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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

O Caso dos Irmãos Naves

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 29.02.2024
1967
O caso dos irmãos Naves (1967), segunda longa-metragem dirigido por Luiz Sergio person (1936-1976), é produzido pela Lauper Filmes, comandada por Person e pelo diretor Glauco Mirko Laurelli (1930). O roteiro, escrito em parceria com o professor e crítico de cinema Jean-Claude Bernardet (1936), baseia-se no caso verídico de um processo criminal e...

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O caso dos irmãos Naves (1967), segunda longa-metragem dirigido por Luiz Sergio person (1936-1976), é produzido pela Lauper Filmes, comandada por Person e pelo diretor Glauco Mirko Laurelli (1930). O roteiro, escrito em parceria com o professor e crítico de cinema Jean-Claude Bernardet (1936), baseia-se no caso verídico de um processo criminal envolvendo os irmãos Joaquim Rosa (1912-1949) e Sebastião José (1905-1963) Naves durante a década de 1930. Os personagens são interpretados, respectivamente, por Raul Cortez (1931-2006) e Juca de Oliveira (1935). As fontes de pesquisa utilizadas para a criação do roteiro incluem as atas do processo, publicadas pelo advogado de defesa dos Naves, João Alamy Filho (s.d.-1993)1, interpretado por John Herbert (1929-2011), e notícias de jornais da imprensa paulista e mineira. As locações foram realizadas na cidade de Araguari, interior de Minas Gerais, onde se desenrolou o processo real contra os dois irmãos. Person convida alguns moradores da cidade para atuarem no filme.

A história dos irmãos Joaquim e Sebastião Naves fica conhecida com um dos maiores erros da justiça brasileira. Acusados de terem matado seu primo Benedito Pereira Caetano, que desaparece com uma quantia grande de dinheiro, eles são presos e torturados até confessarem um crime que anos mais tarde, descobre-se nunca ter ocorrido. O desaparecimento se dá em 1937, durante o governo de Getúlio Vargas. Um aviso, antes das primeiras cenas, situa o espectador. Os fatos narrados são baseados nos escritos de João Alamy Filho, e, em seguida, informam a data do suposto crime: 29 de novembro de 1937. São apresentadas imagens de um homem deixando uma estação dentro de um trem, enquanto em over uma voz começa a narrar a história. Com tom documental e jornalístico, a história se desenvolve como uma espécie de reportagem, em que se mesclam as falas de um narrador externo com as falas dos personagens envolvidos na trama. 

O filme traz longas e detalhadas cenas de tortura, construindo um cenário de terror ao qual os acusados estão submetidos. A prisão e as torturas estão ligadas ao governo dos militares recém instaurado. A situação política do país naquele momento é indicada, nos primeiros minutos do filme, por meio de uma cena da impressão do jornal Correio de Araguari, com a manchete “O novo Estado brasileiro é uma democracia autoritária”. Na sequência, vê-se os moradores da cidade discutindo o desaparecimento de Benedito e a situação político-econômica do Brasil. Nesse momento aparece, pela primeira vez, o tenente da Força Pública do Estado, interpretado por Anselmo Duarte (1920-2009). “O delegado civil do município não encontra elementos para esclarecer ou responsabilizar ninguém pelo desaparecimento de Benedito. Em princípios de dezembro, assume a delegacia, com cargo de delegado especial um tenente da Força Pública do Estado”, como conta o narrador. Na sequência a imagem do tenente ajeitando um quadro de Getúlio Vargas na parede, reafirma o momento político do Brasil. O novo responsável pelo caso passa a interrogar os irmãos Naves, e a polícia determina, sem prova, a culpa de Joaquim e Sebastião. A conclusão é tirada dos depoimentos dos Naves e de seus familiares, todos conseguidos por meio da tortura, apresentada em longas sequências. 

Nos últimos minutos da narrativa, a encenação do primeiro julgamento de Joaquim e Sebastião traz uma crítica explicita às ações autoritárias dos militares. João Alamy Filho está com a palavra,  quando entra na sala o tenente. Um silêncio se instaura, nada se escuta além do barulho dos sapatos do delegado, pisando no assoalho. Irrompe-se o silêncio e João Alamy inicia um discurso apaixonado contra a forma pela qual a polícia havia conduzido aquele caso. Uma polícia que, em suas palavras, “violentou as testemunhas, intimidou o povo desta cidade, nos ameaçou quando estávamos cumprindo o nosso dever”2
 
Em voz over, o narrador informa a sequência dos fatos: no segundo julgamento o veredito é o mesmo e mais uma vez sem unanimidade. Na terceira apelação, eles são considerados culpados e condenados a 25 anos e seis meses de prisão, pelos juízes do Tribunal de Justiça do Estado que, em suas conclusões sobre o processo, afirmam: “A pronuncia bem apreciou a prova com atenta análise, dificilmente se fará tão plena prova da autoria de latrocínio”3. Enquanto as imagens trazem os muros e soldados marchando, o narrador explica que uma revisão do processo atenua a pena, e os Naves saem em liberdade condicional, após oito anos na prisão. Três anos depois, Joaquim morre em um asilo de Araguari e Sebastião encontra o suposto assassinado. Uma sequência de imagens traz notícias de jornais que relatam o caso, enquanto ao fundo ouve-se um marchar militar. As imagens mostram um cemitério enquanto o narrador encerra a história: “Sebastião morre em 1963, três anos depois de conseguir com o advogado Alamy, por meio de duras batalhas judiciais, uma indenização em dinheiro daquilo que se revolveu chamar, então, o tremendo erro judiciário de Araguari”4

O caso dos irmãos Naves cria paralelos com o momento político vivido no Brasil, e produz uma crítica ao regime militar. Nas palavras de Jean-Claude Bernardet, “as relações com o nosso presente social e político eram evidentes: a polícia tinha inventado uma falsa realidade pela tortura, e a tortura vinha sendo praticado no Brasil pelo regime militar”5. Apesar do forte conteúdo crítico ao regime, O caso dos irmãos Naves passa sem problemas pela censura, ainda não tão rígida quanto se tornaria em 1968, com a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5). O filme recebe os prêmios de Melhor Atriz Coadjuvante, com  Lélia Abramo (1911-2004), de Melhor Diálogo e de Melhor Roteiro no Festival Brasília.  Além deles, os de Melhor Figurino, de Melhor Cenógrafo e de Melhor Fotógrafo pelo Instituto Nacional de Cinema (INC). O Caso dos irmãos Naves é uma obra corajosa, importante por seu engajamento político e por sua realização, com destaque para a alternância entre a narração em voz over e as encenações, que produzem um clima de angústia. 

Notas
1 ALAMY FILHO, João. O Caso dos Irmãos Naves. São Paulo: Círculo do Livro, 1960.
2 BERNARDET, Jean-Claude. O caso dos irmãos naves: chifre em cabeça de cavalo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Fundação Padre Anchieta, 2004. 216 p. (Coleção aplauso. Série Cinema Brasil). p. 201.
3 Idem. p. 24.
4 Idem p. 24-25.
5 Idem. p. 08.

Mídias (1)

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O Caso dos Irmãos Naves (1967)
Direção: Luiz Sergio Person Conteúdo licenciado para uso exclusivo na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras

Fontes de pesquisa 5

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  • ALAMY FILHO, João. O Caso dos irmãos Naves, São Paulo: Círculo do Livro, 1960.
  • BERNARDET, Jean-Claude. O caso dos irmãos naves: chifre em cabeça de cavalo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Fundação Padre Anchieta, 2004. 216 p. (Coleção aplauso. Série Cinema Brasil).
  • COSTA, Candida Maria Monteiro Rodrigues. Em busca de Luiz Sérgio Person: um cineasta na contramão 1960 – 1976. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, 2006.
  • STERNHEIM, Alfredo. Person e o cinema paulista. Filme Cultura, v. 1, n. 5, p. 18-21, jul./ago. 1967.
  • XAVIER, Ismail. O cinema Brasileiro Moderno. In: O cinema Brasileiro Moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

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