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Enciclopédia Itaú Cultural
Teatro

Zé Lopes

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 23.02.2024
1950 Brasil / Pernambuco / Glória do Goitá
2020 Brasil / Pernambuco / Glória do Goitá
​​José Lopes da Silva Filho (Glória do Goitá, Pernambuco, 1950 – idem, 2020). Mamulengueiro, bonequeiro. O trabalho do artista se caracteriza por ser um brinquedo no qual os bonecos são confeccionados pelo próprio mestre. A capacidade de integrar inovações ao repertório tradicional dos personagens e passagens do mamulengo1 é outro aspecto que se...

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​​José Lopes da Silva Filho (Glória do Goitá, Pernambuco, 1950 – idem, 2020). Mamulengueiro, bonequeiro. O trabalho do artista se caracteriza por ser um brinquedo no qual os bonecos são confeccionados pelo próprio mestre. A capacidade de integrar inovações ao repertório tradicional dos personagens e passagens do mamulengo1 é outro aspecto que se destaca na sua produção.

Nascido no sítio Cortesia, na cidade de Glória do Goitá, na Zona da Mata pernambucana, tem o primeiro contato com o mamulengo aos 10 anos de idade, ajudando a mãe a vender bolo para o público da brincadeira. Em 1962, aos 12 anos, já criava bonecos, observando os mamulengueiros da região. Ainda em 1962, passa a integrar o grupo Mamulengo São José, com o qual atua por dois anos, antes de se mudar para o Recife, onde trabalha numa serraria. Em 1971 se transfere para São Paulo, exerce várias profissões, mas procura manter vivo o hábito de contar histórias do mamulengo e criar bonecos. Quando retorna a Pernambuco, em 1982, encontra o mamulengo esquecido pelos brincantes2. Empenhado em retomar seu brinquedo, reúne um grupo que passa a se chamar Mamulengo Teatro Riso.

O mestre do mamulengo, usualmente, além de ser dono dos bonecos é também quem os manuseia, comandando a brincadeira com um apito. Para se tornar um mestre é preciso um longo processo de aprendizado, acompanhando outros mestres, aprendendo a manipular os bonecos e contar suas histórias com as vozes, cantos e improvisos característicos. Aprende a arte do teatro de bonecos neste mesmo sistema, mas é com Zé de Vina (1940-2021) que estabelece uma relação de aprendiz.

Mestre que se distingue por criar seus próprios bonecos, Zé Lopes se inspira em conhecidos para definir a fisionomia de suas criações, embora quase todas resultem em personagens característicos do mamulengo. Quanto à estrutura, os bonecos podem ser de luva, os mais simples, ou articulados, movimentando olhos, maxilar e língua por meio de mecanismos criados pelo bonequeiro. Feitos a partir de uma madeira conhecida por mulungu (Erythrina), os bonecos têm cabeça e membros desse material e o corpo de trapos de pano. A madeira é trabalhada com machadinha, lixas e facas bem afiadas, colorida com tinta de parede e envernizada. Os cabelos dos bonecos são feitos de crina de cavalos e de jumentos. Adereços como óculos, chapéus e colares arrematam o perfil de cada boneco de acordo com o personagem.

O objetivo é criar bonecos feios, que acentuam o aspecto cômico do mamulengo e, para isso, deforma ou acentua partes do rosto ao esculpir. Apenas determinadas personagens femininas são esculpidas com bela fisionomia e formas exuberantes, para atender ao tipo que representam.

Consciente das distinções entre o mamulengo tradicional, aprendido com os mestres, e as invenções que acrescenta às apresentações, o mamulengueiro inclui brincadeiras de palhaço e referências da vida contemporânea às passagens do mamulengo, experimenta novas técnicas de mobilidade, como as marionetes de fio, e incorpora soluções observadas no teatro de bonecos de outras culturas. A postura criativa e inovadora do artista, no entanto, encontra resistência entre alguns pesquisadores de mamulengo que a consideram descaracterizadora da tradição.

