Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Os Anos JK

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 27.11.2023
1979
1980
Os Anos JK - Uma Trajetória Política, com produção da Terra Filmes e distribuição da extinta Empresa Brasileira de Filmes S.A.(Embrafilme), é o primeiro longa-metragem dirigido por Silvio Tendler (1950) e trata da trajetória da vida pública e pessoal do ex-presidente Juscelino Kubitschek, falecido em 1976, em decorrência de um acidente de carro ...

Texto

Abrir módulo

Histórico
Os Anos JK - Uma Trajetória Política, com produção da Terra Filmes e distribuição da extinta Empresa Brasileira de Filmes S.A.(Embrafilme), é o primeiro longa-metragem dirigido por Silvio Tendler (1950) e trata da trajetória da vida pública e pessoal do ex-presidente Juscelino Kubitschek, falecido em 1976, em decorrência de um acidente de carro na Rodovia Dutra. O documentário é narrado por Othon Bastos (1933), com texto de Cláudio Bojunga, que reorganiza e apresenta novas leituras a imagens de antigos cinejornais. O cineasta entrevista personalidades que conviveram com o estadista, caso do marechal Henrique Lott, dos políticos Juracy Magalhães e Tancredo Neves e do advogado Sindival Palmeira.

Da montagem desses depoimentos com as imagens de arquivo surge um quadro presente em filmes como Getúlio Vargas (1974), de Ana Carolina, e Revolução de 30 (1980), de Sylvio Back, todos claramente preocupados com o contexto em que são realizados. Entre 1976 e 1980, período de pesquisa e produção de Os Anos JK, o Brasil está sob a ditadura militar, marcada por um processo de gradual retorno ao sistema político democrático, com a organização da sociedade civil e movimentos a favor da anistia política aos exilados e as greves operárias no ABC paulista.

Ao fazer um documentário sobre Juscelino Kubitschek, afastado da política nacional pelos militares nos anos 1960, o interesse do cineasta não é simplesmente recuperar o percurso e os feitos do ex-presidente, analisando-os apenas em contextos originais, mas refletir sobre o passado recente do país para pensar os rumos do Brasil contemporâneo, o que se evidencia desde os planos iniciais do filme. Registros de arquivo de 1946 mostram homens públicos celebrando a Constituição promulgada após o fim do Estado Novo (1937-1945). Há a promessa de consolidar a democracia recém-instaurada, e a montagem destaca o líder do Partido Comunista Brasileiro, Luís Carlos Prestes. A multidão eufórica saúda o novo sistema governamental, numa imagem que Tendler incorpora para, por meio dessa referência histórica, transmitir uma mensagem de contestação e sugerir a tão desejada abertura democrática.

Esse mesmo procedimento, de mobilizar a experiência passada como reflexão para o presente, está na origem da construção de uma imagem positiva para Kubitschek. Ele é celebrado como homem sorridente e cordial, responsável por um projeto de modernização do país e político hábil capaz de conciliar, em sua gestão à frente do Poder Executivo, os interesses dos grupos políticos de direita e de esquerda, dos latifundiários e dos industriais associados ao capital estrangeiro. Entusiasta do desenvolvimento nacional, carismático e bem aceito pelas camadas populares, no filme, Kubitschek personifica o defensor dos ideais democráticos e liberais. Em contraponto ao regime militar em vigor, Tendler constrói um protagonista heroico que não pode desaparecer da curta memória brasileira, pois é exemplo de virtude a ser relembrado em meio à obscuridade ditatorial.

No artigo Os anos JK: como fala a história?, publicado em dezembro de 1981 na revista Novos Estudos Cebrap, Jean-Claude Bernardet (1936) comenta esse procedimento. Para o crítico, Tendler opta por um modelo de interpretação do país com base em paralelismos comparativos, o que gera uma leitura da história brasileira a partir de jogos de oposição. Esse "princípio de organização" existente no filme "dispõe elementos em ecos positivos (JK) e ecos negativos (ditadura militar) (...) Por exemplo: JK pede ao Congresso autorização para processar um deputado, autorização negada, governo derrotado, JK respeita a decisão. O governo militar quer processar um deputado, é derrotado, o Congresso é fechado".

Paulo Sérgio Pinheiro, no texto Cinema, historiografia e análise política, publicado na revista Filme Cultura1, observa que a leitura da trajetória de Kubitschek é favorável ao ex-presidente porque Tendler privilegia a oposição entre democracia e ditadura: "A interpretação aparentemente se deixa contaminar pelo espírito daquela época, o ufanismo relido através do plano de metas, cinquenta anos em um (...) [seria] equivocado, como por vezes o filme tende a fazer, confundir essas artes [políticas] com o desempenho, com a intervenção de um governante democrático. (...) Foi justamente no governo [JK] que mais se aprofundou, num quadro populista, o uso da estrutura corporativista da legislação trabalhista e que se promoveu um estrito controle oficial sobre as organizações sindicais".

Embora aponte que o governo Kubistchek tenha aumentado a dependência do Brasil em relação ao capitalismo estrangeiro, Pinheiro, tal como a crítica da imprensa da época, elogia Tendler pela realização de um documentário, o qual, além de animar o debate sobre os rumos da política nacional, se compromete com um posicionamento a favor da redemocratização do país. Na época do lançamento do filme, em agosto de 1980, a maior parte da crítica jornalística, mesmo aquela incomodada com o enaltecimento público e privado a Kubitschek, legitima a estratégia de retorno ao passado para propor uma intervenção crítica contra a ditadura militar. É essa união de esforços em torno de um processo de abertura política que repercute em inúmeros textos.

Orlando Fassoni, em Anos JK, contribuição para o cinema e a história, crítica publicada na Folha de S. Paulo, em 23 de agosto de 1980, escreve como a escolha de Tendler em trazer à tona os acontecimentos históricos anteriores a 1964 é fundamental para recuperar a história nacional: em sua opinião, filmes como esse permitem lutar contra os aparatos ditatoriais de repressão que manipulam a memória dos brasileiros impondo o esquecimento de um breve período (entre 1946 e 1964) no qual se vive o sistema democrático. Esse assunto é debatido dentro do próprio documentário, quando são apresentadas as ações dos militares, cuja finalidade é afastar Kubitschek da vida pública e, consequentemente, forçar seu isolamento político.

Em outro texto publicado na revista Filme Cultura, também de agosto de 1980, intitulado De Getúlio a Juscelino, o Brasil no cinema, Sérvulo Siqueira aproveita o debate sobre o resgate da história do Brasil para propor, como modelo governamental para a redemocratização, o estilo populista de JK, seu espírito de negociação e conciliação com as diferentes lideranças civis da sociedade. Vencedor do prêmio especial do júri e do prêmio de melhor montagem no Festival de Gramado de 1980, Os Anos JK inquieta não somente a crítica especializada em cinema, mas a intelectualidade que, no início dos anos 1980, se encontra engajada no processo de redefinição política do país.

Nota

1. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Cinema, historiografia e análise política. Filme Cultura, n. 38/39, ago.-nov. 1981.

Mídias (1)

Abrir módulo
Os Anos JK (1980)
Direção: Silvio Tendler Conteúdo licenciado para uso exclusivo na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras

Fontes de pesquisa 13

Abrir módulo
  • AUGUSTO, Sérgio. Nas telas, uma volta aos bons tempos de Juscelino. Isto É, n.192, 27 ago. 1980.
  • AVELLAR, José Carlos. "Jornal na tela". Jornal do Brasil, 7 set. 1980.
  • BERNARDET, Jean-Claude. Os anos JK: como fala a história?. In: ______. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.
  • BOJUNGA, Claudio (entrevista). A reconstrução da memória: Silvio Tendler e o resgate da história política recente através da emoção. Revista do Festival Internacional de Cinema de Arquivo (RECINE). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, set. 2004, ano 1, n.1. p.72-79. Publicada originalmente em Filme Cultura, n.44, 1984.
  • BROOKEY, Marcia Paterman. História e utopia: o cinema de Silvio Tendler. Rio de Janeiro: Iluminária Academia/ Editora Multifoco, 2010.
  • FASSONI, Orlando. Anos JK, contribuição para o cinema e a história. Folha de S. Paulo, 23 ago 1980.
  • LABAKI, Amir. Introdução ao Documentário Brasileiro. Apresentação Ismail Xavier. São Paulo: Francis, 2006. 123 p.
  • PINHEIRO, Paulo Sérgio. Cinema, historiografia e análise política. Filme Cultura, n.38/39, ago-nov 1981.
  • SIQUEIRA, Sérvulo. De Getúlio a Juscelino, o Brasil no cinema. Filme Cultura, n.37, jan-mar 1981.
  • SOUZA, José Inácio de Melo. Trabalhando com cinejornais: relato de uma experiência. In: CAPELATO, Maria Helena; MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos; SALIBA, Elias Thomé (orgs.). História e cinema. São Paulo: Alameda, 2007, p 117 - 133.
  • TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org.). Documentário no Brasil - tradição e transformação. São Paulo: Summus Editorial, 2004.
  • TENDLER, Silvio. Amnésia nacional. Em Cartaz, n. 5, p. 3 set. 1980.
  • TENDLER, Silvio. Cinema, História e Paixão. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 20, p. 54-56, nov. 1984.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: