Elomar

Cantoria - Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai, 1984
Elomar, Geraldo Azevedo, Xangai
Texto
Elomar Figueira Mello (Vitória da Conquista, Bahia, 1937). Compositor, violonista e cantor. Destaca-se pelas criações artísticas singulares, nas quais reinventa a linguagem, e por tecer fusões entre a música erudita e a popular.
Nasce na cidade baiana de Vitória da Conquista. A família de fazendeiros vive na zona rural, onde se educa e tem os primeiros contatos com a música em cultos religiosos e serestas de cantadores, violeiros e repentistas. Ainda garoto aprende a tocar viola e violão, sem aprovação familiar.
Em 1954 muda-se para Salvador para estudar e compõe algumas canções. Cinco anos mais tarde, ingressa no curso de arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Conclui o curso em 1964 e retorna à Vitória da Conquista; vive da arquitetura, mas mantém paralelamente a carreira como artista. Grava de modo independente o primeiro compacto em 1968 e, no ano seguinte, conclui a escrita da primeira ópera, "Auto da Catingueira". No final da década, frequenta a Escola de Música da UFBA, mas não conclui o curso.
Em 1972 grava seu primeiro LP, Das barrancas do rio Gavião. Em 1978 registra o segundo disco nos estúdios da UFBA, Nas quadradas das águas perdidas. A partir de então sua vida artística se estabelece e realiza apresentações pelo país.
Trata-se de um compositor cuja formação cultural e musical e seus vínculos com múltiplas experiências e tradições musicais, tanto regional e rural, o colocam numa encruzilhada de onde partem e convergem inúmeros caminhos e alternativas. Sua proposta poética, por exemplo, revela e faz referências permanentes a valores artísticos fundados nas tradições europeias, sobretudo, as medievais e ibéricas, assim como ao universo judaico e cristão. Surgem assim em seus poemas cavaleiros, nobres intrépidos, donzelas, princesas, menestréis, castelos, corcéis, cristãos, judeus e valores como honra, coragem e amor. Para narrar esse imenso universo, o compositor utiliza formas clássicas da cultura erudita, como o romance, épicos, autos e antífonas. No entanto, todo esse mundo é filtrado e recriado pelo imaginário rural do sertanejo nordestino. A cultura oral e popular se impõe para contar as histórias do povo humilde do sertão, com seus animais e sua natureza, mas com diversas citações medievais, clássicas e ibéricas. O discurso épico e universal se constitui para contar as pequenas histórias particulares do mundo sertanejo. Assim o cavaleiro intrépido em seu corcel pode ressurgir no Tuin da Lagoa Preta, no Quilimerô, a rainha em "Dona Izabel" e a donzela podem ser "Tiadora", a "Naninha" ou a "Joana Flor das Alagoas" entre tantos outros personagens locais e regionais. Sua narrativa procura mostrar o povo do sertão como "um forte", um lutador que constrói obras culturais e "um mundo maravilhoso".
Para concretizar essa fusão, Elomar opera evidente transformação na linguagem. Ela se apresenta recheada de arcaísmos, como o latim, com variantes dialetais e neologismos, criando um dialeto fundado na oralidade sertaneja, à semelhança de Guimarães Rosa (1908-1967). Porém esse mundo e seu "dialeto catingueiro" ou "sertanês" tão singular não é simples de penetrar. Para compreender integralmente aquilo que se diz e se escreve, é preciso recorrer muitas vezes a um glossário, como, por exemplo, o do disco Nas quadradas das águas perdidas (1978).
Do ponto de vista musical, as fusões entre música erudita e popular também são evidentes. O artista cria seu próprio projeto armorial, cujo instrumento central é o violão, que não assume a postura comum de apenas acompanhar a harmonia para o canto. Uma das características de sua obra é o fato de ele seguir a mesma linha melódica do canto ou apresentar pequenas variações dela em contraponto com a voz. Desse modo, Elomar realiza a difícil tarefa de ser simultaneamente solista instrumental e intérprete. Certamente a formação musical clássica do artista contribui para a condição solista central do violão e a utilização de timbres e encadeamentos harmônicos típicos desse universo sonoro. Nesse caso, sua sonoridade mais uma vez apresenta recordações da cultura ibérica, cuja tradição violonística peculiar é bastante conhecida. Acontece que essa formação e as informações originárias da música erudita se misturam com várias tradições musicais populares regionais, como a dos violeiros, cantadores e repentistas e daquelas presentes em festas religiosas. Mas aparecem também elementos da música urbana, como as serestas, valsas, modinhas e batuques. Isso tudo cantado no dialeto sertanês, tornando sua obra bastante complexa.
Nos anos 1980 abandona a arquitetura para se dedicar exclusivamente à música, período em que o artista produz bastante. De temperamento recluso, retorna à vida no sertão e grava Árias sertânicas (1994) e Cantoria 3 (1994), ainda preocupado em compor, registrar e divulgar suas obras.
Em 2007, funda a Casa dos Carneiros com objetivo de organizar e divulgar sua obra fora do circuito da indústria da cultura e apresentar seu projeto cultural. Em 2008, lança Elomar: Cancioneiro, publicação com transcrição das partituras do compositor.
Por fim, todo projeto cultural do autor serve para revelar suas insatisfações com a modernidade. A criação desse universo tão específico, repleto de conflitos, pretende opor o mundo rural ao urbano, com prevalência do primeiro. Isso significa a preferência pela tradição e a recusa das rupturas incessantes e degenerativas da modernidade.
Priorizando a tradição e criando um universo imaginário singular do Nordeste, Elomar cria canções que se assemelham à literatura de importantes nomes como Guimarães Rosa, mesclando realidade e ficção na música brasileira.
Obras 16
Espetáculos 5
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22/3/1999 - 23/3/1999
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30/3/1999 - 9/4/1999
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Exposições 1
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18/7/2015 - 23/8/2015
Mídias (5)
Links relacionados 2
Fontes de pesquisa 6
- BONAZZA, Alessandra. Das visage e das latumia de Elomar Figueira Mello. 2006. 124 f. Dissertação (Mestrado em Literatura Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), 2006.
- FERREIRA, Jerusa Pires, Encontrando as Cartas Catingueiras. In: MATTOS, Claudia et alli. (orgs.). Encontro da Palavra Cantada. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001.
- GUERREIRO, Simone. Os múltiplos de um artista antimoderno: Elomar, príncipe da caatinga. XI Congresso Internacional da ABRALIC Tessituras, Interações, Convergências. USP, São Paulo, 2008.
- MELLO, João Omar de Carvalho. Variações motívicas como princípio formativo: uma abordagem fraseológica sobre a obra Dança de Ferrão, para violão, flauta e pequena orquestra, do compositor Elomar Ferreira Mello. 2002. Dissertação (Mestrado em Música) Universidade Federal da Bahia (UFBA), 2002.
- Programa do Espetáculo - Divinas Palavras - 1999. Não Catalogado
- SCHOUTEN, Andre Kees de Moraes. Peregrinos do sertão profundo: uma etnografia da música de Elomar Figueira Mello. 2005. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), 2005. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-22032007-170816/. Acesso em: 15 outubro 2011.
Como citar
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ELOMAR.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa560680/elomar. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7