Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

São Paulo

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.06.2019
1924
Reprodução fotográfica Romulo Fialdini

São Paulo, 1924
Tarsila do Amaral
Óleo sobre tela, c.i.d.
57,00 cm x 90,00 cm
Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo/Brasil

Pintada por Tarsila do Amaral (1886-1973) em 1924, ano central no desenvolvimento de sua obra, a tela São Paulo é um dos marcos da fase Pau-Brasil, como é conhecida sua produção desse período de conciliação entre a redescoberta da visualidade brasileira e uma reelaboração bastante particularizada das lições cubistas recebidas no ano anterior nos...

Texto

Abrir módulo

Pintada por Tarsila do Amaral (1886-1973) em 1924, ano central no desenvolvimento de sua obra, a tela São Paulo é um dos marcos da fase Pau-Brasil, como é conhecida sua produção desse período de conciliação entre a redescoberta da visualidade brasileira e uma reelaboração bastante particularizada das lições cubistas recebidas no ano anterior nos ateliês de André Lhote (1885-1962), Fernand Léger (1881-1955) e Albert Gleizes (1881-1953), em Paris.

Baseado em uma estrutura compositiva rigorosa, ritmada e muito marcada pelo contraste entre elementos geométricos retilíneos e formas sinuosas, arredondadas, o quadro parece propor uma interpretação sintética e suavizadora do projeto alentado pela artista. Com as telas da fase Pau-Brasil – entre as quais se situam outros marcos como A CucaMorro da Favela e E.F.C.B, todas pintadas no ano de 1924 –, Tarsila articula e reelabora elementos bastante destoantes. Coloca em posição de destaque tanto a paisagem nacional – as cores alegres e ingênuas da cena caipira que reencontra com alegria na histórica viagem a Minas Gerais – quanto a transformação da cidade acanhada em metrópole. Como explica o artista e historiador Carlos Zílio (1944), o que Tarsila faz em telas como São Paulo é “situar a percepção do Brasil a partir da ótica aberta pela industrialização”.1

Está-se diante de uma modernidade bastante incipiente, simbolizada sobretudo pelos edifícios que começam a despontar no céu da cidade, pelas estruturas de ferro que sustentam o viaduto e principalmente pelo bonde que, no canto superior direito da tela, parece ser o responsável pelo dinamismo do conjunto. As construções ao fundo, trabalhadas com profundidades apenas sugeridas, aparecem contidas e conduzidas por uma única linha. É ela quem organiza e dá sentido ao grupo liderado pelo vagão, que remete mais às paisagens interioranas do que a uma visão pujante de cidade em desenvolvimento.

O que imprime movimento à tela não é tanto a representação desses parcos símbolos da modernidade. É a sucessão de linhas que a cortam horizontalmente e conduzem o olhar da esquerda para a direita, dando lógica ao movimento. Esses cursos retilíneos (passeio e linha do trem) ou tortuosos (rio e contorno dos prédios), frequentemente fragmentados por fortes elementos verticais (figuras, tronco da árvore, prédios, vigas de ferro etc.), criam uma trama que sustenta e anima todo o conjunto.

Na definição de Oswald de Andrade (1890-1954), então companheiro de Tarsila, “um quadro são linhas e cores”.2 Segundo ele, o que importa no momento é “o trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; contra a morbidez romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa”,3 dando a ver aquilo que a arte nacional até então ignora.

Essa forte e inovadora concepção estrutural do espaço pictórico é reforçada, no caso de São Paulo, por uma espécie de jogo de encaixes, que divertem e intrigam o olhar: o número à esquerda propõe um equilíbrio e um espelhamento interno inexistente na tela; as ambiguidades de uma metrópole em formação – ainda com ressonâncias rurais – também são percebidas pelo tratamento dúbio conferido aos equipamentos urbanos (poste e bomba de gasolina), cujas formas circulares replicam a geometrização da copa da árvore; o rio sinuoso contrasta com a lógica retilínea do grande vagão e do passeio estilizado; a estrutura de sustentação do viaduto – que se assemelha muito à trama de ferro da Torre Eiffel, já colada pela artista à cena brasileira em Carnaval em Madureira (também de 1924) – se prolonga na forma de uma singela palmeirinha, um pouco deslocada na parte superior, adicionando ordem vibrante ao quadro.

Aliada à geometrização e à tessitura da cena, é fundamental destacar ainda a importância da escolha, tratamento e combinação das cores, questão que desempenha papel central na obra de Tarsila e bastante particular no caso dessa pintura. Uma das mais repetidas citações da artista refere-se ao prazer da redescoberta das cores alegres. “Encontrei em Minas as cores que adorava em criança. Ensinaram-me depois que eram feias e caipiras. Segui o ramerrão do gosto apurado. Mas depois vinguei-me da opressão, passando-as para minhas telas”, diz ela, em texto publicado na Revista Anual do Salão de Maio.4 Os verdes, azuis e vermelhos de São Paulo compõem uma paleta menos intensa e contrastante do que outras telas do mesmo período, mas mesmo assim possuem algo de infantil, uma ingenuidade estranha à arte culta da época.

A cor continua sendo usada como elemento definidor das formas, mas a artista lança mão de um jogo sutil de sombras, influenciada pela pintura de Fernand Léger, para ajudar a demarcar o volume dos elementos do quadro, distanciando-se do aspecto unidimensional do movimento inaugurado década e meia antes por Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963). O que Tarsila parece buscar aqui não é o efeito pelo contraste cromático, mas uma harmonização de tons possíveis, derivados dessa paisagem particular, dando corpo ao fértil embate do período, pautado pelo duplo desejo de modernidade e de enraizamento local.

Notas

1 ZILIO, Carlos. A querela do Brasil: a questão da identidade da arte brasileira: a obra de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari, 1922-1945. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2. ed., 1997.

2 Trecho do Manifesto Pau-Brasil, publicado originalmente por Oswald de Andrade no Correio da Manhã, no dia 18 de março de 1924, logo após a viagem do grupo de modernistas a Minas Gerais e portanto bem próximo à confecção desta e de outras telas também apresentadas com o título genérico de Pau-Brasil.

3 Idem.

4 AMARAL, Tarsila. Tarsila viajante. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2008. 157 p., il. color.

Exposições 1

Abrir módulo

Fontes de pesquisa 5

Abrir módulo
  • AMARAL, Aracy. Tarsila: sua obra e seu tempo. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Edusp: Editora 34, 2003. 512 p., il. p&b..
  • AMARAL, Tarsila do. Tarsila viajante: viajera. Texto Aracy Amaral, Regina Teixeira de Barros; versão em espanhol Eugenia Flavian; versão em inglês John Norman. São Paulo, SP: Pinacoteca do Estado, 2008. 157 p., il.
  • ANDRADE, Mário de ; AMARAL, Tarsila do. Correspondência Mário de Andrade & Tarsila do Amaral. Organização Aracy Amaral. São Paulo: Edusp: IEB, 2001. 237 p., il. p&b. (Correspondência de Mário de Andrade, 2).
  • CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos, 1999.
  • TARSILA do Amaral e Di Cavalcanti: mito e realidade no modernismo brasileiro. curadoria Maria Alice Milliet, Rejane Cintrão; versão em inglês Izabel Murat Burbridge. São Paulo, SP: MAM, 2002. 180 p.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: