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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Mundo Livre S/A

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 01.11.2022
1984 Brasil / Pernambuco / Recife
Grupo musical formado em Recife, Pernambuco, em 1984, o Mundo Livre S/A destaca-se por suas letras críticas e irreverentes, comunicadas em uma musicalidade que funde samba e outros ritmos brasileiros à cultura pop e rock internacional.

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Grupo musical formado em Recife, Pernambuco, em 1984, o Mundo Livre S/A destaca-se por suas letras críticas e irreverentes, comunicadas em uma musicalidade que funde samba e outros ritmos brasileiros à cultura pop e rock internacional.

O cantor e compositor Fred Zero Quatro – Fred Rodrigues Montenegro (1962) – propõe a criação de um conjunto sintonizado às tendências do pop mundial, com músicas dançantes e concebidas de uma mistura de estilos. Em tom de deboche, o nome do grupo é extraído dos discursos do ex-presidente americano Ronald Reagan (1911-2004), nos quais se refere aos Estados Unidos e seus aliados como o “mundo livre”. A sigla S/A, vinda do mundo dos negócios, confere um tom irônico. Além de seus irmãos Fábio Montenegro (baixo) e Xef Tony (bateria), participam da primeira formação Bactéria (Jadson Vale), nos teclados, e Otto (1968), na percussão. Líder da banda, vocalista e principal compositor, Zero Quatro também toca guitarra, cavaquinho e violão. Esta formação instrumental indica uma sonoridade que vai além das fronteiras do rock nacional dos anos 1980, em geral refratário à mistura de timbres e gêneros. 

Nos primeiros dez anos, a banda é amadora, tendo como palco o circuito alternativo de Recife. A partir do manifesto Caranguejos com Cérebro (1992), marco inicial do movimento manguebeat1, o grupo passa a ter mais visibilidade, e surge o convite para gravar o primeiro álbum pelo selo independente Banguela, Samba Esquema Noise (1994). Alusão ao Samba Esquema Novo (1963), de Jorge Ben (1945), influência confessa de Zero Quatro, o disco mistura as harmonias simples e a estética “suja” do punk com levadas do ska, além de tons de sambalanço e samba reggae. Contrariando as expectativas, a faixa-título do CD nada tem de samba: trata-se de uma canção conceitual, na qual o vocal é declamado e as harmonias ao violão se fundem a ruídos dissonantes. Ao longo do álbum, o canto de Zero Quatro oscila entre a malemolência, à Jorge Ben, e o gesto vocal rascante do rock, reforçando a ideia de um samba que, escapando aos padrões convencionais, é “noise2.

Em seu segundo trabalho, Guentando a Ôia (1996), o grupo resgata a crueza do punk e do hard-core, com riffs de guitarra e bateria pronunciada. Entre os temas abordados, a faixa “Computadores Fazem Arte” faz uma crítica à indústria fonográfica (“computadores fazem arte / artistas fazem dinheiro”).

Maior alcance midiático no Sudeste do país acontece apenas com Carnaval na Obra (1998). Primeiro disco sem Otto, substituído por Marcelo Pianinho, recebe o prêmio de melhor banda pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e pela revista Showbizz, num momento em que o pagode romântico domina as rádios FMs. O álbum traz faixas dançantes como o samba-rock “Bolo de Ameixa”, parceria com o jornalista Xico Sá (1962), e o groove “Novos Eldorados”. Com 6 minutos de duração, elementos do funk, rock e samba, a canção faz um paralelo entre a conquista da América e o massacre do Timor Leste. Inspirada na leitura da obra Camelot: os Anos Kennedy, de Noam Chomsky (1928), “Novos Eldorados” desafia os limites entre reflexão e entretenimento, ao tratar de um tema incômodo por meio de uma estética pop.

Apropriando-se de recursos e estéticas da música eletrônica, o mundo digital também é tema recorrente, como no bem-humorado tecno frevo “O Velho James Browse já Dizia” e no bolero “Cabôcocopyleft”, que ironiza a distribuição musical em tempos de internet, faixas de Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa (2011).

Sem abrir mão dos samplers e de outras experimentações eletrônicas dos trabalhos anteriores, em A Dança dos Não Famosos (2018) o grupo concebe um álbum que trata com lirismo do clima de turbulência do Brasil na época. Em “Vem pra Rua Tomar na Cabeça”, a banda denuncia a violência policial em meio aos protestos, afirmando que “a democracia é uma ditadura disfarçada”. Em músicas como “Eletrochoque de Gestão” e “Meu Nome Está no Topo da Sagrada Planilha”, aponta o cinismo do mercado financeiro, da classe política e do cidadão médio.

Transitando entre a reflexão e o entretenimento, entre o global e o local, o Mundo Livre S/A adota uma atitude ao mesmo tempo pop e representativa da crítica punk ao capitalismo, apropriando-se de signos da cultura pop de maneira irônica.

 

Notas:

1. Escrito por Zero Quatro e pelo jornalista Renato Lins, o texto surge do diálogo entre músicos, jornalistas, designers e DJs pertencentes a um núcleo informal de pesquisa que tem por objetivo conectar a cena cultural de Recife à rede mundial. O termo mangue, cunhado por Chico Science (1966-1997), faz um paralelo entre esse rico ecossistema e a diversidade cultural recifense. A ele soma-se o bit, em referência à unidade de medida de informação digital. Equivocamente renomeado pela imprensa de manguebeat (batida do mangue), o termo passa a prevalecer para se referir a bandas como Mundo Livre S/A, Eddie (1989), Nação Zumbi (1991) e Mestre Ambrósio (1992).

2. Noise (literalmente, ruído) é uma estética musical que incorpora sons normalmente considerados indesejáveis ou desagradáveis.

Fontes de pesquisa 7

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  • AZAMBUJA, Luciano de. Leitura, canção e História: Mundo Livre S/A contra o “Império do Mal”. 2007. 175 f. Dissertação (Mestrado em Literatura) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.
  • FERRAZ, Leidson (Org.). Memórias da cena pernambucana 02. Recife: Funcultura, 2006.
  • LIMA, Tatiana Rodrigues. Manguebeat – da cena ao álbum: performances midiáticas de Mundo Livre S/A e Chico Science & Nação Zumbi. 2007. 179 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.
  • OLIVEIRA FILHO, Carlos Gomes de. Entreatos: a canção crítica no Tropicalismo e Manguebeat. 2016. 169 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Artes e Comunicação, Recife, 2016.
  • SANCHES, Pedro Alexandre. Isto é fundo de quintal. Farofafá. Disponível em: https://farofafa.cartacapital.com.br/2009/05/28/isto-e-fundo-de-quintal/. Acesso em 20 maio 2020.
  • SOUZA, Tárik de. “Mundo Livre S/A: signos em desconstrução”. Tem mais samba: das raízes à eletrônica. São Paulo: Ed. 34, 2003. (Coleção Todos os Cantos.).
  • TELES, José. Do frevo ao manguebeat. São Paulo: Editora 34, 2000. (Coleção Todos os Cantos).

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