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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Noites Paraguayas

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 20.04.2023
1982
Noites Paraguayas é o primeiro longa-metragem do cineasta Aloysio Raulino (1947-2013), conhecido na década de 1970 pela realização de documentários de curtas metragens. Produzido pela Atalante Produções Cinematográficas, com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e da extinta Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Embrafilme), o lon...

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Análise

Noites Paraguayas é o primeiro longa-metragem do cineasta Aloysio Raulino (1947-2013), conhecido na década de 1970 pela realização de documentários de curtas metragens. Produzido pela Atalante Produções Cinematográficas, com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e da extinta Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Embrafilme), o longa faz parte de um conjunto de obras dirigidas por jovens cineastas paulistas do chamado Cinema da Vila. Entre os traços comuns na produção desses filmes podem ser identificados uma oscilação entre cinema de autor e cinema de grande público, o gosto pela ironia e pela ambiguidade e a ambientação na metrópole.

O filme aborda as correntes migratórias provenientes do Paraguai, partindo da zona rural da fronteira, que chegam a São Paulo. O tema coloca em pauta os grandes deslocamentos sociais do Brasil moderno, o confronto entre sociedade rural, baseada na família e na religiosidade, e o mundo da cultura da mercadoria, visto como espaço da alienação. Noites Paraguayas trata da vida de um camponês paraguaio, Rosendo, que deixa a terra natal, familiares e sua noiva, para tentar a vida em São Paulo. Ao chegar à cidade, conhece músicos conterrâneos que trabalham em um restaurante da região central. Após fracassar como vendedor na Rua 25 de Março, no centro de São Paulo, e como pedreiro, Rosendo retorna à cidade natal e se casa.

A situação não melhora quando ele chega ao Paraguai, pois encontra um país arrasado. Em meio a essa história, outras situações são apresentadas, como pequenos segmentos que, por um lado, afrouxam a narrativa linear em torno do personagem principal, e, por outro, expõem a ingenuidade e a experiência do camponês paraguaio na cidade de São Paulo. Um exemplo desses é a cena em que são vistos os soldados do Exército paraguaio, após ressuscitarem e ficarem nus - o que permite associar o malogro da experiência na cidade à devastação ocorrida durante a Guerra do Paraguai.

De acordo com o crítico Jean-Claude Bernardet (1936), há: "Por um lado, uma narrativa linear que se esforça por manter a unidade de seu personagem principal, a concatenação lógica e dramática de suas situações, e, por outro, digressões que se esforçam por dissolver, corromper essa narrativa linear e se autonomizar"1.

Uma das digressões que chamam a atenção é a sequência da apresentação musical do trio paraguaio no restaurante. Deixando de lado a ação do trio, a sequência destaca o garçom, interpretado por José Dumont (1950), e seu problema: um diabo rechonchudo, bem-humorado, aparece para lhe pregar sustos e comicamente impedir seu trabalho. Essa sequência, que apresenta total autonomia em relação ao enredo, ao fundir traços do cinema mágico de Georges Meliès e do humor próprio à chanchada, retoma a ideia de fusão de estilos e contribui para a representação de traços do imaginário do migrante diante da metrópole, como o medo do desemprego e de ser humilhado pelo patrão. A figura do diabo, por sua vez, está associada ao sofrimento, experimentado por aqueles que se integram ao mercado de trabalho na capital.

Noites Paraguayas não recebe a atenção da crítica especializada. Uma das raras abordagens é a do crítico Inácio Araújo2, ao citar duas formas de inserção do registro documental. Nas imagens iniciais, que apresentam a morte do pai de Rosendo, o documental se acrescenta sem atritos à narrativa do filme. São "momentos poéticos em que, pelo simples encadeamento de imagens, o espectador se dá conta de uma situação (a morte do pai)"3. A partir da chegada do protagonista a São Paulo, predomina a perambulação dos personagens. As imagens documentais então se limitam a um conjunto de situações acidentais, comprometendo o desenvolvimento da narrativa. Acompanham a dispersão da mise-en-scène, bem como a imprecisão dos enquadramentos e dos próprios personagens. Nesse caso, segundo o crítico, "o realismo documental como que alija da tela seu próprio objeto: uma série de personagens, situações e cenários que se adicionam, não compõem um conjunto vivo. É como se oferecessem ao espectador uma impotência a um só tempo tautológica (um filme é um filme) e autoritária (vejam!)"4.

Notas

1 BERNARDET, Jean-Claude. Os jovens paulistas. In: XAVIER, Ismail; BERNARDET, Jean-Claude; PEREIRA, Miguel. O desafio do cinema: a política do estado e a política dos autores. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 69.
2 ARAÚJO, Inácio. Duas paixões simultâneas. In: Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 43, p. 108-109, jan.-abr. 1984.
3 Idem. Ibidem. p. 108.
4 Idem. Ibidem. p. 108.

Fontes de pesquisa 11

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  • AB’SABER, Tales A. M. A viagem: tradições e desequilíbrios. In: ______. A imagem fria: cinema e crise do sujeito no Brasil dos anos 80. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
  • ARAÚJO, Inácio. Duas paixões simultâneas. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n.43, jan.-abr. 1984, pp.108-9.
  • AVELLAR, José Carlos. Conversa de Botequim. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 fev. 1971. Caderno B.
  • PARENTE, André. Ensaios Sobre o Cinema do Simulacro: cinema existencial, cinema estrutural e cinema brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Pazulin, 1998.
  • PICCHIA, Pedro del. O primeiro filme falado em Guarani. Folha de S. Paulo, Ilustrada, 15.08.1982, p. 64.
  • RAULINO, Aloysio, PENNA, Hermano. Noites paraguayas. São Paulo: s.n., 197-. 73 p. Fot. Roteiro do filme, disponível na Cinemateca Brasileira, documento R 371/1.
  • RAULINO, Aloysio, PENNA, Hermano. Noites paraguayas. São Paulo: s.n., 197-. 73 p. Fot. Roteiro do filme, disponível na Cinemateca Brasileira, documento R 371/1.
  • RAULINO, Aloysio. Aloysio Raulino. Entrevista concedida a Tânia Savietto e Carlos Roberto de Souza. In.: CINEMATECA BRASILEIRA. 30 anosde Cinema Paulista (1950-1980). Entrevistas e montagem dos depoimentos por Tânia Savietto e Carlos Roberto de Souza. Cadernos da Cinemateca 4. São Paulo, 1980. p.55-62.
  • RAULINO, Aloysio. Noites Paraguayas. Guia de Filmes, Rio de Janeiro, n.82, p. 39-41.
  • XAVIER, Ismail. Do golpe militar à abertura: a resposta do cinema de autor. In: XAVIER, Ismail.; BERNARDET, Jean-Claude.; PEREIRA, Miguel. O Desafio do Cinema: a política do Estado e a política dos autores. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p.08-46.
  • XAVIER, Ismail. O Cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

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