Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Poesias

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 26.12.2016
Destacado como um dos maiores poetas brasileiros, Gregório de Matos (1636-1696) não deixa um livro com suas composições. O conjunto de sua obra resulta no registro escrito de recolhas orais feitas nos séculos XVII e XVIII na Bahia, objeto de incertezas e polêmicas. Apesar dos problemas relacionados à autoria, os poemas são invariavelmente valori...

Texto

Abrir módulo

Destacado como um dos maiores poetas brasileiros, Gregório de Matos (1636-1696) não deixa um livro com suas composições. O conjunto de sua obra resulta no registro escrito de recolhas orais feitas nos séculos XVII e XVIII na Bahia, objeto de incertezas e polêmicas. Apesar dos problemas relacionados à autoria, os poemas são invariavelmente valorizados pela crítica – ainda que não haja consenso quanto às razões para tal grandeza.

Os primeiros estudos sobre o autor, marcados pela união entre obra e biografia, tornam os poemas uma espécie de crônica de seu tempo, isto é, como representação realista e fiel das instituições e dos comportamentos na Bahia seiscentista. Além disso, depreendem dos versos a personalidade do autor: a exemplo de Manuel Pereira Rabelo, elogiam Gregório de Matos como poeta, mas o condenam como homem infame. Nessa mesma esteira, críticos como Sílvio Romero (1851-1914) destacam o inconformismo e a capacidade crítica do poeta. Em outra linha, há aqueles que, a partir da poesia satírica e da incorporação de vocábulos tupi, afirmam o nativismo e o anticolonialismo dos versos, e os que, contrariamente, ressaltam a fidelidade de Matos ao seu estilo e tempo.

Contemporâneo de Padre Antônio Vieira (1608 – 1697), o poeta baiano, embora leigo, revela-se imerso na mesma cultura teológica. Escreveu poesia religiosa, na qual expressa uma visão de mundo essencialmente barroca, como a angústia com a morte, o desconcerto do mundo, a figuração mais familiar de Deus, aos quais dá forma particular, em geral dilacerada. Nesse sentido, sua lírica religiosa tem a marca de uma “divisão interna”, como aponta o crítico literário Alfredo Bosi (1936). Entre a “via mística” e a “consciência moralista”, em geral esta predomina, havendo até mesmo casos em que o sujeito negocia o perdão divino:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Também o erotismo revela-se cindido. De um lado, há a lírica amorosa, de tom elevado e que se compraz do sofrimento amoroso:           

Cresce o desejo; falta o sofrimento;
Sofrendo morro; morro desejando:
Por uma e outra parte estou penando,
Sem poder dar alívio ao meu tormento.

De outro, a poesia erótico-irônica, com a visão licenciosa do sexo e do corpo feminino, em geral negro ou mestiço, e que se torna objeto de desprezo e luxúria:

Descarto-me da tronga, que me chupa,
Corro por um conchego todo o mapa,
O ar da feia me arrebata a capa,
O gadanho da limpa até a garupa.

Boa parte de sua obra revela o intertexto com autores que também se dedicaram à sátira social, como os espanhóis Gôngora (1561 - 1627) e Quevedo (1580 - 1645) e os portugueses Sá de Miranda (1481 - 1558) e Camões (1524 - 1580). Muitos poemas são adaptações ou traduções – e o que parte da crítica considera plágio outra as vê como característica da poética do tempo.

Conforme argumenta o crítico literário Antonio Candido (1918), Gregório de Matos pertence a um momento em que a literatura brasileira não se havia estabelecido como um sistema: sem público leitor e sem relação com autores conterrâneos. Na Colônia há apenas manifestações literárias, de que Vieira e Matos são a maior expressão. O argumento motivou uma das maiores polêmicas na crítica brasileira, inaugurada pela publicação de O Sequestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira: o Caso Gregório de Matos, em que o poeta Haroldo de Campos (1929 - 2003) acusa Candido de adotar uma perspectiva histórico-ideológica, responsável por gerar “relutância [...] na abordagem do Barroco brasileiro”. Campos, defendendo uma leitura “sincrônica” da literatura brasileira, reivindica que a obra de Gregório de Matos seja valorizada estilisticamente. O crítico deve prescindir do critério histórico, para considerar a contribuição que os textos do passado podem trazer para a produção contemporânea. Desse esforço Gregório de Matos emerge como “um de nossos poetas mais criativos”, inclusive pela “miscigenação idiomática de caldeamento tropical”. Esta leitura é similar à de Augusto de Campos e Oswald de Andrade, que destacam a inversão de valores na poesia de Matos e a síntese de influências europeias e temas nacionais.

Para o crítico literário João Adolfo Hansen (1942), ressaltar a originalidade de Gregório de Matos é incorrer em erro histórico, já que não existiam, tais como se concebem hoje, as noções de autoria e inovação no século XVII. Os procedimentos técnicos não se devem a invenções pessoais; são comuns ao tempo, de modo que o estilo é historicamente determinado, como uma convenção. Se a originalidade não é possível, tampouco o é a transgressão. Assim, Hansen argumenta que a sátira, sendo um gênero discursivo com regras intrínsecas, tem como referente o próprio discurso, e não a realidade. Não se trata, por isso, de “oposição aos poderes constituídos”, mas da “defesa da ordem” associada à posição hierárquica, já que a “desqualificação moral” tem como fim mostrar que “o satirizado nunca está à altura” de ocupar tal posição.

Já Alfredo Bosi, que estuda a poesia satírica de Gregório de Matos segundo o “conhecimento histórico do ponto de vista do escritor”, argumenta que a sátira responde a mudanças históricas do momento – nomeadamente a crise do açúcar – cujo resultado seria a perda de prestígio do setor social a que pertence o autor. Assim, no soneto À cidade de Bahia, trata-se de “acusar as forças que os arrancaram, a ele e à Bahia, da grata abundância em que ambos viviam outrora”:

Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

O poema exemplificaria o caráter conservador da sátira de Gregório de Matos.

Mesmo quando não utiliza o critério da originalidade ou da transgressão, a crítica valoriza como superiores as composições. Caso notório é o do poema estruturado em torno de aliteração em r (“Neste mundo é mais rico o que mais rapa”): semelhante a outros da época, como demonstra Hansen, aproveita como nenhum o recurso do verso final. Recolhendo as sílabas finais, o arremate explora as relações entre elementos sonoros e semânticos de modo ainda surpreendente:

Para a tropa do trapo vazo a tripa;
E mais não digo; que a Musa topa
Em apa, em epa, em ipa, em opa, em upa.

A força atemporal dessa poesia garante a permanência do que o professor José Miguel Wisnik (1948) resume como “um saldo de problemas e possibilidades que ultrapassam em muito os limites dos demais poetas coloniais e que o fazem, seguramente, um dos poetas mais instigantes da nossa literatura”.

Fontes de pesquisa 13

Abrir módulo
  • BOSI, Alfredo. Do antigo estado à máquina mercante. In: Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
  • BOSI, Alfredo. Do antigo estado à máquina mercante. In: Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
  • CAMPOS, Haroldo de. O Seqüestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira: o caso Gregório de Matos. Bahia: Fundação Casa de Jorge Amado, 1989.
  • CAMPOS, Haroldo de. Por uma poética sincrônica. In: A arte no horizonte do provável. 4. ed. São Paulo: Perspectiva. 1977.
  • CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. 12. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2012.
  • CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 12. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2006.
  • DIMAS, Antônio (Org.). Gregório de Matos. São Paulo: Abril Educação, 1981.
  • HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • MARTINS, Wilson. O caso Gregório de Matos. In: ______. História da inteligência brasileira. Ponta Grosa: UEPG, 2010.
  • MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira, I. 3. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.
  • PÓLVORA, Hélio. Para conhecer melhor Gregório de Matos. Rio de Janeiro: Bloch, 1974.
  • SPINA, Segismundo. A poesia de Gregório de Matos. São Paulo: Edusp, 1995.
  • WISNIK, José Miguel. Prefácio. In: MATOS, Gregório de. Poemas Escolhidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: