Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Teatro

A Casa de Eros

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 15.07.2022
09.1996 Brasil / Bahia / Salvador – Teatro Martim Gonçalves
Em setembro de 1996, estreia em Salvador, no Teatro Martim Gonçalves (então Teatro Santo Antônio), da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia - UFBA, o espetáculo A Casa de Eros. A montagem é uma realização da Companhia de Teatro da UFBA (1981), formada por professores e atores contratados daquela unidade acadêmica, por alunos estagiár...

Texto

Abrir módulo

Em setembro de 1996, estreia em Salvador, no Teatro Martim Gonçalves (então Teatro Santo Antônio), da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia - UFBA, o espetáculo A Casa de Eros. A montagem é uma realização da Companhia de Teatro da UFBA (1981), formada por professores e atores contratados daquela unidade acadêmica, por alunos estagiários e artistas convidados. Desde a concepção até as várias etapas de sua produção, o espetáculo tem como referência fundamental o repertório de encenações desse coletivo teatral, tanto em sua dimensão estética quanto nas conexões históricas que busca estabelecer. 

Concebido para celebrar o aniversário de 40 anos da Escola de Teatro da UFBA, A Casa de Eros propõe-se a evocar, através de recursos cênicos, os muitos tempos que se desdobram num mesmo espaço, reativando a memória não só dos fatos que pontuam o cotidiano da instituição, mas sobretudo das encenações ali realizadas. Para a direção do espetáculo, é chamado o encenador paulista José Possi Neto (1947), convite motivado pela contribuição desse artista como realizador de montagens significativas para a revitalização da Escola de Teatro, na década de 1970, antes da fundação da Companhia de Teatro da UFBA.

Após ingressar como professor da Escola de Teatro, em 1973, José Possi Neto encena, com alunos de interpretação e artistas convidados, em maio desse mesmo ano, A Casa de Bernarda Alba, peça do dramaturgo espanhol Garcia Lorca (1898-1936). A montagem obtém grande repercussão, à época, com temporada também em São Paulo, onde é saudada pela crítica como exemplo de renovação da linguagem cênica no tratamento de um clássico da dramaturgia. A essa estréia bem-sucedida seguem-se vários espetáculos que fazem da experimentação e do desafio estético no contato com o público a base da concepção de um ensino contemporâneo de teatro, como Marilyn Miranda (1974) e Álbum de Família (1975), entre outros. Esses dados históricos justificam, assim, o convite ao mesmo encenador de A Casa de Bernarda Alba para dirigir, vinte três anos depois, A Casa de Eros, dentro dos objetivos de resgatar a memória desse espaço teatral.

Em A Casa de Eros, o numeroso elenco de 28 atores compreende, como é de praxe nas montagens da Companhia, além de professores e atores contratados, artistas convidados e alunos de interpretação. Essa composição heterogênea permite a emergência de novos talentos e torna significativa a presença de vários atores iniciantes que a seguir fazem carreiras de sucesso, em nível nacional, no teatro, na TV e no cinema, como Edmilson Barros (1964), Laila Garin (1978), Vladimir Brichta (1976) e Wagner Moura (1976).

A dramaturga Cleise Mendes (1948), para compor o texto de A Casa de Eros, parte de dados históricos e referências jornalísticas quanto ao papel representado pela Escola na vida cultural de Salvador e também do repertório de montagens distribuídas ao longo de quatro décadas. Desse modo, na evocação desse passado, fundem-se atos e palavras de pessoas reais e citações de cenas e personagens que transitaram pela Casa, dos jardins ao palco do teatro.

Desde o título, o espetáculo homenageia a "casa" no sentido de um espaço físico, situado historicamente, constituído pelo antigo solar da rua Araújo Pinho onde o reitor Edgard Santos (1894-1962) funda, em 1956, a Escola de Teatro da UFBA e que serve de moradia ao seu primeiro diretor, Eros Martins Gonçalves (1919-1973). Porém, ao mesmo tempo, trata-se de homenagear a casa como lugar de produção de bens simbólicos, que se institui como referência cultural para o público soteropolitano, ao longo de quatro décadas. Como espaço de criação teatral, ou seja, como "casa de teatro", o lugar ao qual o espetáculo se refere compreende  também a projeção de um universo imaginário, povoado por seres fictícios que conhecem apenas a realidade do palco, o mundo da representação.

A estrutura do espetáculo tem a forma dramatúrgica de um "drama de estações", constituído por prólogo, quatro atos e um epílogo. No prólogo, após um balé que se desenvolve nos jardins da Escola, o público é conduzido por dançarinos até o interior do teatro. No palco, um Velho Ator que é uma personificação de Cronos (o Tempo), chega para revisitar a casa de Eros e ao rememorar trechos de antigas peças vai pouco a pouco fazendo ressurgir personagens impregnadas naquele espaço cênico.

O primeiro ato, intitulado "Os jardins do Éden", concentra-se na evocação da primeira fase da Escola, período de intensa produção cênica, que vai de sua fundação, em 1956, até o afastamento de Martim Gonçalves, em 1961, após intensa campanha de setores da imprensa local contra sua administração. Cenas de montagens relevantes dessa fase, como Senhorita Júlia, do dramaturgo sueco August Strindberg (1849 - 1912) - peça que inaugura o Teatro Santo Antônio, em 26 de abril de 1958 - são entrelaçadas com referências históricas.  Exemplo desse recurso são as falas ríspidas e autoritárias da personagem Calígula, da peça homônima de Albert Camus (1913 - 1960), usadas para caracterizar o próprio Martim Gonçalves reagindo à hostilidade de um coro de jornalistas.

O período posterior a 1964, marcado, por um lado, pelo ideário da contracultura e formas de vida alternativa e, por outro, pela supressão dos direitos democráticos e ação da censura prévia sobre as produções teatrais, que se estende pela década de 70, é o cenário para o segundo ato da peça, intitulado significativamente "Trevas e Sonhos". O diálogo entre ficção e realidade prossegue, com a rememoração de fatos que marcam um período particularmente difícil, em que se somam a perda da liberdade de expressão e a falta de verbas para fazer declinar a produção artística na unidade.

O terceiro ato, denominado "Renascença" corresponde ao período em que o próprio diretor Possi Neto desenvolve seu trabalho artístico na instituição, até seu retorno para São Paulo, em 1976. Cenas de peças como Tito Andronico, de Shakespeare (1564 - 1623), Marylin Miranda, de Cleise Mendes e elenco, além das já citadas Álbum de Família e A Casa de Bernarda Alba são adaptadas para caracterizar o clima de renovação estética e reconquista de público para as montagens da Escola.

A rememoração da última década dessa trajetória, que compõe o quarto e último ato, concentra-se na citação de espetáculos realizados pela Companhia de Teatro da UFBA, através da releitura de cenas marcantes daquele repertório, como a aparição da personagem Madame Pace, em Seis Personagens à Procura de Um Autor, interpretada pela atriz Nilda Spencer (1924 - 2008) na montagem original de 1981. O epílogo traz de volta a personagem do Velho Ator, ou Cronos, que transmite a um jovem diretor o seu legado teatral, enquanto em linguagem lírica despede-se da Casa revisitada.

O espetáculo contempla essas quatro "estações", compondo um caleidoscópio de imagens e sons, no qual a música desempenha papel tão relevante quanto a atuação dos intérpretes e dançarinos. A partir de fragmentos de sonhos e memórias de indivíduos e gerações, cria-se uma espécie de biografia onírica da Casa, figurada como um espaço que produz e testemunha transformações estéticas e sociais de quase meio século.

 

Ficha Técnica

Abrir módulo

Fontes de pesquisa 4

Abrir módulo
  • COSTA, Eliene Benício Amâncio; CHECCUCCI, Deolindo. Companhia de teatro da Ufba – 26 anos. Salvador: Secretaria de Cultura do Governo da Bahia: Escola de Teatro da Ufba, 2007.
  • FRANCO, Aninha. O teatro na Bahia através da imprensa: século XX. Salvador: FCJA: Cofic, FCEBA, 1994.
  • LEÃO, Raimundo Matos de. Abertura para outra cena: o moderno teatro da Bahia. Salvador: Fundação Gregório de Matos: EDUFBA, 2006.
  • SANTANA, Jussilene. Impressões modernas: teatro e jornalismo na Bahia. Salvador: Vento Leste, 2009.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: