NeneSurreal
Texto
NeneSurreal (São Paulo, São Paulo, 1967). Artista visual, educadora social e estilista. Utiliza o graffiti como meio para discussão ampla a respeito do preconceito étnico-racial e de gênero, e atua também em questões sociais. O tema de seus trabalhos é a resistência contra a invisibilidade da mulher negra na sociedade.
Passa a morar em Diadema, município da grande São Paulo, aos 4 anos de idade. Aos 9, muda-se para Januária, cidade às margens do Rio São Francisco, em Minas Gerais, onde vive com a avó materna até os 12 anos, quando retorna para Diadema. Com ela, aprende variadas técnicas de artesanato como crochê, macramê, renda de bilro e confecção de bijuterias. O contato com a natureza e os ensinamentos que aprende – práticos e simbólicos – determinam a grande influência dessa vivência em sua prática artística e ativismo.
É com amigos do bairro, no início da adolescência, que descobre o que considera uma forma catártica de expressão: a pichação. O graffiti vem na sequência, mas é interrompido pela gravidez e pelo assassinato de seu marido, que lhe transfere a responsabilidade de sustentar sozinha sua filha. No campo das artes visuais, a falta de representatividade das mulheres negras da periferia traz a percepção de que não é possível viver de arte. Volta aos estudos para concluir a faculdade de enfermagem e atua profissionalmente na área da saúde como instrumentadora cirúrgica.
A pintura e o grafitti passam a ser atividades de lazer aos fins de semana, até sua filha se formar na faculdade e concluir uma pós-graduação. Com mais de 30 anos, Nene decide voltar a estudar e ingressa no curso de artes plásticas da Faculdade de Educação e Cultura Montessori e na Faculdade Paulista de Artes, com o objetivo de refinar sua técnica e seu estilo.
A possibilidade de uma carreira nas artes visuais vem com o graffiti, expressão vinculada ao movimento cultural hip-hop. A Casa do Hip-Hop (Centro Cultural Canhema), inaugurada em Diadema em 1999 e local de formação de novos talentos, é um marco importante no início de sua trajetória como grafiteira. O projeto, subsidiado pela prefeitura, é o primeiro do gênero no país e oferece uma série de atividades como debates, shows, apresentações de dança, exposições e oficinas gratuitas, além de batalhas de MCs.
Em sua produção, rostos de figuras femininas negras são recorrentes. Elas emergem de um fundo formado por linhas que também constroem seus amplos e crespos cabelos. A artista também utiliza fitas adesivas que preservam áreas sem cor durante o processo de pintura com spray. Ao final, a remoção das fitas evidencia uma geometria que atravessa as imagens multicoloridas, que podem ainda conter elementos como flores, coroas e adornos.
A música e a moda são outras expressões culturais que se interconectam à sua produção. Realiza uma intervenção usando spray sobre vestimentas em uma performance com graffiti. O resultado agrada, e NeneSurreal insere o graffiti em estamparias em suas criações de moda feminina, incluindo o público plus size, em marca que carrega seu nome.
Não só sua postura, mas seu discurso também é inclusivo. Em palestras e entrevistas subverte padrões normativos ao fazer substituições tácitas de palavras que indicam prestígio, mas que também marcam a ausência da mulher na linguagem, como “pretagonismo” e “femenagem” (em vez de protagonismo e homenagem).
Essa forma estratégica de ocupação dos espaços reflete sua militância pela presença e resistência de artistas negras na arte urbana. Apesar de muitas conquistas, na segunda década do século XXI a cena do graffiti em São Paulo ainda permanece majoritariamente branca, masculina e não periférica. A artista entende que, entre os objetivos de seu trabalho, a representação da luta feminina ocorre de uma maneira diferente, não necessariamente vinculada à beleza.
Em seu ativismo, faz constante referência às implicações de violência a que o corpo da mulher negra é submetido quando ocupa as ruas, e às disparidades entre gêneros na escolha de artistas em eventos de arte, hip-hop e ocupações de graffiti. As questões de ancestralidade e continuidade ressoam em sua produção na medida em que Nene se coloca como mais uma voz na luta para destacar e enaltecer a mulher negra e abrir espaço no graffiti para que outras consigam chegar.
Durante sessão solene na Câmara Municipal de São Paulo em 2016, NeneSurreal é a primeira mulher a receber o Prêmio Sabotage como melhor grafiteira. No mesmo ano, é entrevistada no documentário Mulheres Negras: Projetos de Mundo.
Comemora seu aniversário de 50 anos no Centro Educacional Unificado (CEU) Caminho do Mar, no evento 50 Traços de NeneSurreal (2017), com atividades como graffiti, batalha de rimas e conhecimentos, dança de rua, discotecagem e debates.
Participa da 4ª Bienal Internacional do Graffiti (2018), no Memorial da América Latina, em São Paulo. Realiza ainda diversas parcerias e participa de exposições por todo o Brasil. No Dia do Graffiti, no mesmo ano, é homenageada por seus trabalhos, sendo a terceira mulher e a segunda negra homenageada em 15 anos do evento.
A atuação persistente e resistente de NeneSurreal a inscreve como uma das pioneiras na cena do graffiti brasileiro. Sua luta pela valorização da mulher negra e da cultura de rua imprime sua história e presença nos muros da cidade e finca um espaço de continuidade para outras artistas.
Exposições 3
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6/10/2018 - 28/10/2018
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16/10/2021 - 12/12/2021
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6/5/2023 - 30/7/2023
Fontes de pesquisa 4
- FIGUEIREDO, Ana Luísa Silva. Mulheres no Graffiti: perspectivas da prática em contexto metropolitano. 2019. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2019. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/102/102132/tde-09092019-092839/publico/DissCorrigidaAnaLuisaSilvaFigueiredo.pdf. Acesso em: 25 nov. 2020.
- GIMENES, Miriam. O Som delas. Diário do Grande ABC, 26 maio 2019. Cultura & Lazer. Disponível em: https://www.dgabc.com.br/Noticia/3060430/o-som-delas. Acesso em: 20 nov. 2020.
- ITAÚ CULTURAL (org.). Além das ruas: histórias do graffiti. São Paulo: Itaú Cultural, 2023. 96 p. 1 publicação. Disponível em: https://issuu.com/itaucultural/docs/af_publicacao_alem_das_ruas_19.04.
- VIEIRA, Darlene Marina. Arte e Resistência: Mulheres Negras no Movimento Hip Hop do Grande ABC. 2019. (Trabalho de conclusão de curso para obtenção do título Especialista em Gestão de Projetos Culturais) – Escola de Comunicações e Artes – Centro de Estudos Latino-americanos Sobre Cultura e Comunicação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em: http://celacc.eca.usp.br/sites/default/files/media/tcc/artigo_versao_final_celacc_darlene_-_revisado_kessy.pdf. Acesso em: 25 nov. 2020.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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NENESURREAL.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa641380/nenesurreal. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7