Maracatu

Caboclo de lança do Maracatu Baque Solto Estrela da Tarde de Glória do Goitá, Pernambuco, em desfile em Goiana (PE), 2009
Texto
Maracatu é uma manifestação da cultura popular brasileira, referenciada à cultura negra, desenrolada, tradicionalmente, em Pernambuco. Os primeiros registros históricos do termo maracatu datam do final do século XIX como um signo polissêmico que diz respeito a “qualquer ajuntamento de negros e batuques”1, e que se divide em basicamente dois tipos: o maracatu nação, ou de baque virado, e o maracatu rural, ou de baque solto.
Ambos são manifestações culturais complexas, distintas entre si, com saberes, modos e ofícios próprios. Sua gênese territorial, sendo o primeiro mais urbano e o segundo mais rural, é fundamentada pela literatura folclorista e acadêmica sobre o tema, segundo a qual o maracatu rural é um desdobramento do maracatu nação, ambos resultados de arranjos históricos coloniais de resistência à escravidão.
Assim, os maracatus estão configurados em um contínuo histórico, em que o maracatu nação se enquadra no pólo mais africano, oriundo de confrarias negras da capital, e o maracatu rural no polo mestiço, uma versão híbrida, degenerada. É consenso entre os pesquisadores que tanto o maracatu nação quanto o maracatu rural são manifestações culturais brasileiras que congregam elementos dos mais variados tipos e influências.
O maracatu nação distingue-se do maracatu rural pelos arranjos musicais em torno do que se convenciona como baque. Enquanto o som do baque virado é executado por conjuntos musicais de cerca de 30 instrumentos percussivos, como alfaias, mineiros, gonguê, tarol, abê e atabaque; o som do baque solto é realizado por um terno composto de "poica", tambor, gonguê, caixa e instrumentos de sopro.
O maestro César Guerra-Peixe (1914-1993) discorre sobre as relações entre os maracatus e as religiões de matriz africana na capital pernambucana. Segundo o maestro, o maracatu nação relaciona-se a religiões de terreiro, como o candomblé, que em Recife é chamado de Xangô, e também à Jurema, religião ligada ao maracatu rural, presente em todo o Nordeste. Mais do que apontar para uma relação de origem, o vínculo religioso dos maracatus salientam diferenças internas entre seus tipos. Nesse sentido, a sinonímia entre os termos maracatu nação e maracatu de baque virado admite variações. Enquanto o último designa um arranjo rítmico e percussivo, o primeiro aponta para relações comunitárias desenroladas em torno de espaços religiosos afro-indígenas brasileiros.
Em 2020, a Associação dos Maracatus Nação de Pernambuco (Amanpe) contabiliza na região metropolitana do Recife cerca de 30 maracatus nação. Tais maracatus estruturam-se musicalmente com base em um arranjo entre perguntas e respostas, as toadas, puxadas por um mestre e acompanhadas pelos batuqueiros. Durante o Carnaval, alguns desses maracatus desfilam em forma de cortejo, composto de “rei e rainha, príncipe e princesa, duque e duquesa, vassalos, escravos, lanceiros, baianas e damas de paço”2, e estas últimas carregam consigo bonecas, chamadas de calungas.
O maracatu rural ou de baque solto, também chamado de maracatu orquestra, maracatu de trombone, samba de matuto ou maracatu moderno, é brincado sobretudo no domingo de Carnaval. Seus praticantes saem sozinhos ou em grupo, com maior frequência nas cidades da região da Zona da Mata, no Norte de Pernambuco. De modo geral, o cortejo é composto de figuras com vestimentas próprias e organizadas em grupos de cabocaria, baianal, dama do passo, arraiamá, índias, corte real, mates, catita, caçador e burra. A marcação da dança é puxada por um mestre, cuja cantoria é intercalada pelas batidas do terno. As músicas dividem-se em marcha, samba e galope, cuja classificação é orientada com base na composição de número de versos e estrofes. Fora do período carnavalesco, são feitos ensaios ou sambadas, quando há o encontro de dois maracatus, e seus mestres improvisam versos madrugada adentro.
Para além dessas duas vertentes do maracatu, há pelo menos uma terceira modalidade, presente em Fortaleza. A exemplo do maracatu nação pernambucano, o cearense também conta com um cortejo real que avança ao som de instrumentos percussivos e de toadas, chamadas de loas ou macumbas. No entanto, diferencia-se dos demais pelos adornos e composição dos instrumentos, a exemplo do triângulo metálico, chamado de ferro. Nesses maracatus, alguns homens saem adornados como mulheres, cobrindo o rosto com negrume, uma tinta preta confeccionada pelos próprios integrantes.
A existência de uma variante do maracatu fora do espaço territorial de Pernambuco evidencia que, assim como os maracatus nação não podem ser vistos como reminiscência das festas de coroação dos reis de congo de África, também os maracatus rurais não são meros ensejos residuais do nação. Cada um reinventa, a seu modo e capacidade criativa, a tradição de seus maracatus.
Notas:
1. LIMA, Ivaldo Marciano França. Maracatu nação e grupos percussivos: diferenças, conceitos e Histórias. História: Questões & Debates, Curitiba, v. 61, n. 2, jul./dez. 2014. Editora UFP. p. 318.
2. LIMA, op. cit., p. 310.
Fontes de pesquisa 6
- AMORAS, Noshua. Composição e metamorfose no maracatu da Zona da Mata de Pernambuco. 2018. 157 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=5614240. Acesso em: 11 nov. 2020.
- CARVALHO, Ernesto Ignacio de. Diálogo de negros, monólogo de brancos: transformações e apropriações musicais no maracatu de baque virado. 2007. 145 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Antropologia, Recife, 2007. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/782/1/arquivo4340_1.pdf. Acesso em: 11 nov. 2020.
- GUERRA-PEIXE, César. Maracatus do Recife. São Paulo: Irmãos Vitale, 1981.
- LIMA, Ivaldo Marciano França. Maracatu nação e grupos percussivos: diferenças, conceitos e histórias. História: Questões & Debates, Curitiba, v. 61, n. 2, jul./dez 2014, p. 303-328. Editora UFP. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/historia/article/view/39020/23832. Acesso em: 11 nov. 2020.
- REAL, Katarina. O Folclore no Carnaval do Recife. Recife: Editora Massangana, 1990.
- SOUZA, Marcelo Renan Oliveira de. Maracatus de Fortaleza: entre tradições, identidades e a formação de um patrimônio cultural. 2015. 239 f. Dissertação (Mestrado profissional em Preservação do Patrimônio Cultural) – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/SOUZA_Marcelo-Dissertacao_Mestrado(1).pdf. Acesso em: 11 nov. 2020.
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MARACATU.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo14343/maracatu. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7