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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Poetamenos

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 10.06.2020
1973
Publicada em 1953, a coletânea Poetamenos, do poeta paulistano Augusto de Campos (1931), inaugura o concretismo brasileiro. O movimento concreto das artes participa de um questionamento mais amplo (e próprio às vanguardas construtivas da primeira metade do século XX) acerca dos usos e funções dos materiais e das ideias em que se baseiam a ativid...

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Publicada em 1953, a coletânea Poetamenos, do poeta paulistano Augusto de Campos (1931), inaugura o concretismo brasileiro. O movimento concreto das artes participa de um questionamento mais amplo (e próprio às vanguardas construtivas da primeira metade do século XX) acerca dos usos e funções dos materiais e das ideias em que se baseiam a atividade artística. 

Nas artes plásticas, a experimentação geométrica libera formas, suportes e elementos plásticos de qualquer vínculo rigoroso com o sentido e a representação. Na literatura, ela permite redimensionar a prática poética mediante o enfoque no material linguístico e a suas possibilidades expressivas e comunicativas. Volta-se à letra como elemento gráfico, ao fonema como elemento sonoro e ao sentido como experiência perceptiva.

Os seis poemas de Poetamenos exploram o experimentalismo conceitual do movimento. Campos toma emprestado da teoria musical do compositor estadunidense Arnold Schoenberg (1874-1951) e do austríaco Anton Webern (1883-1945) a ideia de uma “klangfarbenmelodie”, isto é, o deslocamento de uma figura melódica entre instrumentos, explorando o timbre próprio a cada um. Com base nessa ideia, desmembra o material verbal de seus poemas em seus aspectos sonoro e visual. Segundo depreendemos da leitura do manifesto que abre o volume, o conjunto “frase/palavra/sílaba/letra[s]” faz as vezes de instrumento musical, “cujos timbres se definem p/ um tema gráfico-fonético ou ‘ideogrâmico’”. Este, por sua vez, exige a “representação gráfica em cores”, que assinala em cada unidade linguística os elementos fônicos que reverberam entre unidades verbais. Deste modo, Campos rompe com a própria noção semântico-morfológica da palavra como elemento fundamental do sentido no poema. 

A racionalização da forma poética baseada no som ganha mais força quando pensada da perspectiva do gênero poético a que Campos recorre. Historicamente, a lírica amorosa amarra os dois principais temas do prefácio-manifesto de Campos, a comunicação verbal e a música. Além disso, a lírica marcada, desde o romantismo, pela expressão subjetiva com a qual Campos pretende romper. Por um lado, a leitura do poema pede distanciamento e impessoalidade no experimentalismo técnico. Por outro, a vocalização coletiva, na qual vozes reais emprestam seus timbres (cores) ao poema, recupera a noção de enlace inerente ao tema amoroso. Um fino equilíbrio entre inovação e tradição resulta da experiência. A arte gráfica, por sua vez, permite a expressão amorosa sob a perspectiva de uma polifonia afinada com a experiência moderna. Tais questões são observáveis em “por/suposto:”, primeiro poema da série. Nele, o contraste visual entre as cores roxa e amarela – plataforma de vozes em diálogo – produz os contrapontos entre “rocha” e “aedo” como qualificativos de um eu (“eu/rochaedo”) que lança o entusiasmo nele inscrito (“rupestro/cactus”) ao mar, para formar uma só voz (“ao mar: us/ somos/ um unis/ sono”). A substancialidade desse eu, porém, não se mede pela expressividade em si, mas pela soma de sons cujo sentido marca um apagamento – o do “poetamenos”.

A disposição das cores no corpo do poema é fundamental para a explorar o espaço da página como suporte do sentido. Em “por/ suposto”, a coluna formada pelas palavras do poema mostra a contiguidade do roxo pontuada por intervenções do amarelo (“aedo /estro /ao mar /sono”), sem alterar o vetor da leitura. Nos demais poemas da coleção, os conjuntos de cores se multiplicam propondo caminhos dinâmicos pela página. Em “no/ entrei ah”, cores frias (azul e verde) e quentes (vermelho e amarelo) distribuem-se de modo a sugerir as intensidades dos parceiros em ato sexual (do azul ao verde, no caso do “pênis” que “entra”; do vermelho ao amarelo e de volta ao vermelho, processo relacionado ao púbis que forma o “jardim suspenso”, “paraíso pudendo” da mulher). Aqui, a própria dimensão material do signo linguístico – de cores e vozes que se entrelaçam – permite a mimetização dos corpos. No caso de “lygia finge/rs”, o corpo da mulher ganha a flexibilidade própria ao signo, que se desdobra em cores e anagramas. Assim, “lygia finge/rs” reaparece em “digital”, “grypho”, “lynx”, “conchiglia” e “figlia”, cujas transformações se lançam como desdobramentos de quadros interpolados – o de uma mulher que finge (“lygia finge”) e o que focaliza o movimento enigmático e felino de seus dedos (“finge/rs”).

A dinâmica do sentido dos poemas de Poetamenos fica mais clara quando tomados em sua dimensão sonora. As primeiras vocalizações desses poemas datam de 1954, levadas a cabo por Décio Pignatari (1927-2012) e pelo músico Damiano Cozzella (1929) em resposta a críticas que diziam ser impossível a oralização. Nesse sentido, a experiência poética de Poetamenos abre caminho para importantes formulações e desenvolvimentos do grupo concretista: a noção de uma poesia “verbivocovisual”. O termo é cunhado pelo autor irlandês James Joyce (1882-1941)  ao propor que a poesia seja explorada em sua dimensão semântica, sonora e visual. O conceito torna-se plataforma para a produção do grupo e para desdobramentos artísticos e teóricos (o neoconcretismo carioca e a poesia práxis, por exemplo) que se estendem pelas décadas de 1950 e início de 1960, ocupando o centro do debate sobre uma arte que refletisse o avanço técnico e social do país.

Fontes de pesquisa 4

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  • AGUILAR, Gonzalo Moisés. Poemas de la Camera Oscura (Sobre la poesía de Augusto de Campos). In: Qorpus, Santa Catarina, no. 15. Edição eletrônica. Disponível em: http://qorpus.paginas.ufsc.br/como-e/edicao-n-015/poemas-de-la-camera-oscura-sobre-la-poesia-de-augusto-de-campos-gonzalo-aguilar/. Acesso em: 09 ago. 2016
  • AGUILAR, Gonzalo Moisés. Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada modernista. São Paulo: Edusp, 2005.
  • CAMPOS, Augusto de. Viva vaia (poesia 1949-1979). São Paulo: Perspectiva, 1979.
  • MARCOLINO, Francisco Fábio Vieira. Antirretórica do menos: a poesia pós-concreta de Augusto de Campos. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2013.

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