo: mostra. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2010. p. 111.
[3] Período entre os anos de 1937 a 1945, no qual o presidente Getúlio Vargas (1882-1954) promove o fechamento do Congresso Nacional, extingue os partidos políticos e impõe censura à imprensa e às manisfestações artísticas.
[4] RAULINO, Aloysio. As imagens das greves: depoimento. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 46, p. 49, abr. 1986.
[5] BERNARDET, Jean-Claude. A greve já chegou nas telas. Última Hora, São Paulo, 30 abr. 1979. p.15.
[6] BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 265.
[7] FUTEMMA, Olga. Os trabalhadores e a estrutura sindical: uma análise de Braços Cruzados, Máquinas Paradas. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 46, p. 17, abr. 1986.
Mídias (1)
Fontes de pesquisa 5
- BERNARDET, Jean-Claude. A greve já chegou nas telas. Última Hora, São Paulo, 30 abr. 1979. p. 15.
- BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.
- FUTEMMA, Olga. Os trabalhadores e a estrutura sindical: uma análise de Braços Cruzados, Máquinas Paradas. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 46, p. 8-17, abr. 1986.
- GERVITZ, Roberto. Depoimento. In: CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL. Cineastas e Imagens do Povo: mostra. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2010. p. 110-111.
- RAULINO, Aloysio. As imagens das greves: depoimento. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 46, p. 47-49, abr. 1986.
Como citar
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BRAÇOS Cruzados, Máquinas Paradas.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra69181/bracos-cruzados-maquinas-paradas. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7