Museu do Oratório
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Histórico
O Museu do Oratório é criado em 1998, como uma das realizações do Instituto Cultural Flávio Gutierrez - ICFG, entidade do terceiro setor sem fins lucrativos, em Belo Horizonte, que, com a chancela da Unesco, empreende projetos museográficos e museológicos. A coleção particular de oratórios de Ângela Gutierrez constitui a base do acervo do museu, montado na antiga casa do Noviciado do Carmo, no adro do Carmo, 28, edifício representativo da antiga Vila Rica setecentista, atual Ouro Preto. O conjunto de 163 oratórios dos séculos XVII, XVIII e XIX está distribuído nos três pisos do edifício - subsolo, térreo e primeiro pavimento -, classificados pelos diferentes estilos e usos das peças. Além da exposição permanente do acervo, o museu realiza mostras itinerantes como a Oratórios - Roteiros de Fé e Arte, organizada em 2003 com 50 oratórios representativos do universo religioso brasileiro na colônia e império. E é responsável, desde 2001, pela série Concertos no Museu, com espetáculos de música erudita.
O oratório (do latim oratoriu) - nicho ou armário com imagens religiosas, de origem medieval, é concebido como um tipo de capela particular em que reis e nobres realizam suas orações, e, freqüentado em seguida também por associações religiosas leigas. Ligado, de início, ao modo de vida das camadas abastadas, o hábito de ter altares particulares logo se dissemina pelos mais variados estratos sociais. O oratório chega ao Brasil com os portugueses e sofre adaptações de acordo com as formas de vida local. No Brasil colonial, essas peças religiosas estão presentes nas fazendas, senzalas e sobrados urbanos. Parte do equipamento da casa colonial, o oratório - que substitui progressivamente as capelas anexas às fazendas - é introduzido nas residências, colocado em nichos nas paredes ou nos quartos para uso individual. A presença dos oratórios dentro das casas e o hábito de rezar individualmente sinalizam uma "vida íntima em ascensão", nas palavras da historiadora Leila Mezan Algranti, e fornecem ainda elementos para a compreensão das formas de religiosidade na colônia, oriundas da mescla de tradições culturais distintas.
Na forma, no estilo e na decoração, os oratórios brasileiros permitem aferir as diferenças entre as classes sociais - os oratórios de salão, das camadas abastadas e os populares -, bem como as marcas do sincretismo religioso e estético reinante no Brasil dos séculos XVII, XVIII e XIX. Como indica o antropólogo Luis Mott: "Apesar de os oratórios e santos de casa serem bentos e abençoados pelo vigário ou missionário em suas visitas residenciais, nem sempre a relação dos moradores com tais simulacros seguia as normas permitidas pela ortodoxia católica". Assim, o oratório, "espécie de relicário", diz Mott, reúne imagens dos santos e talismãs de toda ordem: "pedacinhos de osso de algum santo", "um bocadinho de leite em pó de Nossa Senhora", "palha benta do Domingo de Ramos", medalhinhas, escapulários etc. As devoções afro-brasileiras, por sua vez, associam-se às da Igreja Católica na religiosidade popular; São Jorge, São Cosme e São Damião e São Benedito, por exemplo, convivem freqüentemente nos oratórios com elementos do candomblé.
A ampla e variada coleção do Museu do Oratório fornece elementos valiosos para acompanhar não apenas o universo religioso, mas também as formulações estéticas originais do barroco e do rococó brasileiros, as manifestações da arte popular e da arte afro-brasileira. Além disso, por meio deles pode-se conhecer o cotidiano dos séculos XVIII e XIX, nas formas de rezar, de morar, nos hábitos e costumes de homens e mulheres de diversas camadas sociais.
No subsolo do edifício, estão os "oratórios de viagem", concebidos para serem transportados nas algibeiras, no pescoço de mendicantes ou no colo das mulheres, neste caso pingentes de jóias e adornos. Aí estão também os "oratórios arca", levados por padres a localidades distantes e os "oratórios bala" - assim denominados em função da forma semelhante ao de balas de cartucheira - usados pelos tropeiros. Ainda no subsolo, encontram-se os "oratórios de alcova", que passam de mãe para filha, e aqueles de "arte conventual", que circulam dos mosteiros às casas dos fiéis. Uma tentativa de exemplificação do uso desses oratórios itinerantes é empreendida pela reconstituição de um acampamento de tropeiro.
No piso térreo encontram-se expostos os oratórios populares domésticos, que adquirem feições decorativas mais acentuadas em função do maior ou menor poder aquisitivo do seu dono. Há modelos simplificados, pequenas peças de entalhe simples e os oratórios de salão decorados, com portas entalhadas e policromadas, ornamentados com pinturas, rendilhados ou cortinas. Aí estão expostos também os "oratórios ermidas", habitual nas casas-grandes do Nordeste brasileiro e nas fazendas mineiras, que funcionam como pequenas capelas domésticas que necessitam de autorização da igreja para serem consagradas e utilizadas como espaço religioso público. Em geral de grandes dimensões, os "oratórios ermidas" caracterizam-se pelo uso comunitário. Os "oratórios afro-brasileiros", confeccionados pelos negros escravos ou ex-escravos, por sua vez, guardam grande riqueza de elementos simbólicos, indicando diretamente as mesclas culturais observadas na sociedade brasileira. Nesse piso, encontram-se reconstituídos um quarto modesto e uma ermida decorada.
O 1º andar é dedicado aos oratórios elaborados com base em claras referências artísticas. Encontram-se aí oratórios classificados peloo material usado e pela forma decorativa peculiar, por exemplo, um oratório de "salão" com pintura interior atribuída a Manoel da Costa Athaide (1762 - 1830); outro do tipo "bala" realizado com conchas por Francisco Xavier dos Santos (ca.1739 - ca.1804), em fins do século XVIII. Os "oratórios lapinhas" - assim denominados por mimetizarem as grutas na forma e no uso de materiais encontrados nas lapas de Minas Gerais - completam o conjunto, ao lado dos "oratórios de conventos", feitos por freiras e vendidos a particulares. Esses oratórios têm forte apelo visual em virtude das folhas secas, pedras e laminados e remetem, segundo fontes, a uma tradição decorativa portuguesa. Com o tempo, passam a carregar nas pedras e lantejoulas, aproximando-se do kitsch.
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Fontes de pesquisa 4
- ALGRANTI, Leila Mezan. Família e vida doméstica. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.); SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 523p. il., color (História da vida privada no Brasil, 1). pp. 83-154.
- MOTT, Luiz. Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.); SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 523p. il., color (História da vida privada no Brasil, 1). pp. 155-220.
- MUSEU do Oratório. Disponível em: [http://www.museudooratorio.com.br]. Acesso em: set. 2006.
- MUSEU do Oratório: Coleção Angela Gutierrez. Tradução Carlos O. Hartmann, Marie-Noëlle Hartmann. 2. ed. Belo Horizonte: Instituto Cultural Flávio Gutierrez, 2000. 200 p., il. color.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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MUSEU do Oratório.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/instituicao262139/museu-do-oratorio. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7