Juliana dos Santos
Texto
Juliana Oliveira Gonçalves dos Santos (São Paulo, São Paulo, 1987). Artista visual, arte-educadora, pesquisadora. Tem a experimentação como campo fundamental em seu fazer estético, seja em seu diálogo com a dança e a música, na passagem pela criação híbrida em pintura, performance, vídeo, fotografia e instalação, ou no posicionamento pela defesa de que a arte realizada por negros pode tocar qualquer tema desejado e utilizar a técnica que quiser eleger.
Nasce no Parque Peruche, em São Paulo, onde tem contato com as escolas de samba da região e, através de seu pai, a dança se torna familiar e cotidiana. Começa a se interessar pelo desenho e é ensinada pelo tio. Sua mãe – artesã dedicada ao patchwork1 – a inscreve em classes de desenho aos seis anos. Aprende as cores com a avó paterna pintando panos de prato. Ingressa como bolsista em colégio com poucos estudantes negros. Destaca-se por suas habilidades artísticas e, durante o oitavo ano, é incentivada por uma professora a ser artista.
No Cursinho Popular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), faz seu primeiro contato com discussões étnico-raciais. Inicia a graduação em Artes Visuais na Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (UNESP) no campus de Bauru em 2008. Mais uma vez, é uma das poucas alunas negras e começa a questionar a abordagem eurocêntrica do ensino de artes.
Junto às artes visuais, passa pela criação em teatro, faz parte do Balé Folclórico de São Paulo-Abaçaí, no qual permanece profissionalmente por dois anos, e tem contato com a música ao participar de afoxés, tocando xequerê. Juliana dos Santos não vê separação entre as artes, buscando experimentar continuamente e alimentar suas práticas poéticas com as vivências do corpo e da música.
Em 2013, faz a primeira apresentação da performance Qual é o Pente? (2013-2015), que se torna vídeo em 2016. Nela, a artista convida sua avó materna para finalmente realizar o desejo de alisar o cabelo da neta. O instrumento utilizado é o pente-quente aquecido no fogão. A violência dessa técnica é contrastada com outro ensinamento da avó através da ação da artista de tratar os cabelos com chá de carqueja para que os fios cresçam fortes e volumosos, reafirmando a resistência contra a opressão.
Entre 2013 e 2015, trabalha como arte-educadora no Museu Afro Brasil (MAB), no qual aprofunda seus conhecimentos a respeito da história, cultura e arte afro-brasileira em contato com equipe interdisciplinar. Conclui a graduação e ingressa no mestrado em artes da UNESP com o interesse em discutir questões sobre um ensino de artes no qual não perdure a invisibilidade étnica e o racismo estrutural.
Nesse período, passa a trabalhar no Núcleo de Educação Étnico-racial da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, atuando junto às escolas na formação de professores e gestores e na dissolução de conflitos para a implementação da Lei nº 10.639/2003, que trata da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana em todos os níveis educacionais. Os trabalhos no MAB e na Secretaria de Educação são fundamentais nas reflexões levantadas na dissertação defendida em 2017.
Assim como na arte-educação, Juliana dos Santos afirma o estabelecimento de relações ao longo dos processos como parte fundamental de sua poética enquanto artista. Volta-se cada vez mais à investigação do azul, tomando a flor Clitória Ternátea como matéria principal. O vegetal aparece como imagem junto à fotografia de sua mãe construindo a casa da família na cianotipia2 Clitoria (2017) – obra premiada no 16º Salão Ubatuba de Artes Visuais. Posteriormente, propõe ao público a ingestão do azul extraído da planta em chá e tapioca na performance Comer e beber o azul (2018-2020). Nesses momentos, começa a receber relatos das experiências dos participantes, principalmente de pessoas pertencentes a grupos étnicos não-brancos.
Durante o início de sua trajetória internacional, ao expor em Viena em 2018, a artista é interpelada por curadores e instituições em constante demanda por sua narrativa enquanto mulher negra do sul periférico, ainda que deseje tratar também de outros temas e questões técnicas da arte – não interditados aos artistas brancos. A reflexão sobre esse embate amplia a investigação do azul como proposição de experiência sensível compartilhada e metáfora da vivência negra em um espaço de construção de imaginação.
A instalação Entre o Azul e o que não me deixo/deixam esquecer (2019) – individual apresentada no Paço das Artes – traz uma sala com panos caídos a partir do teto e que levam à perda de referência do espaço geométrico do cômodo. Com a entrada do visitante, a luz azulada é ativada junto à camada sonora da voz da artista relatando experiências azuis. Ambos se intensificam enquanto há exploração do espaço, buscando propiciar ao participante sua vivência particular do azul. Essa obra também é exposta na 12a Bienal do Mercosul, ampliando sua dimensão de encontro ao compartilhar a experiência com pessoas negras de Porto Alegre e ao coletar suas falas para o áudio da instalação.
