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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

São Marcos

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.11.2018
0019
Reprodução Fotográfica Romulo Fialdini

São Marcos, 0019
Frei Jesuino do Monte Carmelo
Óleo sobre tela
140,00 cm x 113,00 cm

A tela São Marcos, pintada na segunda metade do século XVIII, provavelmente integrava um conjunto dedicado à representação dos quatro santos evangelistas, tendo a seu lado as imagens de Lucas, Mateus e João. Todas as pinturas estavam expostas em Itu, São Paulo, e foram transferidas para o Museu de Arte Sacra de São Paulo (MAS), porém dispostas s...

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A tela São Marcos, pintada na segunda metade do século XVIII, provavelmente integrava um conjunto dedicado à representação dos quatro santos evangelistas, tendo a seu lado as imagens de Lucas, Mateus e João. Todas as pinturas estavam expostas em Itu, São Paulo, e foram transferidas para o Museu de Arte Sacra de São Paulo (MAS), porém dispostas separadamente.

Antes de observar alguns aspectos relativos à imagem de São Marcos, cabem algumas considerações a respeito do conjunto, pois ajudam a compreender tanto o modo como o artista pensou e estruturou cada imagem singular de acordo com a posição que deveria ocupar quanto o simbolismo envolvido em cada uma delas, especificamente em São Marcos.

As quatro telas seguem rigorosamente a iconografia tradicional dos santos evangelistas, representando-os em vestimentas romanas, segurando na mão direita uma pena, na mão esquerda um livro e tendo ao lado também um tinteiro, todos símbolos da escrita. A identidade de cada santo é sugerida em parte por traços fisionômicos indicando sua idade, mas principalmente por sua associação a uma figura simbólica. Assim, na pintura em questão, São Marcos é representado como um homem de meia idade, barba e cabelos grisalhos, tendo ao seu lado um leão. A tradição considera a representação de Marcos como um homem de meia idade, maneira de diferenciá-lo da imagem do patriarca da igreja, Pedro, de quem teria sido discípulo e intérprete em Roma. Pedro é sempre representado como um homem velho, de cabelo e barbas brancas.

As figuras simbólicas associadas aos evangelistas fazem referência aos quatro animais alados que aparecem em visões fantásticas narradas no Antigo Testamento pelo profeta Ezequiel (Ez. 1:1-11) e no quarto capítulo do livro do Apocalipse, no Novo Testamento (Ap. 4:7). Essa associação não é arbitrária, mas estaria fundamentada em características de cada um dos evangelistas, que seriam simbolizadas por atributos desses animais.

São Lucas, por exemplo, tem sempre a seu lado um boi ou bezerro, animal símbolo do sacrifício, pois seu Evangelho põe em destaque a Paixão de Cristo, seu sacrifício pelos homens. No caso de São Marcos, o leão pode simbolizar tanto a pregação de João Batista no deserto, comparada a um rugido que se podia ouvir de longe e cuja narração abre o Evangelho de Marcos, quanto à ressurreição, episódio da vida de Cristo considerado seu tema principal. Bestiários medievais atribuíam ao rugido do leão à capacidade de reviver seus filhotes mortos e essa seria uma possível fonte para a associação de sua figura à ideia de ressurreição.

Nota-se, com tudo isso, que Frei Jesuíno não era alheio à tradição iconográfica dos santos evangelistas. É difícil saber, entretanto, se esse conhecimento foi obtido de algum modelo europeu específico utilizado pelo artista ou se foi herdado de obras existentes em São Paulo, onde vivia e trabalhava. Como observa Mário de Andrade (1893-1945) na obra que escreveu sobre Frei Jesuíno, não era incomum a decoração dos tetos de igrejas paulistas no século XVIII conter representações dos santos evangelistas.

Seja como for, cabe destacar algumas singularidades das soluções de Frei Jesuíno em relação à tradição iconográfica europeia, que podem ser observadas na tela São Marcos. Grande parte da iconografia desse santo manteve a representação do leão com asas, seguindo assim o que é narrado nos textos bíblicos. Em alguns casos, o leão alado aparece como o próprio símbolo do santo, principalmente em imagens produzidas em Veneza, cidade que tem São Marcos como protetor desde o século IX. Frei Jesuíno, porém, opta por sequer representar o corpo do leão, limitando-se à cabeça. Seria difícil especular sobre o porquê dessa opção, não tivesse o pintor deixado uma pista no modo como organizou o conjunto dos quatro evangelistas.

Frei Jesuíno parece ter pensado suas composições segundo a natureza dos seres simbólicos. Assim, os evangelistas associados a seres por natureza alados, João (águia) e Mateus (anjo), aparecem tendo o céu ao fundo. Os demais têm como fundo uma parede, sugerindo um ambiente fechado. São os evangelistas associados a animais terrestres, o boi ou bezerro e o leão. Eis como a natureza celeste ou terrena da figura simbólica interfere no modo como Frei Jesuíno concebe o conjunto: dois pares de imagens – um figurando seres terrestres e pesados; outro, os seres leves, celestes. Estruturação que se reflete também na posição das figuras em cada tela: boi e leão aparecem aos pés dos santos, nos cantos inferiores; águia e anjo surgem como que por detrás dos santos, nos cantos superiores das telas.

A imagem de São Marcos contém ainda um elemento, notado por Mário de Andrade, que a distingue das demais: dramaticidade – na luz, no gesto, nos olhares. É a única do conjunto em que o santo é diretamente iluminado e inspirado em sua escrita, tendo seu rosto destacado por um feixe de luz que corta o fundo escuro da pintura da esquerda para a direita, de cima para baixo. É também nessa direção que se inclina a pena na mão artificiosa do evangelista; para a direita e para baixo dirigi-se ainda o olhar do santo, conduzindo o olho do espectador para o semblante rijo do animal.

Se esses índices retóricos de dramaticidade, excepcionais na obra de Frei Jesuíno, fizeram Mário de Andrade duvidar da autoria a ele atribuída – questão sempre de difícil resolução – são também eles que fazem dessa obra uma realização singular do barroco brasileiro em São Paulo.

Fontes de pesquisa 5

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  • ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno do Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1963. 273 p. (Obras completas de Mário de Andrade, 16).
  • GRIMOÜARD DE SAINT-LAURENT, Le Cte. Guide de l’Art Chrétien. Études d’esthétique et d’iconographie, t. 5. Paris: Librairie Archéologique de Didron, 1874.
  • MUELA, Juan Carmona. Iconografía de los santos. Madrid: Ediciones Istmo, 2003.
  • O UNIVERSO mágico do barroco brasileiro. Curadoria Emanoel Araújo. São Paulo: Sesi, 1998. Exposição realizada no período de 30 mar. a 03 ago. 1998.
  • REAU, Louis. Iconographie de l'art chretien, v. 2. Paris: Puf, 1958.

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