Alberto Nepomuceno
Texto
Biografia
Alberto Nepomuceno (Fortaleza, CE, 1864 - Rio de Janeiro, RJ, 1920). Compositor, pianista, organista, professor. Aos oito anos, muda-se com a família para o Recife e tem as primeiras lições de violino e piano com o pai, Victor Nepomuceno, violinista e ex-organista da catedral de Fortaleza. Prossegue os estudos com o maestro Euclides Fonseca, diretor de concerto do Clube Carlos Gomes, cargo assumido por Alberto Nepomuceno em 1882. Dois anos mais tarde, retorna a Fortaleza. Integrante de uma sociedade abolicionista, tem seu pedido de bolsa para estudar na Europa negado pelo governo do Ceará. Em 1885, parte para o Rio de Janeiro, onde dá aulas de piano e toca em saraus para sobreviver. Faz a primeira apresentação como pianista no Clube Beethoven1 e passa a lecionar piano nessa sociedade no ano seguinte. Torna-se amigo do escultor Rodolfo Bernardelli e do violoncelista Francisco Nascimento, que, em 1887, o acompanha numa série de recitais pelo Nordeste do Brasil. Datam desse ano suas primeiras composições, entre elas Mazurca, para violoncelo e piano; Prece, para orquestra; e Dança de Negros, para piano.
A renda obtida na turnê pelo Nordeste, somada à ajuda financeira da família Bernardelli, custeia sua viagem à Europa, em 1888. Na Accademia Nazionale di Santa Cecilia [Academia Santa Cecília], em Roma, estuda harmonia, com Eugenio Terziani e Cesare de Sanctis, e piano, com Giovanni Sgambati. Em 1890, conquista o terceiro lugar no concurso para a escolha do Hino à Proclamação da República. O prêmio (200 mil-réis mensais, durante quatro anos) permite-lhe fixar-se em Berlim e estudar composição na Escola Superior de Música, de 1890 a 1892, e órgão, composição e piano no Conservatório Stern, entre 1892 e 1894. Nas férias, tem aulas de alta interpretação pianística com Theodor Lechetitzki, em Viena. Lá conhece a pianista norueguesa Walborg Bang, com quem se casa, em 1893. Segue para a Noruega e se hospeda na casa do compositor Edvard Grieg. Rege a Filarmônica de Berlim nas provas finais do conservatório, em 1894, executando Scherzo e Suíte Antiga, de sua autoria. Em Paris, tem aulas com o organista Alexandre Guilmant, de 1894 a 1895, e assiste à estreia mundial do Prélude à l'Après-Midi d'un Faune, de Claude Debussy. Apresenta essa peça em primeira audição no Brasil, em 1908.
De volta ao Rio, em 1895, torna-se professor de órgão do Instituto Nacional de Música (INM), e realiza um recital de canções suas em português. Passa a lutar pela nacionalização da música brasileira por meio do idioma, polemizando com o crítico Oscar Guanabarino - defensor do canto em italiano. Nepomuceno assume a direção da Associação de Concertos Populares em 1896 e promove recitais com repertórios europeu e brasileiro. Em 1897, estreia várias de suas composições sinfônicas, entre elas a Sinfonia em Sol Menor, As Uiaras (coro feminino e orquestra) e a Série Brasileira, de clara orientação nacionalista. No ano seguinte, rege a Missa Festiva, do padre José Mauricio Nunes Garcia, compositor cuja obra ajuda a restaurar. Entre 1902 e 1903, torna-se diretor do INM, cargo que retoma em 1906 e exerce até 1916. Promove no INM o primeiro concerto de violão de Catulo da Paixão Cearense, em 1908, e causa grande polêmica.
Em 1913, sua ópera Abul, de 1905, estreia em Buenos Aires, segue para Montevidéu, Rio de Janeiro e São Paulo, e é executada em Roma, em 1915. É um dos primeiros a divulgar a obra de Heitor Villa-Lobos, incluindo-a nos concertos no Theatro Municipal, em 1917, além de promover suas primeiras edições. Em setembro de 1920, semanas antes da morte de Nepomuceno, Richard Strauss (1864-1949) rege no Theatro Municipal do Rio de Janeiro o prelúdio da ópera O Garatuja, de 1904 - baseada em romance de José de Alencar -, que o compositor brasileiro não chega a concluir.
Comentário Crítico
Conhecido como "precursor do nacionalismo", Alberto Nepomuceno é lembrado na historiografia musical como um dos primeiros compositores a empregar ritmos, gêneros e temas "caracteristicamente brasileiros", ao lado do paulista Alexandre Levy e do paranaense Itiberê da Cunha. Embora use recursos oriundos das músicas francesa e alemã, sobretudo no tocante à forma e harmonia, Nepomuceno procura mimetizar em algumas obras certo "sotaque brasileiro", apropriando-se particularmente da música popular, tanto urbana quanto folclórica. Sua Galhofeira, para piano solo, 1894, por exemplo, é um maxixe. Já a Série Brasileira, de 1897, considerada por alguns como o marco inicial do nacionalismo, mescla temas folclóricos, gêneros urbanos cariocas, melódica nordestina e ritmos afro-brasileiros. Dividida em quatro partes - Alvorada na Serra, Intermédio, Sesta na Rede e Batuque, a mais famosa, um reaproveitamento da Dança de Negros - a Série desagrada à crítica mais ortodoxa da época, escandalizada com a presença de um reco-reco na última delas.
Embora se baseie numa escuta relativamente intuitiva das sonoridades então presentes na sociedade brasileira, Nepomuceno é um dos pioneiros na valorização do estudo sistemático da música popular. Onze anos antes da publicação do Ensaio sobre a Música Brasileira, de Mário de Andrade, em 1928, ele destaca a importância da pesquisa de campo e do estudo analítico das peças coletadas. Em depoimento à revista Época Teatral, em 1917, lamenta que a parte musical dos estudos folclóricos seja muito superficial, talvez por desconhecimento técnico dos pesquisadores. Afirma ainda possuir cerca de "oitenta cantos populares e danças", recolhidos em diversas regiões do Brasil, que tem "estudado e classificado". Desse trabalho, extrai algumas recorrências harmônico-melódicas da música brasileira, que são empregadas em suas composições. É o caso do sétimo grau abaixado, bastante comum na música popular nordestina, mas notado pela primeira vez na música erudita na citada Sesta na Rede; ou o quarto grau aumentado (trítono), utilizado na construção melódica do ciclo Le Miracle de la Semence, de 1917, e da canção A Jangada, de 1920.
Para alguns autores, porém, a principal contribuição de Nepomuceno é a criação de uma canção baseada no idioma falado e cantado no Brasil, mais do que no folclore. Isso diferencia "seu" nacionalismo daquele surgido nos anos 1920, que tem em Mário de Andrade o principal teórico. Com efeito, depois da Série Brasileira, Nepomuceno não volta a usar elementos folclóricos de maneira tão explícita. Em vez disso, procura fundir, em suas obras, a musicalidade do idioma com elementos da vanguarda francesa e do nacionalismo europeu. Desse modo, reproduz no Brasil o processo que teria originado o lied2 romântico na Alemanha. Em A Jangada, por exemplo, emprega o recurso - muito comum em Schubert - de sugerir uma "paisagem" no acompanhamento pianístico, mimetizando o movimento da embarcação na água do mar. A relação entre melodia e letra se explicita na cuidadosa adequação entre a prosódia brasileira e a melodia das canções, mesmo quando elas têm um quê inegavelmente alemão.