Em 2019, ingressa no doutorado em artes da UNESP e, a partir de 2021, passa a ter obras no acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo (Pina_), do Museu da Língua Portuguesa e do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
Juliana dos Santos reconhece e afirma a importância do campo sensível das experiências negras para além das vivências de opressão. Ela forma um terreno comum para que o que se imagina crie possibilidades outras de estar no mundo cada vez mais potentes e vastas.
Notas
1. Técnica que consiste em unir retalhos de variados tecidos pela costura, formando diferentes combinações de cores e padronagens.
2. Cianotipia é uma técnica de fotografia analógica na qual a impressão da imagem se dá em tons de azul.
Exposições 10
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15/2/2020 - 20/3/2020
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1/5/2021 - 8/11/2021
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21/8/2022 - 30/1/2021
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19/3/2022 - 16/4/2022
Fontes de pesquisa 14
- BIENAL do Mercosul. Lista de artistas participantes da 12ª Bienal do Mercosul : Feminino(s). Visualidades, ações, afetos. Disponível em: http://www.fundacaobienal.art.br/bienal-12-artistas.
- EPISÓDIO 5: Juliana dos Santos. Série Enciclopédia Negra. São Paulo: Companhia das Letras: Preta Portê Filmes, 2022. (5 min 31 s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=w80Tfp4hHS4. Acesso em: 21 set. 2022.
- EXPOSIÇÃO itinerante em outdoor é exibida nas ruas de João Pessoa, a partir desta segunda-feira (12). Jornal da Paraíba, João Pessoa, 12 set. 2022. Disponível em: https://jornaldaparaiba.com.br/cultura/2022/09/12/exposicao-itinerante-em-outdoor-e-exibida-nas-ruas-de-joao-pessoa-a-partir-desta-segunda-feira-12. Acesso em: 21 set. 2022.
- JULIANA dos Santos. Prêmio PIPA, [Rio de Janeiro], 2022. Disponível em: https://www.premiopipa.com/juliana-dos-santos/. Acesso em: 21 set. 2022.
- LIVE #02 com Ana Lira, Juliana dos Santos e Fabiana Lopes. Porto Alegre: 12 Bienal do Mercosul, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QqyvXliPPW0. Acesso em: 21 set. 2022.
- PINACOTECA DO ESTADO. Enciclopédia Negra: de 01 mai a 08 nov. 2021. Pinacoteca do Estado, 2021. Disponível em: http://pinacoteca.org.br/programacao/enciclopedia-negra/. Acesso em: 28 set. 2021.
- PROJETO Afro. Juliana dos Santos. São Paulo. Disponível em: https://projetoafro.com/artista/juliana-dos-santos/. Acesso em: 21 set. 2022.
- SANTOS, Juliana Oliveira Gonçalves dos. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 29 mar. 2022. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/1359116017852423. Acesso em: 21 set. 2022.
- SANTOS, Juliana dos. A experiência da sensibilidade. [Entrevista cedida a] Marina Medef. Bubblegum Club, Joanesburgo, 2020. Disponível em: https://bubblegumclub.co.za/art/the-experience-of-sensitivity-in-the-works-of-artist-juliana-dos-santos/?language=portuguese. Acesso em: 21 set. 2022.
- SANTOS, Juliana dos. Entre o azul e o que não me deixo/deixam esquecer. [Entrevista cedida a] Claudinei Roberto. Paço das Artes, São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.pacodasartes.org.br/temporadas/525bf400-4b32-47b4-a90d-a969e97b5c2e/entre-o-azul-e-o-que-nao-me-deixodeixam-esquecer. Exposição realizada no período de 18 jun. a 18 ago. 2019. Acesso em: 21 set. 2022.
- SANTOS, Juliana dos. Historias afro-atlánticas. Terremoto, Cidade do México, 23 abr. 2018. Disponível em: https://terremoto.mx/revista/afro-atlantic-histories/. Acesso em: 21 set. 2022.
- SANTOS, Juliana dos. Juliana dos Santos: arte e representatividade. [Entrevista cedida a] Igor Simões. Encontros Vivo, São Paulo, 2021. (24 min 14 s). Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/arte-e-cultura/videos/juliana-dos-santos-arte-e-representatividade,9203907.html. Acesso em: 21 set. 2022.
- SANTOS, Juliana dos. LEI 10.639/2003: Revendo Paradigmas na Arte/Educação. 2017. 227 p. Dissertação (Mestrado em artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo, 2017.
- SANTOS, Juliana dos. “O saber ancestral que vem dos pés”. [Entrevista cedida a] Fabiana Lopes. Contemporary And America Latina, Berlim, 3 jul. 2018. Disponível em: https://amlatina.contemporaryand.com/pt/editorial/o-saber-ancestral-que-vem-dos-pes-juliana-dos-santos/. Acesso em: 21 set. 2022.
Como citar
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JULIANA dos Santos.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa640326/juliana-dos-santos. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7