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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

O Pornógrafo

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 14.06.2016
1970
Análise

Texto

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Análise
Único longa-metragem de João Callegaro (1945), financiado pelo próprio diretor, pelo montador Sylvio Renoldi e pelos distribuidores Antonio Galante e Alfredo Palácios, é uma realização típica da Boca do Lixo paulista no início dos anos 1970. É filmado em vinte e três dias, com baixo orçamento, apelo erótico e inspiração nos filmes B americanos.

Apresenta a história de Miguel Metralha, um gangster da boca do lixo paulista, que progride como editor de uma revista em quadrinhos erótica. Com a morte do dono da revista, o protagonista assume o cargo de chefia. Devido à concorrência de revistas estrangeiras, como a Playboy, no mercado nacional, ele transforma a revista em um periódico destinado ao público gay. O conflito central envolve duas gangues: a do protagonista, uma versão mais pobre do gangster americano Al Capone, e  a da madame Rosária, investidora da revista, que se opõe a mudanças no negócio. Metralha e Rosária tentam matar um ao outro e resolvem encomendar um matador de aluguel. Ironicamente, apelam para a mesma pessoa, que mata os dois. Rosária é assassinada dentro de seu palacete. Metralha morre num parque de diversões, depois de uma longa perseguição. 

As referências aos filmes de gangsters e ao noir estão presentes  na construção do protagonista, um bandido durão que usa capas, chapéus e óculos escuros, bem como nas cenas de perseguições pela cidade.

A realização caracteriza-se pela fórmula considerada por Inimá Simões como um dos principais traços do cinema da Boca do Lixo: produção barata, erotismo e contato com o mercado exibidor. O contexto cinematográfico de O Pornógrafo está relacionado à origem das comédias eróticas, um cinema brasileiro direcionado às classes populares, que ocupa o espaço de exibição aberto pelas leis de obrigatoriedade e envolve a entrada do exibidor/distribuidor no investimento dos filmes1. O filme foi realizado a partir de um argumento simples, contendo apenas linhas gerais da história. De acordo com Callegaro, resultou de uma criação coletiva, levando-se em conta as limitações econômicas, com diálogos improvisados e a participação do elenco na construção do filme.

Em termos de proposta estética, O Pornógrafo dá continuidade ao denominado Cinema Cafajeste, iniciado por Callegaro, Antonio Lima e Carlos Reichenbach (1945-2012) com o filme As Libertinas (1968). Junto com Jairo Ferreira e Carlos Ebert (1946), estes cineastas formam uma vertente do Cinema Marginal, direcionada ao mercado exibidor e caracterizada pelo erotismo, pelo deboche e pela linguagem popular. Opondo-se às influencias européias identificadas nos filmes do Cinema Novo, tais filmes dialogam com o cinema pornográfico, as séries televisivas, o cinema de gênero e as produções B americanas. A estratégia de divulgação de O Pornógrafo, como expressa no título, tenta atrair o público interessado em conteúdo erótico. Seu folheto de divulgação e o cartaz são inspirados no universo das histórias em quadrinhos eróticas e no personagem da revista MAD, um periódico americano conhecido pelo humor agressivo e pela sátira política, que começava a ser publicado no Brasil em 1970.

Na narrativa, as referências aos filmes de gangster e ao noir têm importância central, fazem parte de um mecanismo próprio à paródia, que funciona a partir da incorporação e do deboche. Como alguns filmes marginais do final dos anos 1960, O Pornógrafo tende à representação do kitsch da cultura industrializada brasileira. No caso específico do filme de Callegaro, o "mau gosto" e a boçalidade possuem uma função dupla. São formas de releitura do cinema estrangeiro e, ao mesmo tempo, estratégias de agressão e ironia.

O personagem interpretado por Stênio Garcia (1932), grosseirão e cafajeste, dialoga com o público popular. A inspiração em O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla (1946-2004), é explícita. Trata-se de um herói falsificado, um gangster de escritório, seus hábitos são asquerosos e nojentos, se envolve com as mulheres apenas por sexo e a sua malandragem beira o esculacho. Os tiroteios apresentados no início do filme, acompanhados pela pose de homem do mal, aludem aos gangsters e ao submundo do crime. Porém, logo se percebe que Metralha é apenas um desempregado pervertido, e seu imaginário é repleto de histórias eróticas. O escritório da revista pornográfica, espécie de quartel-general do crime organizado, não passa de um cortiço da Rua do Triunfo, nele estão o setor de redação do periódico e alguns quartos, onde são  realizadas orgias e fitas de sacanagem. Depois de assumir a presidência da empresa, Metralha passa a andar pela Boca do Lixo com chapéus e capas escuras. Essas vestimentas, inspiradas nos personagens de filmes noir, não são adaptadas ao clima tropical paulista. No final do filme, quando o matador chega à casa de Madame Rosária para matá-la, seu canivete é de baixa qualidade e trava com a arma um entrevero cômico que arranca risos dos espectadores.

No último bloco de sequencias, o matador de aluguel persegue a sua segunda vítima, Miguel Metralha. A ação se passa em um parque de diversões. Após uma queda de cara no chão, Metralha entra desorientado numa sala repleta de espelhos. Em uma alusão direta à cena final de The Lady from Shanghai (1947), de Orson Welles (1915-1985), os dois personagens se enfrentam em meio aos espelhos e imagens fragmentadas. Em O Pornógrafo, porém, o rigor das composições e a tensão geral da seqüência realizada por Welles são transformados. Ganham destaque o desespero e uma gestualidade cômica do personagem que entra em estado cataclísmico. Na última imagem da seqüência, o sarcasmo volta-se contra o próprio espectador. Um plano de conjunto revela que Metralha não está em uma casa de espelhos, mas no canto de uma sala improvisada, diante de meia dúzia de espelhos embaçados. O desfecho de The Lady from Shanghai é assim incorporado a partir do deboche.

O crítico José Carlos Avellar (1936), por sua vez, identifica no filme duas tendências mal resolvidas e divergentes entre si. Segundo ele, a inspiração no filme policial americano não rima com o forte tom de chanchada. "E os dois tratamentos que a direção procura reunir em um só filme não conseguem se casar para dar ao espectador uma visão mais ampla. Um não tem nada a ver com o outro, os dois não tem nada a ver com a nossa realidade." Avellar questiona duramente o uso feito do cinema americano: "O espectador recebe os planos sem qualquer ligação dramática com os personagens, sem que o filme tenha sabido criar qualquer tensão entre a platéia e o que está na tela. Deste modo, na seqüencia final, a fuga de Metralha é frágil, a morte chega fria porque o filme repete um desfecho já visto"2.

O filme obtém uma boa resposta de público, ficando em cartaz durante onze semanas na capital paulista. Também é boa a sua recepção pelo júri do concurso Governador do Estado de São Paulo, do qual recebe o prêmio de melhor roteiro do ano de 1971.

Durante a semana de estréia, Jairo Ferreira dá destaque ao filme em sua coluna do jornal São Paulo Shimbun3. O crítico e co-autor do roteiro, atuando como uma espécie de porta-voz do cinema da Boca do Lixo,  indica a proximidade entre O Pornógrafo e o primeiro longa-metragem de Rogério Sganzerla, O Bandido da Luz Vermelha. Segundo ele, além de executarem uma espécie de releitura antropofágica do cinema noir, ambos os filmes se preocupam com o "mito do gangster".

Notas

1 Para maiores informações sobre as produções da Boca do Lixo, ver o livro Boca do Lixo: cinema e classes populares, de Nuno César Abreu.
2 Avellar, José Carlos. O Pornografo, de João Callegaro, no Ópera e no circuito. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 mai 1971. p.56.
3 Ferreira, Jairo. No écran, O Pornografo. São Paulo Shimbun , São Paulo, 27 mai 1971.

Mídias (1)

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O Pornógrafo (1970)
Direção: João Callegaro Conteúdo licenciado para uso exclusivo na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras

Fontes de pesquisa 12

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  • ABREU, Nuno César. Boca do Lixo: cinema e classes populares. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2006.
  • ARAÚJO, Inácio. O Pornógrafo.In: CINEMA Marginal e suas fronteiras: filmes produzidos nas décadas de 60 e 70. Curadoria Eugênio Puppo, Vera Haddad. São Paulo, SP: Centro Cultural Banco do Brasil, 2001.
  • AVELLAR, José Carlos. O Pornografo, de João Callegaro, no Ópera e no circuito. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 maio 1971. p.56.
  • CALLEGARO, João. O pornógrafo: prêmio Curumin 72. Curumin, ediçäo especial, Marília, out. 1972. p. 1.
  • Candeias vence o Prêmio Governador. Folha de S.Paulo, São Paulo, 17 out. 1972. p. 39.
  • FASSINI, Orlando. Um herói de nosso tempo. Folha de S.Paulo, São Paulo, 26 maio 1971. p.21.
  • FERREIRA, Jairo. Callegaro volta à tona com mutreta. Folha de S.Paulo. São Paulo, 30 jun. 1977. p.42.
  • FERREIRA, Jairo. Cinema de invenção. São Paulo: Max Limonad, 1986.
  • FERREIRA, Jairo. No écran, O Pornografo. São Paulo Shimbun , São Paulo, 27 maio 1971.
  • João Callegaro: O pornógrafo. Entrevista concedida por João Callegaro. Arte em revista, v. 3, n. 5, São Paulo, maio 1981. p. 85-6.
  • Mercado de filmes. Espetáculos em foco, ano 1, v. 1, n. 8, p. 98, São Paulo, 15 jul. 1970.
  • XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.

Como citar

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