Qorpo-Santo
Texto
Biografia
José Joaquim de Campos Leão (Triunfo, Rio Grande do Sul, 1829 - Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1883). Autor. Qorpo-Santo escreve sua obra teatral no século XIX, mas suas peças só são encenadas a partir da década de 1960. Uma boa parte da crítica teatral brasileira do período o considera precursor do Teatro do Absurdo.
Antes de produzir sua obra literária, Qorpo-Santo trabalha como comerciante e professor. Também exerce as atividades de vereador e delegado de polícia na cidade de Alegrete, Rio Grande do Sul. Começa a escrever para jornais desse Estado no ano de 1852. A explicação do apelido é dada em um de seus escritos, quando tem 34 anos: "Se a palavra corpo-santo foi-me infiltrada em tempo que vivi completamente separado do mundo das mulheres, posteriormente, pelo uso da mesma palavra hei sido impelido para este mundo".1
Por volta de 1864, o dramaturgo começa a sofrer de alucinações, o que o leva a ser internado e examinado por médicos no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. É desse período conturbado a maior parte de seus trabalhos. Dezesseis peças são escritas entre janeiro e maio de 1866.
Em 1877, Qorpo-Santo decide criar a própria tipografia. É nela que edita sua Ensiqlopédia ou Seis Mezes de Huma Enfermidade, obra em nove volumes, dos quais, até o momento, são conhecidos seis, que reúnem poemas, confissões, receitas culinárias, máximas e suas dezessete peças teatrais. A grafia ensiqlopédia surge de uma reforma ortográfica proposta pelo autor e defendida em artigo no jornal A Justiça em 23 de outubro de 1868. Dessa reforma é que também surge a grafia para o seu nome literário: Qorpo-Santo. Importante lembrar que o escritor, em seus textos, algumas vezes segue seu projeto ortográfico e em outras a ortografia da época.
Sua obra dramática é considerada inovadora para o Brasil do século XIX. Comparando as peças de Qorpo-Santo com as de outros dramaturgos da época, como Martins Pena e José de Alencar, o autor gaúcho inova tanto na forma como no conteúdo. As Relações Naturais, de 1866, por exemplo, apresenta prostitutas como personagens, algo incomum para o teatro brasileiro da época. Além disso, ele usa imagens surreais, como a de personagens que perdem partes do corpo no decorrer da peça. Nesse texto há uma das mais estranhas rubricas de seu teatro, no final do terceiro ato, em que ele escreve: "Milhares de luzes descem e ocupam o espaço do cenário".
Em seu livro Os Homens Precários: Inovação e Convenção no Teatro de Qorpo-Santo, Flávio Aguiar comenta a dramaturgia do autor em relação aos dramaturgos brasileiros do século XIX: "Transposto para os textos dramáticos, o inconformismo latente na vida de Qorpo-Santo transformava-se na saudável libertinagem com que o autor tratara os cacoetes do teatro brasileiro do século XIX, sempre tão bem ajeitado e arrumado em seus enredos lógicos, em suas frases de efeito, em seu moralismo marcante, permitindo-se, de vez em quando, e sem grandes ofensas, um riso mais solto ou algumas lágrimas em excesso. Em lugar disso, Qorpo-Santo apresentava peças em que os enredos não tinham pé nem cabeça; a linguagem era violenta, direta, onde a retórica comparecia como recurso paródico. Personagens apareciam e desapareciam com rapidez meteórica; com frequência as falas não se articulavam logicamente, ganhando uma poeticidade bem ao gosto moderno".2
O caráter estranho do teatro qorpo-santense faz com que suas peças fiquem esquecidas entre o fim do século XIX e a primeira metade do XX, não sendo conhecida nenhuma montagem de qualquer uma delas nesse período. Qorpo-Santo morre em 1883, sem nenhum reconhecimento do valor de sua obra.
É a partir da década de 1950 que os volumes da Ensiqlopédia passam a ser lidos com atenção pelo jornalista Aníbal Damasceno Ferreira. Em 1955, Ferreira e o diretor teatral Antônio Carlos de Sena publicam poemas da autoria de Qorpo-Santo no jornal porto-alegrense O Mocho. Após uma tentativa frustrada de encenar as peças do autor no Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - CAD/UFRGS, Sena estreia em 1966, no Clube de Cultura, um espetáculo que reúne três peças de Qorpo-Santo: As Relações Naturais; Eu Sou Vida, Eu Não Sou Morte; e Mateus e Mateusa. O jornalista Valter Galvani descreve o acontecimento: "Noite de ontem passou a ser no teatro histórica: Redescoberta de Qorpo-Santo".3
A montagem de Sena viaja para o Rio de Janeiro, em 1968, para participar do Festival Nacional de Teatros de Estudantes, uma realização de Paschoal Carlos Magno. Essas apresentações possibilitam à dramaturgia de Qorpo-Santo receber o aval do crítico teatral Yan Michalski: "Outro acontecimento de 1968 que ficará na história: num Festival Nacional de Teatros de Estudantes realizado no Rio, o Teatro do Clube de Cultura de Porto Alegre revela pela primeira vez aos perplexos observadores, numa modesta mas convincente montagem de Eu Sou Vida, Eu Não Sou Morte e Matheus e Matheusa, a insólita obra de Qorpo-Santo, um inédito e desconhecido autor gaúcho que em 1866 escrevera uma série de pequenas comédias capazes de transformá-lo, segundo o ângulo sob o qual queiramos encarar a sua delirante criação, num revolucionário precursor do teatro do absurdo, ou fazê-lo aparecer como um louco de hospício, que é como ele foi considerado pelos seus contemporâneos. Num arroubo de entusiasmo que hoje pode parecer talvez precipitado, escrevi na época que a descoberta da obra de Qorpo-Santo 'torna parcialmente obsoletos todos os livros de história da dramaturgia brasileira'; mas a importância da descoberta não foi, desde então, obscurecida pelas dificuldades que os nossos diretores revelaram desde então em transformar os pesadelos de Qorpo-Santo em realizações cênicas à altura da originalidade dos textos".4
A partir desse momento as peças e poemas de Qorpo-Santo recebem diversas encenações, e o autor passa ser objeto de pesquisas acadêmicas. É o que garante a atualidade e reitera a importância no teatro brasileiro da obra "do louco manso do Guaíba".
Notas
1. Enciclopédia ou seis meses de uma enfermidade, vol. II, p. 16.
2. AGUIAR, Flávio. Os homens precários. Porto Alegre: IEL: DAC: SEC, 1975. p. 24.
3. GALVANI, Valter. Folha da Tarde, 27 ago. 1966.
4. MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p. 36.
Espetáculos 18
Mídias (1)
Fontes de pesquisa 5
- AGUIAR, Flávio. Os homens precários: inovação e convenção na dramaturgia de Qorpo-Santo, Porto Alegre: IEL/SEC, 1975.
- ANUÁRIO de teatro 1994. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1996. R792.0981 A636t 1994
- GALVANI, Valter. Noite de ontem passou a ser no teatro histórica: redescoberta de Qorpo-Santo. Folha da Tarde. 27/08/1966.
- MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
- SENA, Antônio Carlos. Entrevista ao jornal Palco & Platéia. Porto Alegre: SMC, 2004.
Como citar
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QORPO-SANTO.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa8151/qorpo-santo. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7