Folia de Reis
Texto
As folias de reis são manifestações da cultura popular presentes em grande parte do território brasileiro. Também conhecidas como terno ou companhia de reis, são conjuntos musicais que circulam durante o ciclo natalino para anunciar o nascimento do Menino Jesus. Há uma enorme variedade regional que pode ser atribuída aos encontros das populações afro-brasileiras e indígenas diante do cânone introduzido pelos autos de Natal da tradição ibérica no contexto colonial.
A formação das folias de reis busca estabelecer a perpetuação da peregrinação dos Santos Reis, repetindo-a anualmente em suas jornadas ou giros. Os foliões se reúnem em torno da prática musical e distribuem-se em posições que compreendem especializações vocais, instrumentais e rituais. Além de distinguir registros diferentes na composição coletiva da toada (o estilo musical característico das folias), as posições também estão ligadas a uma distribuição espacial específica dos foliões no cortejo.
A forma musical predominante das toadas das folias de reis é o canto responsorial. O violeiro e compositor Roberto Corrêa (1957) identifica duas estruturas musicais nas folias de reis de Minas Gerais, a Folia de Quatro Vozes e a Folia de Seis Vozes, nos quais o guia e um ajudante entoam uma parte do canto que em seguida é repetida pelo contraguia e por seu ajudante. Na região fronteiriça entre os estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e de Minas Gerais, o mestre é o responsável por puxar cada verso, que é repetido pelos demais foliões em coro. O registro de cada voz e sua relação com as demais é designada por uma função, como guia, contraguia, contralto, requinta, resposta, que pode estar ligada a uma posição específica na organização ritual. Há dois tipos predominantes de textos das toadas: os fixos, normalmente descrevendo a profecia, e os improvisados, que incorporam ao texto canônico os acontecimentos atuais das folias. Por meio dessa aproximação, “a presença do santo é ritualmente construída”1 nos deslocamentos entre as casas dos devotos.
A bandeira é o objeto ritual de maior destaque. Ela vai à frente, empunhada pelo bandeireiro ou alferes por uma haste vertical que a sustenta. É composta de colagens de imagens de santos, com destaque para o santo padroeiro da folia, além de fotografias de foliões falecidos, e é comum a presença de enfeites brilhantes, como fitas coloridas. À bandeira é atribuído o poder de abençoar as casas e seus habitantes, que frequentemente se ajoelham diante dela.
As fardas dos foliões são constituídas de calças, camisas e chapéus enfeitados com objetos brilhantes, geralmente com pequenos espelhos. Os instrumentos também podem ser enfeitados. Entre os instrumentos musicais mais comuns nas folias de reis estão viola, acordeão, violão, pandeiro, caixa e bumbo. As fardas, a bandeira e os instrumentos das folias são objetos sagrados mesmo fora dos ciclos rituais, e é responsabilidade do dono guardá-los em um lugar especial.
É muito difundida entre as folias a presença de personagens mascarados chamados de palhaço, bastião, herodes, guarda-mor ou boneco. A indumentária do palhaço é composta de uma farda distinta da dos foliões, a máscara, em muitos casos confeccionada em couro peludo e dentes de animais, e um bastão. No cortejo, os palhaços andam sempre atrás dos foliões e são impedidos de entrar na casa dos devotos. Eles podem entoar versos que falam tanto da profecia quanto de situações triviais, criando um ambiente descontraído que contrasta amplamente com a circunspecção das toadas. Em algumas regiões, as folias de reis são intimamente ligadas às religiões de matriz africana, e os palhaços são associados à entidade afro-brasileira exu.
É muito frequente a realização de encontros e festivais de folias de reis. Um dos mais importantes é o Festival Nacional de Folias de Reis de Muqui, que anualmente reúne centenas de folias do Espírito Santo e de estados vizinhos. Esses festivais são derivações dos encontros entre as folias em suas jornadas natalinas, quando pode haver intensas disputas em versos de toadas e de palhaços.
As folias de reis evidenciam um jogo complexo entre tradição e inovação. Nas várias regiões em que ocorrem, partilham alguns elementos do enredo canônico dos Santos Reis. No entanto, observa-se que a criatividade é um aspecto central, haja vista a importância atribuída aos versos improvisados pelos foliões. Entrelaçando profecia e improviso, as folias atualizam a jornada dos Santos Reis nos movimentos da vida contemporânea de foliões e devotos.
Nota:
1. CHAVES, Wagner Diniz. “Canto, voz e presença: uma análise do poder da palavra cantada nas folias norte-mineiras”. Mana, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 249-280, 2014.
Fontes de pesquisa 6
- BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Sacerdotes de viola: rituais religiosos do catolicismo popular em São Paulo e Minas Gerais. Petrópolis: Vozes, 1981.
- CHAVES, Wagner Diniz. Canto, voz e presença: uma análise do poder da palavra cantada nas folias norte-mineiras. Mana, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 249-280, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132014000200249&lng=en&nrm=iso. Acesso em 22 nov. 2020.
- CORRÊA, Roberto. “Da estrutura musical da Folia”. Viola Brasileira. Folia de Reis: Tradição e Fé. Produção: Viola Brasileira. 2CD’s, 2006, p. 53-56.
- FOLIAS de Reis: tradição e fé. Produção: Viola Brasileira. 2CD’s, 2006.
- GOLTARA, Diogo Bonadiman. Santos Guerreiros: relatos de uma experiência vivida nas folias de reis do sul do Espírito Santo. 2010. 118 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília. Brasília, 2010.
- REILY, Suzel Ana. Voices of the Magi: Enchanted Journeys in Southest Brazil. Chicago e Londres: The University of Chicago Press, 2002.
Como citar
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FOLIA de Reis.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo14349/folia-de-reis. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7