Vários estudiosos destacam a modernidade da obra de Nepomuceno, só recentemente admitida pela historiografia. Considerado, em vida, um compositor moderno, é esquecido após a morte, solapado pelo modernismo nacionalista iniciado com a Semana de Arte de 1922, que o julga romântico e passadista, relegando sua importância à de mero "precursor". Por um lado, essa interpretação nega a especificidade do nacionalismo nepomuceniano, que muito pouco se parece com aquele dos anos 1920. Por outro, ignora-se que é ele o responsável pela introdução, na música brasileira, de alguns dos mais modernos recursos técnicos então existentes na Europa. A escala de tons inteiros, utilizada por Debussy pela primeira vez no Prélude à l'Après-Midi d'un Faune, de 1894, é empregada por ele, cinco anos mais tarde, na canção Oração ao Diabo, 1899, bem como na ópera Abul, 1905, no Trio, 1916, em fá sustenido menor, e na cantata O Milagre da Semente, 1916-1917.
Um outro recurso característico da vanguarda europeia da virada do século, a harmonia suspensa,3 é perceptível nas canções Oraison, 1894, que se inicia com um acorde de nona seguido de dois acordes aumentados, criando um efeito de ambiguidade harmônica, e Einklang, 1894, que parece escrita em lá menor, embora esse acorde não seja usado em posição fundamental em nenhum momento da peça, que termina em mi maior. Nepomuceno é também o primeiro compositor brasileiro a fazer uso da bitonalidade,4 em Variações sobre um Tema Original, de 1902. Ele é responsável pela primeira execução, em 1908, de peças de autores contemporâneos europeus,especialmente franceses e russos, como Claude Debussy, Paul Dukas, Nikolai Rimsky-Korsakov e outros. Mais um dado biográfico que reforça sua proximidade com a música moderna europeia é o projeto, iniciado em 1916, de tradução do Tratado de Harmonia, de Arnold Schoenberg, que Nepomuceno tenta, sem sucesso, introduzir no programa do INM.
Além das canções, Nepomuceno produz importantes composições pianísticas e de câmara. Seus quatro Quartetos são considerados o ponto alto de sua obra, ao lado das Variações para Piano.
Notas
1 Inaugurado em 1882, em uma casa no bairro do Catete, o Clube Beethoven abriga saraus íntimos com grandes nomes da literatura e da música erudita do Rio de Janeiro, entre os quais figuram o escritor Machado de Assis e o editor Artur Napoleão.
2 Lied: canção romântica alemã, para voz e piano, composta sobre poema estrófico. Inspira-se na música popular e se caracteriza pela união expressiva entre melodia e letra, bem como pelo equilíbrio e complementaridade entre voz e piano. Tem em Schubert e Schumann seus principais expoentes.
3 Harmonia suspensa: recurso composicional que consiste em "disfarçar" ou tornar ambígua a tonalidade da peça, por meio da não utilização de cadências (movimentos de tensão e resolução que reforçam a existência de um centro tonal, indicado no repouso) e da sobreposição de acordes "errantes" (acordes tensos que podem se resolver em diferentes direções).
4 Bitonalidade: sobreposição de suas tonalidades (no caso das Variações, ela se nota no uso simultâneo das tonalidades de fá maior e menor).
Obras 31
Espetáculos de dança 1
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 7
- CACCIATORE, Olga. Dicionário biográfico de música erudita brasileira. Rio: Forense Universitária, 2005, p. 300-3.
- CORREA, Ségio Alvim. Alberto Nepomuceno: catálogo geral. Rio de Janeiro: Funarte, 1996.
- GOLDBERG, Luiz Guilherme. Uma garatuja entre o Wotan e o Fauno: Alberto Nepomuceno e o modernismo musical no Brasil. Tese de Doutorado. Porto Alegre: IA-UFRGS, 2007.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
- PEREIRA, Avelino Romero. Música, sociedade e política: Alberto Nepomuceno e a república musical. Rio de Janeiro, Ed. da UFRJ, 2007.
- PIGNATARI, Dante. Canto da língua: Alberto Nepomuceno e a criação da canção brasileira. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH-USP, 2009.
- SOUZA, Rodolfo Coelho de. "Aspectos da modernidade na música de Nepomuceno relacionado ao projeto de tradução do Harmonielehre de Schoenberg". In: Em Pauta. Porto Alegre, v. 17, n. 29, jul.-dez. 2006, p. 63-81.
Como citar
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ALBERTO Nepomuceno.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa357267/alberto-nepomuceno. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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