Navalha na Carne
![Navalha na Carne, 1967 [Enciclopédia de Teatro. Espetáculo]](http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/013302007729.jpg)
Tônia Carrero (Neusa Suely) em cena de Navalha na Carne, 1967
Tônia Carrero
Acervo Idart/Centro Cultural São Paulo
Texto
A peça, de Plínio Marcos, se passa em um quarto de bordel, onde a prostituta Neusa Sueli, o cafetão Vado e o homossexual Veludo, empregado do estabelecimento, encarnam a existência subumana e marginalizada. A montagem, proibida pela Censura, na sequência ganha repercussão no Rio de Janeiro, dirigida por Fauzi Arap e trazendo Tônia Carrero no papel feminino.
Retrato naturalista do submundo brasileiro em que as gírias, a violência das relações humanas, a situação opressora e a luta de cada personagem constroem um quadro cuja dramaticidade sobrevive ao tempo, Navalha na Carne é a obra mais encenada do dramaturgo, ao lado de Dois Perdidos Numa Noite Suja. A peça pode ser vista como metáfora dos mecanismos de poder entre as classes sociais brasileiras, uma vez que as personagens, embora pertençam ao mesmo estrato social, se dedicam a uma contínua disputa pelo domínio sobre o outro. Nessa disputa, as personagens vão da força física à chantagem pela autopiedade, da sedução à humilhação, da aliança provisória entre dois na tentativa de isolar o terceiro, mas a possibilidade de juntar suas forças para lutar contra a situação que os oprime nunca é cogitada.
A peça é levada a público em 1967, inicialmente, em parceria com George, texto de John Anthony West, no Centro de Estudos Teatrais que tem suas récitas na cobertura do apartamento de Cacilda Becker e Walmor Chagas, em São Paulo. O objetivo do "Centro" é divulgar, através de leituras dramáticas, originais brasileiros. Esta apresentação, porém, trata-se da encenação que, já pronta para estrear, é interditada pela Censura.
Cacilda e Walmor convidam o grupo para uma encenação em sua residência a fim de mostrar a peça aos críticos e intelectuais atuantes na cena teatral do momento. Após as apresentações dos textos, os presentes firmam um parecer, a ser encaminhado ao ministro da Justiça, Luiz Antonio da Gama e Silva, não só protestando contra a proibição da peça, como pedindo a sua liberação imediata, atendendo assim os compromissos do grupo.
A encenação paulista é realizada em setembro de 1967. Mas o texto chama a atenção na montagem carioca, em outubro do mesmo ano, encabeçada por Tônia Carrero. Ressalta o crítico Yan Michalski: "A impiedosa autenticidade psicológica dos personagens, a clareza da análise dos problemas da sua integração no subumano mundo em que vivem, a extrema densidade do clima, o virtuosismo do diálogo. [...] uma peça à qual se assiste com a respiração presa, e a cujo fascínio não escapa nem o público mais conservador, a priori menos disposto a enfrentar cara a cara a crueldade e a violência [...]".1
Fauzi Arap dirige o espetáculo obtendo o máximo de sintonia entre o texto e as idéias expressas pelas ações das personagens. Sem fazer concessões ao público, o diretor trabalha sobre a violência física, que explode da vida interior das personagens. Tônia Carrero dá à prostituta, por meio de uma construção detalhada e emocional, uma existência própria que, segundo os críticos da época, fazem esquecer a imagem bela e apolínea da atriz. Yan Michalski, considerando seu trabalho o mais sensível e completo de sua carreira, escreve: "Por mais que os grandes momentos dramáticos me tenham emocionado, a lembrança mais forte que guardarei do seu desempenho é a das suas cenas de segundo plano, quando, com gestos apenas esboçados ou com discretas reações fisionômicas, ela traduz a poética e atormentada alma de Neusa Sueli".2
Parcialmente censurada em 1967, a peça só retorna aos palcos montada na íntegra treze anos depois.
Notas
1. MICHALSKI, Yan. Reflexões sobre o teatro brasileiro no século XX. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2005. p. 97.
2. Idem. p. 99.
Ficha Técnica
Plínio Marcos
Direção
Fauzi Arap
Cenografia
Sara Feres
Figurino
Sara Feres
Coreografia
Klauss Vianna
Elenco
Emiliano Queiroz / Veludo
Nelson Xavier / Wado
Tônia Carrero / Neusa Suely (Prêmio Molière; Associação de Críticos Cariocas)
Direção de produção
Carlos Kroeber
Obras 2
Espetáculos 1
Fontes de pesquisa 5
- CARVALHO, Tânia. Tônia Carrero: movida pela paixão. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009. 276 p. (Coleção Aplauso). Acesso em: 14 jul. 2023.
- MAGALDI, Sábato; VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo (1875-1974). São Paulo: Senac, 2000.
- MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989.
- MICHALSKI, Yan. Reflexões sobre o Teatro Brasileiro no Século XX. Rio de Janeiro: Funarte, 2004.
- NAVALHA NA CARNE. Formulário de identificação da pesquisa. São Paulo, P1630, Centro Cultural São Paulo, CCSP - Divisão de Pesquisas/Idart.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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NAVALHA na Carne.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/evento398588/navalha-na-carne. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7