Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Willy Corrêa de Oliveira

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 28.07.2021
11.02.1938 Brasil / Pernambuco / Recife
Willy Corrêa de Oliveira (Recife PE 1938). Compositor, professor, pianista. Na cidade natal, tem aulas particulares de piano e já, no início da adolescência, compõe pequenas peças para o instrumento, como Noite de Vigília (1951/1952), inspirada na Sonata ao Luar, de Beethoven, e no folclore nordestino. Autodidata, estuda harmonia e composição. M...

Texto

Abrir módulo

Biografia

Willy Corrêa de Oliveira (Recife PE 1938). Compositor, professor, pianista. Na cidade natal, tem aulas particulares de piano e já, no início da adolescência, compõe pequenas peças para o instrumento, como Noite de Vigília (1951/1952), inspirada na Sonata ao Luar, de Beethoven, e no folclore nordestino. Autodidata, estuda harmonia e composição. Muda-se com a família para o Rio de Janeiro, e compõe Salutaris, a primeira peça que considera "digna desse nome".1 Vai para Santos, São Paulo, em 1958, aproxima-se do compositor Gilberto Mendes e dos poetas concretistas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Entre 1960 e 1962, tem aulas com o regente e compositor Georges Olivier Toni, que o introduz nas técnicas composicionais serialistas. Em 1962, é bolsista dos cursos de férias para novos músicos de Darmstadt, na Alemanha, onde trava contato com a música eletrônica, e tem aulas com o alemão Karlheinz Stockhausen e o francês Pierre Boulez. Ainda na Europa, estuda música eletrônica na Karlsruhe Hochschule für Musik [Escola Superior de Música de Karlsruhe], na Alemanha (antiga RFA), além de frequentar a Office de Radiodiffusion-Télévision Française [Organização da Radiodifusão-Televisão Francesa] (ORTF)2 de Paris e o laboratório de estudos eletroacústicos da Philips, em Eindhoven, Holanda. De volta ao Brasil, em 1962, cria com Gilberto Mendes o Festival Música Nova,3 a fim de divulgar a música contemporânea produzida no país e no mundo. No ano seguinte, participa novamente do curso de Darmstadt, e tem o primeiro contato com o belga Henri Pousseur – que exerce grande influência em sua obra – e o italiano Luciano Berio.

Em 1963, com outros brasileiros que também haviam frequentado Darmstadt – como Gilberto Mendes, Damiano Cozzella, Rogério Duprat e Julio Medaglia –, assina o documento conhecido como Manifesto Música Nova,4 que marca o início da chamada vanguarda musical brasileira. Nas décadas de 1960 e 1970, participa de diversos festivais, como o Música Nova, a Semana de Música de Vanguarda e a Bienal Internacional de Música Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). Cria trilhas para documentários, filmes publicitários e peças teatrais, como Morte e Vida Severina (1960), de João Cabral de Melo Neto, direção de Clemente Portella, e A Filha de Rappaccini (1964). Também colabora em diversas revistas e jornais.

Desenvolve importante carreira acadêmica, integrando o corpo docente do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da USP na década de 1970. Aposenta-se em 2003, mas segue dando aulas particulares.

Nos anos 1980, atingido por profunda crise pessoal, abandona a composição de vanguarda e se engaja na luta contra a ditadura e na militância socialista. Nessa época, compõe hinos (da reforma agrária, dos sem terra, dos grevistas), canções de luta e músicas utilitárias para os eventos das Comunidades Eclesiais de Base. Só volta a compor obras eruditas após a Queda do Muro de Berlim, em 1989, mas sem intenção de exibi-las. Algumas das composições feitas entre 1989 e 2004, junto com peças anteriores a 1980, são editadas em partituras e gravadas em dois CDs pelo Núcleo Água-Forte, em 2006, no projeto Willy Corrêa de Oliveira, o Presente. No mesmo ano, são lançados os livros Peças para Piano e Canções para Voz e Piano, ambos pela Editora da USP (Edusp). Em 2010, lança Cinco Advertências sobre a Voragem (editora Luzes no Asfalto), transcrição de cinco aulas proferidas no Departamento de História da USP.

