Dança contemporânea
Texto
Dança contemporânea é uma expressão popularizada a partir dos anos 1970 para se referir ao conjunto de práticas coreográficas e estéticas que se distingue das referências do balé clássico e da dança moderna. Surge a partir do movimento da dança pós-moderna estadunidense e se multiplica pelo mundo em modos de pensar e fazer uma dança atual e conectada ao momento histórico.
Tem como expoente o Judson Dance Theater, um coletivo nova iorquino de artistas ligados à escola de Merce Cunningham (1919-2009), bailarino e coreógrafo estadunidense treinado por ícones da dança moderna e responsável por fundar novas formas de pensar e questionar os limites da dança. Os artistas do grupo Judson desenvolvem propostas pessoais de trabalho, mas compartilham a tentativa de reduzir a dança ao essencial, isto é, uma dança sem o espetáculo, o drama, a fama, a beleza e os propósitos universalistas percebidos na dança do início dos anos 1960. No experimentalismo dessa época, destacam-se artistas como Yvonne Rainer (1934), Trisha Brown (1936-2017) e Steve Paxton (1939-2024).
No Brasil, esse tipo de experimentalismo alcança o ponto alto nos anos 1970, quando é criado o Teatro de Dança Galpão. Entre 1974 e 1981, a sala Galpão do Teatro Ruth Escobar se torna um espaço de estudo e experimentação, mantido com verba pública, para os projetos de artistas residentes. Marilena Ansaldi (1934-2021) é uma das responsáveis pela atualização da dança no Brasil. Com formação clássica tardia, a bailarina alcança reconhecimento no exterior. De volta ao Brasil, se estabelece na cena alternativa paulistana que culmina com a criação do Teatro de Dança Galpão, onde convivem artistas como Maurice Vaneau (1926-2007), Sonia Mota (1948), Célia Gouvêa (1949), Ivaldo Bertazzo (1949), Denilto Gomes (1953-1994) e Suzana Yamauchi (1957). Pelas propostas atuais e inovadoras, a crítica da época qualifica o surgimento do Galpão como um renascimento ao atrair a atenção do público jovem para a dança.
Essas propostas, no entanto, não eram ainda chamadas de dança contemporânea. O termo começa a ganhar popularidade no mundo a partir dos anos 1970 e passa a ser usado em documentos oficiais na França a partir dos anos 1980, sobretudo para diferenciar essa categoria da dança de tradição clássica, historicamente apoiada por outros instrumentos, como as grandes companhias governamentais.
Na dança brasileira, a expressão é sinônimo de dança independente, usada para justificar a especificidade de um tipo de pensamento e de produção em dança com demandas e apoios específicos. Entre esses apoios, destaca-se o Programa de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo, aprovado em 2005 pela lei n. 14.071, que define em seu artigo primeiro o objetivo de “apoiar a manutenção e desenvolvimento de projetos de trabalho continuado em dança contemporânea”.
Essa lei caracteriza como princípios da dança contemporânea a pesquisa de linguagem cênica coreográfica e a investigação de parâmetros técnicos corporais próprios no processo de criação artística em dança. Esses elementos identificam modos de fazer dessa forma artística. No campo estético, somam-se outras características, como a mistura de diversas técnicas corporais; a investigação de temas sociais atuais; o contato com formas de pensar e de fazer locais e regionais; a implicação ética da criação artística; a mistura do pessoal, do local e do internacional enquanto referências possíveis; e a exploração de outras linguagens e procedimentos artísticos na criação em dança.
A dança contemporânea brasileira também tem como referências algumas grandes companhias. A Quasar Cia de Dança, de Goiânia, é reconhecida pela criação de um estilo de movimentação segmentada, assinado pelo coreógrafo Henrique Rodovalho (1964). No Rio de Janeiro, a Companhia de Dança Deborah Colker tem como marca a mistura de técnicas com referência não apenas ao balé clássico, mas também a esportes, ginástica e atletismo, com coreografias apresentadas como grandes espetáculos visuais. O Grupo Corpo, de Belo Horizonte, é reconhecido internacionalmente como referência da dança contemporânea brasileira ao combinar fontes de técnica clássica com danças e corporeidades brasileiras. O grupo tem um importante trabalho com trilhas sonoras de composições originais, coreografadas por Rodrigo Pederneiras (1955).
Outro tipo de trabalho do contemporâneo investe não na pesquisa continuada de um autor, mas na multiplicidade de referências. É o caso das companhias de repertório, que não têm criadores residentes, mas recebem diversos coreógrafos para a produção de obras. Nesse grupo, destacam-se alguns grupos oficiais, mantidos com verbas públicas, como o Balé da Cidade de São Paulo, o Corpo de Dança do Amazonas e o Balé Teatro Guaíra, de Curitiba.
Há também artistas independentes, que trabalham sem aportes fixos ou regulares. Muitos deles transitam por companhias públicas, mas é com grupos próprios, com ou sem apoio, que continuam os processos de investigação e pesquisa.
Estabelecida não como uma forma de movimentação, mas como uma multiplicidade de possibilidades, centradas na noção da dança como fenômeno do tempo e da sociedade de seu tempo, a dança contemporânea é um modo de produzir e de pensar dança que se espalha pelo mundo e estabelece raízes variadas pelo Brasil, associadas à produção autoral, frequentemente independente e em constante diálogo ético e social.
Fontes de pesquisa 14
- BANES, Sally. Writing Dancing in the age of post-modernism. New England: Wesleyan University Press, 1994.
- BOGEA, Inês. Caminhos cruzados: Teatro de Dança Galpão: 1974-1981. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2014.
- GERMAIN-THOMAS, Patrick. La danse contemporaine, une révolution réussie? Paris: Arcadi, 2012.
- GOUVÊA, Célia. Dança no século XXI. Curitiba: Prismas, 2017.
- LOUPPE, Laurence. Poétique de la Danse contemporaine. Paris: Contredanse, 2004.
- MICHEL, Marcelle; GINOT, Isabelle. La Danse au XXe siècle. Évreux: Bordas, 1995.
- NAVAS, Cássia; DIAS, Linneu; ROCHELLE, Henrique; SIQUEIRA, Arnaldo. Dança Moderna 1992-2022. São Paulo: Mireveja Editora, 2023.
- NOISETTE, Philippe. Danse contemporaine, le guide. Paris: Flammarion, 2015.
- RODRIGUES SILVA, Eliana. Dança e pós-modernidade. Salvador: EDUFBA, 2005.
- SIQUEIRA, Denise da Costa Oliveira. Corpo, comunicação e cultura: a dança contemporânea em cena. Campinas: Autores Associados, 2006.
- SÃO PAULO COMPANHIA DE DANÇA. Célia Gouvêa. Governo do Estado de São Paulo, 2011. (Série Figuras da Dança).
- SÃO PAULO COMPANHIA DE DANÇA. Sonia Mota. Governo do Estado de São Paulo, 2010. (Série Figuras da Dança).
- SÃO PAULO. Lei n. 14.071, de 18 de outubro de 2005. Institui o Programa Municipal de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo e dá outras providências. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/fomentos/?p=7297. Acesso em: 2 ago. 2023.
- TOMAZZONI, Airton. Essa tal de dança contemporânea. Aplauso, Porto Alegre, p. 20-21, 1 jan. 2006. Disponível em: http://beta.idanca.net/esta-tal-de-danca-contemporanea/. Acesso em: 2 ago. 2023.
Como citar
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DANÇA contemporânea.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo14399/danca-contemporanea. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7