Odilon Lopez
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Odilon Albertinence Lopez (Raul Soares, Minas Gerais, 1941 – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2002). Diretor, ator. É um dos pioneiros do cinema negro brasileiro e profissional de referência nos anos iniciais da televisão gaúcha. Autodidata no ofício técnico, aprimora-se em curso de interpretação e se dedica na direção à temática de caráter urbano, até então inédita no Rio Grande do Sul.
Órfão de pai e mãe, é criado pelos avós em Belo Horizonte (MG), com infância e adolescência marcadas por filmes da personagem Carlitos, de Charles Chaplin (1889-1977). Na década de 1950, com a morte do avô, segue para um abrigo de menores no Rio de Janeiro. Trabalha como engraxate, auxiliar de sapateiro e cobrador de ônibus. Emprega-se nas produtoras cariocas Flama Filmes, de Moacyr Fenelon (1903-1953) e Rubens Berardo (1914-1973), e Vita Filmes, da também atriz e diretora Carmen Santos (1904-1952). Estuda atuação com os intérpretes Sérgio Sckera e Gilda Mattia, italianos estabelecidos na capital.
Estreia como assistente de câmera e cinegrafia em quatro longas-metragens, entre eles Aguenta o rojão (1958), de Watson Macedo (1919?-1981), e No mundo da lua (1958), de Roberto Farias (1932-2018), longa em que também atua. Assina os projetos com variações do nome, como Odilon Albertines, Odilon Albertini ou ainda O. Albertinenze.
No ano seguinte, estabelece-se em Porto Alegre, convidado pela Brás Filme como cinegrafista de documentários e cinejornais. Em 1961, trabalha como ator e repórter cinematográfico na TV Piratini, fundada por Assis Chateaubriand (1892-1968) e primeira emissora no estado gaúcho. Participa, no mesmo ano, do Comitê de Artistas e Intelectuais pela Legalidade. A iniciativa vincula-se à campanha da legalidade liderada no Rio Grande do Sul pelo então governador Leonel Brizola (1922-2004), em favor da posse do presidente João Goulart (1919-1976). Ainda em 1961, atua na peça O despacho, com texto e direção de Mario de Almeida (1931-2022), ao lado de Fernando Peixoto (1937-2012) e Ítala Nandi (1942), entre outros intérpretes.
Em 1962, dirige seu primeiro filme, o curta-metragem Dia de chuva, produção para a TV Piratini. Passa a atuar na TV Gaúcha, atual RBS, emissora em que filma, em 1964, os últimos momentos de Goulart no país. O registro entre a vinda de Brasília e a partida para o exílio do líder deposto entra para a posteridade. Nos anos seguintes, viaja à Europa, onde faz cursos na Alemanha e na Escócia, inclusive na BBC.
Segue para a Bolívia em 1967, onde realiza reportagens sobre a guerrilha no país e cobre o julgamento do pensador francês Régis Debray (1940), companheiro de Che Guevara (1928-1967) na luta revolucionária. No mesmo ano, atua no longa Coração de luto, de Eduardo Llorente (1930), espanhol estabelecido no Brasil.
Funda a produtora Super Filmes em 1970 e, no mesmo ano, dirige, roteiriza e produz o longa ficcional em 35 mm Um é pouco, dois é bom, com diálogos do escritor Luis Fernando Veríssimo (1936) e o diretor como um dos intérpretes. O projeto pioneiro de um cineasta negro conta com dois episódios, "Com um pouquinho de sorte" e "Vida nova por acaso". No primeiro, estão as dificuldades da rotina de um casal jovem de classe média baixa: ele, um motorista de ônibus; ela, funcionária de comércio. A vida se complica quando o marido perde o emprego, com as dívidas da casa própria por pagar e descobre a paternidade próxima. Na trama seguinte, com atuação de Odilon, dois presidiários ganham a liberdade, mas não conseguem reformular seus destinos. Voltam a bater carteiras e, ao se depararem com vítimas sem dinheiro, acabam por montar uma farsa em festa de milionários. Descobertos, são presos.
O longa é reconhecido como o primeiro a retratar o universo urbano no estado, quando a produção local até então se dedicava ao contexto rural e histórico, batizada pela alcunha de “cinema de bombachas”. O crítico Paulo Fontoura Gastal (1922-1996) aponta que "o filme põe em prática o tão reclamado cinema urbano [...]. Porto Alegre, sob certos aspectos, é a grande vedeta [...]. Os personagens nada têm de grossos: são gente da cidade, moderna, prafrentex, bem-vestida. Tudo mostrado em duas histórias que se caracterizam pela inventividade e imaginação [...], narradas na base de uma das mais belas fotografias a cores do cinema”. E lamenta: "˜Infelizmente, porém, o público não tem correspondido a esse esforço. Onde estão aqueles que pediam o cinema urbano?”. Com saldo de bilheteria local insuficiente para se pagar, segundo o crítico Tuio Becker (1943-2008), o filme ainda sofre com a censura para menores de 18 anos no restante do território nacional e tem pouca repercussão entre a comunidade negra.
Sempre em Porto Alegre, ingressa na TV Educativa em 1974 e ali produz teleteatros até 1980. Em 1979, faz nova viagem à Inglaterra, onde permanece por seis meses trabalhando na emissora BBC. Atua no média-metragem em super-8 A palavra cão não morde (1982), de Sergio Amon (1960) e Roberto Henkin (1960), e dirige no mesmo ano Jamboree panamericano, curta documental em 16 mm sobre um encontro de jogos de escoteiros. Em 1994, publica o livro Contos esparsos. Em 1999, atua no curta O velho do saco, de Milton do Prado (1972) e Amábile Rocha (1964).
Versátil e curioso das novas tendências que chegavam, Odilon constrói, à margem da posição estipulada socialmente ao homem negro de origem modesta, trajetória incomum e inovadora no fazer cinematográfico e televisivo do país.
Espetáculos 3
Fontes de pesquisa 7
- BECKER, T. O cinema gaúcho: uma breve história. Porto Alegre: Movimento, 1986.
- CARVALHO, Noel dos Santos. A trajetória de Odilon Lopez – um pioneiro do cinema negro brasileiro. História: Questões & Debates, Curitiba, jul.-dez. 2015. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/historia/article/view/46704/. Acesso em: 15 set. 2022.
- LOPEZ, Odilon. Odilon Lopez. [Entrevista concedida a] Giba Assis Brasil. Série Persona non Grata da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do Rio Grande do Sul/ Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre. Porto Alegre, out. 1995. (63 min.). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EWVFS-3qVeY/. Acesso em: 30 set. 2022.
- LOPEZ, Vanessa. Vanessa Lopez [Entrevista cedida a] Orlando César Margarido, 30 set. 2022.
- MELLO, Marcus. Um filme farol – Um é pouco, dois é bom (1970). In: FEIX, Daniel; LUNARDELLI, Fatimarlei; PINTO, Ivonete; KANITZ, Mônica; VALLES, Rafael (orgs.). 50 olhares da crítica sobre o cinema gaúcho. Porto Alegre: ACCIRS, 2022.
- MERTEN, Luiz Carlos. A aventura do cinema gaúcho. São Leopoldo: Unisinos, 2002.
- NORONHA, Jurandyr Passos. Dicionário Jurandyr Noronha de cinema brasileiro. São Paulo: EMC, 2015.
Como citar
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ODILON Lopez.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa524146/odilon-lopez. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7