Entre as invenções de Mestre Zé Lopes está a casa de farinha, apresentada na exposição Teatro do Riso – Mamulengos do Mestre Zé Lopes, em 1998, na Sala do Artista Popular no Museu do Folclore, Rio de Janeiro. Reproduzindo o espaço onde se produz a farinha de mandioca, com animais transportando cestos e pessoas descascando raízes ou preparando a moenda, a peça apresenta bonecos com mecanismos articulados que, acionados por uma manivela, conferem movimento às diversas atividades da cena. Outra invenção, posteriormente adotada pela grande maioria dos mamulengueiros da Zona da Mata, foi a empanada3 articulada, que facilita o transporte e diminui o tempo de montagem da barraca.

Com uma postura que se assemelha a de um produtor, estabelece uma rede de contatos de trabalho sólida. Assim, consegue se manter financeiramente como artista, vivendo apenas do mamulengo, por meio das apresentações, vendas de bonecos e oficinas. Atento à função pedagógica que o teatro de bonecos pode adotar, o artista entende o mamulengo como um veículo de comunicação com crianças e adolescentes, procurando investir na formação de novos bonequeiros e mestres.

Foi significativo o encontro com a pesquisadora e professora Adriana Schneider Alcure (1973), que colaborou com a viagem de Zé Lopes ao Rio de Janeiro, em 1998, e promoveu o contato do artista com o Museu do Folclore Edison Carneiro. Observando a reação do público no Rio de Janeiro, o artista realiza mudanças nas apresentações do mamulengo – cuja temática, em geral, trata de assuntos ligados a dinheiro, briga e sexo –, procurando adaptar o espetáculo ao perfil das diferentes plateias.

Formado por meio da transmissão dos saberes tradicionais entre gerações, Zé Lopes é um artista que mescla esse conhecimento a uma capacidade criativa singular, por meio da qual propõe inovações ao brinquedo do mamulengo em seus mais variados aspectos. Seja como mamulengueiro, seja como bonequeiro, marca a história dessa expressão artística, tensionando os debates sobre a tradição na chamada arte popular brasileira, com um trabalho que coloca em questão os limites das categorias estabelecidas pelos pesquisadores.

Notas

1. Mamulengueiro é aquele que apresenta o teatro de mamulengos, bonecos feitos pelo bonequeiro. A atividade de apresentar o mamulengo é chamada de brinquedo e é comandada pelo mestre, que improvisa a partir das passagens, ou seja, a partir das histórias do mamulengo. O mamulengo, que de modo simplificado pode ser descrito como um teatro itinerante de bonecos característico da Zona da Mata pernambucana, é uma manifestação artística que surge como diversão dos moradores locais de uma região marcada pelo cultivo da cana de açúcar e pelo ambiente sociocultural que a cerca. Supõe-se que o teatro de bonecos tenha chegado à região com os portugueses, no século XVI, quando é utilizado como meio de catequese indígena. Com o passar do tempo, no entanto, incorpora situações cotidianas, adquirindo o aspecto profano pelo qual é conhecido atualmente. O nome mamulengo é uma decorrência da palavra molengo, que significa de consistência mole, fazendo alusão ao movimento do corpo dos bonecos.

2. Brincante é todo aquele que participa da apresentação do mamulengo. O vocábulo é também usado em outras manifestações da cultura não erudita como cavalo-marinho e bumba-meu-boi.

3. Empanada é o nome que se dá à barraca do mamulengo.

Espetáculos 1

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Fontes de pesquisa 4

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  • ALCURE, Adriana Schneider. "A Zona da Mata é rica de cana e brincadeira": uma etnografia do mamulengo. 2007. Tese (Doutorado em Ciências Humanas). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
  • ALCURE, Adriana Schneider. Mamulengos dos mestres Zé Lopes e Zé de Vina: etnografia e estudo de personagens. 2001. Dissertação (Mestrado em Teatro). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.
  • Programa do espetáculo Estada, 2006. Não catalogado
  • SUASSUNA, Marina. Mamulengueiro Zé Lopes é o patrimônio vivo de Pernambuco. Cultura.PE: o portal da cultura pernambucana, Recife, 16 jan. 2017. Cultura Popular e Artesanato. Disponível em: http://www.cultura.pe.gov.br/canal/culturapopular/mamulengueiro-ze-lopes-e-patrimonio-vivo-de-pernambuco/. Acesso em: 7 nov. 2021.

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