Moacyr Scliar

Moacyr Scliar, 2002
Texto
Moacyr Jaime Scliar (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1937 – idem 2011). Romancista, contista, cronista e autor de histórias infantojuvenis. Retratando o tema da imigração judaica, sua obra parte de colônias estabelecidas no Brasil para refletir sobre as condições sociais de todo o país. Desde o início, sua produção se sustenta sobre dois traços, recorrendo ora ao fantástico, ora à história objetiva, a fim de questionar a tradição judaico-cristã e a realidade social da classe média urbana.
Filho de judeus emigrados da Bessarábia, sul da Rússia, passa boa parte da infância e a adolescência em Bom Fim, bairro judeu de Porto Alegre. Alfabetizado pela mãe, ingressa na Escola de Educação e Cultura em 1943, transferindo-se, cinco anos depois, para o católico Colégio Rosário. Forma-se pelo Colégio Estadual Júlio de Castilhos, onde inicia a militância política, que nos anos de faculdade o leva ao Hashomer Hatzair, movimento de jovens judeus socialistas. Gradua-se em medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1962, ano de lançamento de Histórias de um Médico em Formação, contos baseados em sua experiência durante estágio na Santa Casa de Misericórdia.
Em 1968, publica o que considera seu primeiro livro, O Carnaval dos Animais que traz como temática a bestialidade do homem. Escrito sob o cerceamento da ditadura militar (1964-1985)1, trata-se de contos alegóricos que equiparam o homem, por seu poder de destruição, aos animais.
Viaja para Israel para realizar pós-graduação em 1970, onde atua em um hospital de Jerusalém, região de convívio e conflitos entre judeus e palestinos.
De volta ao Brasil, publica A Guerra no Bom Fim (1972), seu primeiro romance, e atua como colunista dos jornais Zero Hora e Folha de S.Paulo, colaborando com contos, crônicas e ensaio. Nesse romance, o autor resgata a memória dos judeus instalados em Porto Alegre. A história avança de 1943 ao crescimento das crianças da comunidade. Da lembrança de pais aterrorizados pelo nazismo, os personagens chegam ao enfrentamento do inimigo contemporâneo, a pobreza. Se, entretanto, a ameaça atinge a todos, aos judeus é possibilitada a ascensão, ao contrário do que ocorre aos negros, cujas precárias condições jamais são superadas.
O protagonista, um dentista, cumpre destino que permite ao romance desenhar amplo painel histórico. A relação com a questão judaica se modifica de acordo com as diferentes etapas de seu amadurecimento. Quando adulto, viaja a Israel, em um movimento narrativo que, tendo partido do nazismo, chega às guerras com os árabes e a questão dos refugiados.
Para a articulação entre a história brasileira e a judaica, são vários os procedimentos literários empregados. Para além da transposição, para o Brasil, de episódios históricos da comunidade judaica, Scliar vale-se também de material bíblico e cabalístico e de recursos do realismo mágico, construindo alegorias do Bem e do Mal, encarnadas respectivamente nas figuras do dominado e do dominador.
Em sua produção de narrativa fantástica, é exemplar o conto Metamorfoses da Terra Trêmula (1976), em que o crescimento descomunal da empregada Gertrudes simboliza a relação estabelecida com seus empregadores. Seu corpo, que já não cabe na casa da família, torna-se fonte de incômodo para os patrões. Quando ela mesma assume o relato, os fatos se apresentam de maneira diversa: "A história que eu conto é de quatro bichinhos que passeavam pelo meu corpo, me picando, me mordendo, me tirando sangue".
Em Sonhos Tropicais (1992), o personagem, um médico desempregado, narra a vida do sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917). Em A Majestade do Xingu (1997), as temáticas centrais do autor se articulam de modo exemplar e Scliar recupera procedimentos empregados no romance de 1992. O narrador-protagonista, judeu vindo ao Brasil em 1921, conta sua história enquanto espera a morte em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Embora se trate de um relato em primeira pessoa, o foco recai sobre o médico sanitarista Noel Nutels (1913-1973), cuja carreira, desenvolvida com índios brasileiros na Amazônia, é retratada nessa ficção.
Forma-se, entre a frustração da primeira pessoa e a realização de Nutels, um monólogo estruturado sobre o conflito básico da obra de Scliar: o confronto entre um mundo idealizado, que os personagens não deixam de desejar, e uma realidade injusta e rebaixada, a qual jamais logram superar. É sobretudo a partir dessa dicotomia que o tratamento da questão judaica cede lugar ao retrato das mazelas sociais.
Seus traços narrativos valem igualmente para a ficção juvenil do autor, a exemplo do que ocorre em No Caminho dos Sonhos (1988): Marcelo, o protagonista, encara o legado de seus antepassados, que enfrentaram a Segunda Guerra e a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945). Já a recriação com base na narrativa bíblica pode ser ilustrada por Um Menino Chamado Moisés (2004), que a partir da infância do personagem conta a história dos hebreus e sua libertação da escravidão.
Scliar aposenta-se da medicina no fim da década de 1990 e passa a se dedicar exclusivamente à literatura. As relações entre as duas profissões são tema do curso que ministra em 1993 na Brown University, nos Estados Unidos. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2003, tem mais de 70 títulos publicados.
Valendo-se de narrativas que mesclam história e ficção, a produção de Scliar reflete sobre comunidades marginalizadas por conflitos culturais e sociais, e tendo como ponto de partida imigrantes de origem judaica, o escritor amplia a análise para outras comunidades brasileiras, especialmente no meio urbano.
Nota
1. Também denominada de ditadura civil-militar por parte da historiografia com o objetivo de enfatizar a participação e apoio de setores da sociedade civil, como o empresariado e parte da imprensa, no golpe de 1964 e no regime que se instaura até o ano de 1985.
Obras 1
Espetáculos 4
Links relacionados 3
Fontes de pesquisa 3
- MOACYR Scliar: biografia. Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro, s/d. disponível em http://www2.academia.org.br/. Acesso em 20 de setembro de 2010.
- SCLIAR, Moacyr. O texto, ou, A vida: uma trajetória literária. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
- VOGT, Carlos. "A solidão dos símbolos: uma leitura da obra de Moacyr Scliar". In: Ficção em debate e outros temas. São Paulo: Livraria Duas Cidades; Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1979. p 71 - 80, v 1.
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MOACYR Scliar.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa5359/moacyr-scliar. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7