Análise

As primeiras composições de Willy Corrêa de Oliveira, escritas entre 1955 e 1959, têm caráter nacionalista, influenciadas pelas sonoridades da música popular que ele ouve nas ruas do Recife, bem como pelas músicas medievais e renascentistas, que o encantam ainda na adolescência. Pouco se sabe sobre tais peças – que são, em sua maior parte, destruídas pelo compositor. Segundo informações dele próprio, elas fundem melodias modais do Nordeste a conduções contrapontísticas num universo de aura tonal.

Em 1959, o jovem compositor tem contato com a música de vanguarda europeia por meio de Gilberto Mendes, que acaba de trazer da Europa alguns discos e partituras de composições de Karlheinz Stockhausen, Pierre Boulez, Luigi Nono e Anton Webern. Incentivado por Olivier Toni, então um dos principais divulgadores da música de vanguarda no Brasil, passa a compor utilizando a técnica dodecafônica, renegando sua obra anterior, de caráter folclórico-nacionalista. Logo adere ao serialismo integral, ampliando a noção de série a outros parâmetros que não a altura.

Nessa nova fase, desenvolve alguns trabalhos com poetas concretistas, nos quais procura encontrar isomorfismos estruturais entre texto verbal e linguagem musical. É o caso de Um Movimento Vivo, 1962, sobre poema homônimo de Décio Pignatari. O texto, baseado nas palavras "movimento", "momento" e "vivo", é bastante representativo da incessante busca pelo novo que então anima os artistas contemporâneos. Para realçar a relação entre texto e música, Corrêa de Oliveira escreve uma partitura que, assim como o poema, deve ser lida verticalmente. Propõe ainda estruturas que se autorregulam, de modo que coro e regente operem com base nos feedbacks. A busca obsessiva pelas estruturas, aliás, é uma das principais características dessa fase. Nesse sentido, tem grande influência do cineasta francês Jean-Luc Godard, cujo trabalho de montagem cinematográfica assemelha-se ao da estruturação da linguagem musical. Em seus filmes, importa menos a semântica das imagens (seu significado no interior de uma narrativa ou de uma mensagem) do que sua sintaxe (o modo como são organizadas, estruturadas). A música, para Corrêa de Oliveira – assim como o cinema para Godard –, é antes de tudo uma estrutura linguística.

A partir de 1964, nota-se uma politização maior de suas obras – o que se deve, em parte, à cisão ocorrida no interior do grupo Música Nova. Damiano Cozzella e Rogério Duprat, adeptos da música aleatória de John Cage, decretam "a morte da arte" e passam a trabalhar para a indústria cultural, levando ao grande público os experimentos de vanguarda em seus arranjos fonográficos, especialmente para o tropicalismo. Gilberto Mendes e Corrêa de Oliveira, adeptos do estruturalismo de Boulez e Stockhausen, continuam a compor música de concerto, porém acentuam o viés crítico, valendo-se principalmente da ironia. Na série Kitschs, de 1968, para piano e fita magnética – uma de suas raras incursões pela música eletrônica –, Corrêa de Oliveira critica a postura de Cozzella e Duprat, mostrando como a vanguarda se torna de mau gosto quando cede ao consumo. A partitura da quinta e última peça da série, Narcisus, solicita ao pianista que corte trechos da fita magnética contendo a gravação das quatro peças anteriores, os quais devem ser montados na hora do concerto, segundo um plano ou aleatoriamente. Em seguida, o intérprete deve sentar-se com o público, ouvir a fita montada e aplaudir freneticamente no final, induzindo a plateia a fazer o mesmo. A ironia também está presente em Ouviver a Música (1968). A peça, concebida como um happening, no qual o espectador deve ver, ouvir e viver a obra, tem clara influência da metalinguagem5 de Henri Pousseur, utilizando citações deformadas de peças do repertório tradicional.

Entre os anos 1960 e 1970, sempre interessado na estruturação da linguagem musical, aprofunda o estudo dos clássicos (Mozart, Chopin, Schubert). Interessa-se pela semiótica, explorando, de modo pioneiro no Brasil, suas relações com a música no livro Beethoven: Proprietário de um Cérebro, 1979.

Em 1979, é afetado por profunda crise pessoal ao perceber a incompatibilidade entre suas convicções políticas, de inspiração comunista, e sua atividade como compositor de vanguarda – em sua opinião, mera reprodução da ideologia pequeno-burguesa. Com influência de Hans Eisler6 e Bertolt Brecht,7 volta a compor música tonal, de modo a aproximar-se das massas. Trabalha para as Comunidades Eclesiais de Base, escrevendo canções para crianças, um método para violão e música de circunstância, como hinos (da reforma agrária, dos grevistas, dos sem terra) e arranjos para bailes.

A última fase de sua obra, iniciada no fim dos anos 1980, surge de uma necessidade íntima de voltar a compor, mesmo que só para si mesmo, e não se vincula a nenhuma estética específica. Caracteriza-se por melodias mais cantáveis e harmonias mais direcionadas, com a retomada do tonalismo. O ciclo de peças para piano Miserere (1999-2003), inspirado na série de gravuras homônima do pintor francês Georges Rouault (1871 - 1958), procura passar a amargura e desilusão transmitidas pelas imagens. As peças, brevíssimas, deixam transparecer músicas populares, hinos protestantes, emulações de sons de animais – memórias do compositor comentadas na partitura. Já seus Instantes e Prelúdios para piano primam pela direcionalidade. Compõe ainda Canções, sobre textos de diferentes poetas – como Brecht, João Cabral de Melo Neto, Jorge Koshiyama e Paul Celan. Nessa época, também intensifica a produção teórica, reunida em seus Cadernos.

Em 2008, publica o ensaio Com Villa-Lobos,8 no qual reavalia a obra do compositor nacionalista que ele menospreza como músico de vanguarda nos anos 1950 e 1960. Também relativiza a importância do Manifesto Música Nova – "uma estupidez total", segundo suas próprias palavras.

Como docente, forma várias gerações de músicos, tanto no campo da música erudita (a exemplo de Silvio Ferraz e Flo Menezes) como no da popular (tem como alunos, entre outros, Luiz Tatit, Arrigo Barnabé e Hélio Ziskind).

Notas

1. OLIVEIRA, Willy Corrêa de. Cadernos. Tese de doutorado. São Paulo: ECA/USP, 1996, p. 7.

2. Office de Radiodiffusion-Télévision Française [Organização da Radiodifusão-Televisão Francesa], órgão autônomo sob tutela do governo francês que abriga, na década de 1950, o primeiro grupo de pesquisa sobre a música concreta (como era então chamada, na França, a música eletroacústica).

3. Inicialmente chamado Semana da Música Contemporânea, e criado em 1962 por ocasião das comemorações dos 40 anos da Semana de Arte Moderna de 1922, o festival se encontra hoje (2010) em sua 45ª edição. Anualmente, nas cidades de São Paulo e Santos, reúne intérpretes e compositores de música contemporânea nacional e internacional.

4. Publicado no terceiro número de Invenção: Revista de Arte de Vanguarda, o documento, intitulado Por uma Nova Música Brasileira, se inspira no plano piloto para a poesia concreta, publicado em 1958 por Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos. Prega um "compromisso total com o mundo contemporâneo", citando a famosa frase de Maiakovski: "Sem forma revolucionária, não há arte revolucionária".

5. Linguagem para falar de uma linguagem-objeto, por meio de citações (paródias, transcrições, paráfrases etc.). Esse recurso é particularmente utilizado na música por Henri Pousseur (1929-2009), cuja ópera Votre Faust é escrita inteiramente com citações.

6. Hans Eisler (1898 - 1962) é discípulo de Arnold Schoenberg entre 1919 e 1923. Filiado ao Partido Comunista alemão, engaja-se em movimentos populares, ensinando música a operários. Em 1925, após compor utilizando a técnica dodecafônica, passa a atacar a ideia da "arte pela arte" e rompe com o mestre. No fim dos anos 1920, aproxima-se de Bertolt Brecht, compondo música para suas peças teatrais e para o cinema, como, por exemplo, o filme Kuhle Wampe (1932). Na Guerra Fria, suas ideias são retomadas pelo Partido Comunista da Alemanha Oriental, da qual se torna o compositor oficial.

7. Eugen Bertholt Friedrich Brecht (1989 - 1956) é poeta, dramaturgo e diretor de teatro alemão. Influencia enormemente o cenário artístico do século XX em geral, e das artes cênicas em particular, com seu teatro épico. Este se diferenciaria do teatro dramático por dirigir-se à razão do espectador, e não à sua emoção.

8. Publicado no portal estadao.com.br. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,em-ensaio-willy-correa-reve-posicao-sobre-villa-lobos,144223,0.htm. Editado em livro pela Edusp em 2009.

 

Obras 1

Abrir módulo

Espetáculos 2

Abrir módulo

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: