Helza Camêu
Texto
Helza Camêu de Cordoville (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1903-1995). Compositora, pianista, professora e musicóloga. Inicia os estudos musicais aos 7 anos e, em 1919, torna-se aluna de Alberto Nepomuceno (1864-1920), no Instituto Nacional de Música (INM). Com a morte do mestre, termina sua formação com João Nunes (1877-1951). Em 1920, recebe a Medalha de Ouro nos exames finais do INM. Em 1922, torna-se professora auxiliar do Colégio SacréCœur. No ano seguinte, realiza seu primeiro recital de piano e dedica-se à composição. Tem aulas de harmonia com Agnelo França (1875-1964), contraponto e fuga com Francisco Braga (1868-1945), história da música com Octávio Bevilácqua (1887-1953), canto com Gabriel Dufriche, violoncelo com Newton Pádua (1894-1966), violino com Paula Ballariny e composição com Assis Republicano (1897-1960). É uma das primeiras alunas de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) no curso de Canto Orfeônico.
Em 1936, ingressa no Conservatório Brasileiro de Música, onde estuda composição com Oscar Lorenzo Fernandes (1897-1948). No mesmo ano, obtém o segundo prêmio no concurso do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo por seu Quarteto de Cordas Op. 12. Em 1943, é premiada no concurso promovido pela Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) por seu Poema Sinfônico Suplício de Felipe dos Santos. Entre 1948 e 1949, ministra palestras na Academia Brasileira de Imprensa e é eleita secretária do Departamento de Cultura, assumindo a direção musical. Entre 1949 e 1953, organiza o acervo sonoro da Seção de Estudo do Serviço de Proteção ao Índio, idealizado por Darcy Ribeiro (1922-1997). Ainda em 1949, torna-se membro do Conselho Deliberativo da Seção de Música Brasileira da Sociedade Internacional de Música Contemporânea.
Em 1954, leciona no Conservatório Mineiro de Música, em Belo Horizente, e, em 1955, ministra cursos na Associação dos Artistas Brasileiros, no Rio de Janeiro. Entre 1955 e 1973, atua como discotecária na Rádio MEC e integra a equipe de redação do programa Música e Músicos do Brasil, além de tornar-se comentarista do programa Concerto Clássico. Em 1962, integra a Divisão de Antropologia do Museu Nacional, catalogando e analisando os instrumentos musicais indígenas do acervo. Em 1977, publica o livro Introdução ao Estudo da Música Indígena Brasileira, pelo qual recebe o Prêmio Especial da Caixa Econômica Federal. É membro da Academia Brasileira de Música (ABM) e da Sociedade Brasileira de Musicologia.
Análise
Helza Camêu explora diversos ramos da atividade musical e é premiada em todos eles, mas o reconhecimento por seu trabalho é insuficiente. Começa a ser revalorizada por musicólogos que vêm editando, registrando e criando pesquisas acadêmicas a seu respeito. Iniciadora desse processo, a pesquisadora Luciana Dutra comenta: “O atual desconhecimento desta obra mostra-se incoerente, especialmente quando se verifica [...] o elevado grau de credibilidade que lhe conferiram alguns de seus pares [...]”1, afirmação comprovada pela indicação que recebe de Villa-Lobos2, Lorenzo Fernandez e Andrade Muricy (1895-1984) para ser eleita como membro fundador da Academia Brasileira de Música3.
O percurso profissional, no entanto, é tecido mais por desvios do que por oportunidades. Após receber a Medalha de Ouro do Instituto Nacional de Música, desiste de concorrer à bolsa de estudos no exterior concedida pela instituição, por ter seus pais doentes e ser a única sobrevivente entre sete irmãos4. A situação familiar e seu temperamento avesso a apresentações públicas levam-na a concentrar a carreira na composição. Após dois recitais com obras próprias (1934 e 1936), o prêmio paulista recebido em 1936 encoraja-a a compor para orquestra e conjuntos de câmara maiores. Em 1943, conquista o primeiro prêmio em concurso da Orquestra Sinfônica Brasileira. Três anos depois, o concerto do concurso é motivo de frustração: “Desta primeira audição, ficou-me a impressão de um vazio absoluto. Uma mistura incrível de estilo. Uma harmonização esquisita. Um plano esquemático inrreconhecível. Um diagrama tonal e formal que não pude definir se convencional ou inversossímel”5, diz Camêu. A direção da orquestra organizou a execução das obras na ordem inversa da premiação, apresentando a composição premiada em terceiro lugar. Além disso, com poucos ensaios, a peça é mal executada e torna-se incompreensível para os ouvintes e deturpada para a autora. “Incrível! Ao que parece [...], a direção da OSB quis demonstrar o engano do júri que classificou as referidas obras e se propôs a apresentá-las na ordem que realmente mereciam [...]. Uma obra nova, principlamene quando é ouvida pela primeira vez, merece ser tratada com respeito a que faz jus a pessoa que a produz”, lamenta a crítica de um jornal da época6. Depois dessa decepção, a produção de Camêu cai drasticamente7 e, a partir do final dos anos 1940, ela se dedica à musicologia.
Retoma os estudos sobre música indígena no Museu Nacional e acumula experiências profissionais no Serviço de Proteção ao Índio, escrevendo artigos, finalizando um livro (1972) e organizando uma exposição (1979) a respeito desse tema. Em 1972, um ano antes da aposentadoria, ajuda a estruturar o curso superior da Faculdade de Música do Instituto Música, em São Paulo.
A importância de sua obra etnomusicológica e de seu livro deve-se à originalidade de abordagem: para Camêu, a cultura indígena deve ser estudada a partir de seus valores intrínsecos, e não do olhar ocidental. Esteticamente, apesar de defender a música nacional, não adere a nenhuma corrente. Sua música explora diretrizes nacionalistas e técnicas internacionais. O Quarteto de Cordas Op. 12 traz melodias de caráter nacionalista, o Crepúsculo de Outono lida com influências impressionistas8 e o Opus 24 utiliza um material que tende ao atonal e ao politonal9. Sua produção composicional pode ser dividida, segundo Dutra10, em duas fases: uma que se inicia em 1928, de caráter nacionalista com influências impressionistas, e outra que começa em 1958, na qual desenvolve uma linguagem pessoal e moderna, e conta com cerca de 90 peças para canto e piano (e canto e orquestra), 30 harmonizações de cantos populares, 40 peças para piano, 12 peças para violino, peças para viola, violoncelo, contrabaixo, órgão, flauta, fagote, clarineta e coro, além de suítes para cordas, quinteto de sopros, uma cantata e quatro “quadros” sinfônicos.
Notas:
1. DUTRA, Luciana Monteiro de Castro Silva. Crepúsculo de Outono op.25 n. 2 para Canto e Piano de Helza Camêu: aspectos analíticos, interpretativos e biografia da compositora. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001. p. 1-2.
2. Com quem Camêu trabalha no curso para professores de Canto Orfeônico nos anos 1930.
3. Uma das três pessoas eleita por unanimidade, dentre os 46 membros fundadores da Academia.
4. Helza Camêu. Depoimento à posteridade, [s.p.].
5. VASCONSCELLOS DE CARVALHO, Dalila. Renome, Vocação e Gênero: duas musicistas brasileiras. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. p. 122.
6. Ibid., p. 121.
7. Sua obra cai em esquecimento até os anos 1960, quando recebe homenagens em forma de concertos, programas de rádio e gravação de sua peça Cidade Nova.
8. Influência admitida pela compositora no artigo “Influência de Debussy na pianística brasileira” (1962).
9. Em matéria publicada no Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, em 20 novembro de 1943. CASTRO, Luciana Monteiro de. Uma investigação analítico-interpretativa sobre a canção Crepúsculo de Outono de Helza Camêu. Per Musi, Belo Horizonte, v. 4, 2001, p. 6.
10. DUTRA, Luciana Monteiro de Castro Silva. Crepúsculo de Outono op.25 n. 2 para Canto e Piano de Helza Camêu: aspectos analíticos, interpretativos e biografia da compositora. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 28
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- DUTRA, Luciana Monteiro de Castro Silva. Crepúsculo de Outono op.25 n. 2 para Canto e Piano de Helza Camêu: aspectos analíticos, interpretativos e biografia da compositora. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001.
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