Samuel Campêlo
Texto
Samuel Carneiro Rodrigues Campêlo (Engenho Arimunã Escada PE 1889 - Recife PE 1939). Autor, ator, libretista, animador cultural e historiador. Responsável pela fundação do Grupo Gente Nossa, precursor da modernidade teatral no Recife, e no Nordeste.
Conclui bacharelado na Faculdade de Direito do Recife, em 1912. Entre 1912 e 1930 trabalha como promotor público na Comarca de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, depois troca a magistratura pela advocacia e pelo jornalismo, radicando-se no Recife. Ocupa vários cargos na administração pública, especialmente o de diretor do Teatro de Santa Isabel, de 1930 a 1939. Participa do 1º Congresso Regionalista do Nordeste, organizado por Gilberto Freyre, em 1926, no Recife.
No teatro, inicia-se, como ator, ainda adolescente, em 1905, no palco do Clube Esportivo Pernambucano, em Jaboatão dos Guararapes, com a comédia Bicho & Seu Rancho, de Ernesto de Paula Santos. Dedica-se ao teatro amador durante seis anos, período no qual funda e atua no Grupo Jaboatonense Frei Caneca, Núcleo Diversional de Tejipió, Polínia Dramática Areiense, Grêmio Dramático Familiar Arraialense, Distração Familiar Júlio Dantas e na companhia de Cândida Palácio e Otaviano Paiva, entre outros. Seu último trabalho como ator é o papel de "galã cínico", seu tipo predileto, no drama O Pirata Antonio ou A Escrava Andréa, em maio de 1911.
Como dramaturgo escreve sobretudo comédias, sendo a primeira delas Peripécias de um Defunto (depois denominada Engano da Peste), escrita em 1909 e encenada em setembro de 1910, no Grêmio Dramático Familiar Arraialense. Ainda em 1910 estreia outra peça de sua autoria, O Amor Faz Coisas..., com o Grupo Dramático Espinheirense. Seu texto A Honra da Tia, é encenado no Teatro Moderno, em outubro de 1921, pela Companhia Alda Garrido.
Em maio de 1926 a Companhia Nacional de Operetas, de Vicente Celestino e Ary Nogueira, está no Recife para uma temporada no Teatro do Parque. O empresário Ary Nogueira conhece Campêlo e se entusiasma com seu libreto de uma opereta "rigorosamente nordestina". Firma-se então uma fértil parceria com Valdemar de Oliveira, que assina a partitura de Aves de Arribação, com estreia em julho de 1926, apresentando no elenco Vicente Celestino, Adriana Noronha, Carmem Dora, Eduardo Noronha, entre outros, com a direção técnica de Martins Veiga. Com essa opereta a companhia viaja para o norte.
No ano seguinte, monta, no Recife, duas novas operetas dos mesmos autores, A Rosa Vermelha, que estreia no Teatro de Santa Isabel em janeiro, e a revista Sai, Cartola! (na qual Valdemar de Oliveira assina a música com o pseudônimo de João Capibaribe), em junho, no Teatro do Parque. Outra revista, Ih! Hi!, libreto de Samuel Campêlo e partitura de Nelson Ferreira, é apresentada pela Companhia Otília Amorim, no Teatro Helvética, em agosto. Para Maria Amorim e Ilídio Amorim, Samuel Campêlo escreve um entreato cômico: Os Vizinhos do Jazz-Band, em 1928. Volta à revista, em colaboração com Umberto Santiago, com Vitraux, encenada em Belém, em 1928, pela Companhia Nazaré. Em junho de 1930 leva à cena um sainete patriótico - Terra e Mar -, escrito para uma festa da Escola de Aprendizes de Marinheiros do Recife. A Companhia Dulcina de Moraes-Manuel Durães estreia Uma Senhora Viúva, em julho de 1930, no Teatro São José, no Rio de Janeiro. Mais uma revista - Rapa-Coco - é montada, desta vez pelo Grêmio Familiar Madalenense, no Teatro de Santa Isabel, com partituras de João Valença e João Capibaribe (Valdemar de Oliveira), em dezembro de 1930. Essas operetas são representadas em quase todos os estados brasileiros, sempre com sucesso.
Depois da revolução de 1930, Samuel Campêlo é nomeado diretor do Teatro de Santa Isabel e, no ano seguinte, funda com o ator Elpídio Câmara o Grupo Gente Nossa - GGN, informal teatro-escola de arte dramática, de onde saem numerosos dramaturgos e técnicos. Esse grupo é a concretização do sonho do dramaturgo: um conjunto estável dinamizando a vida teatral da cidade, com participação de profissionais e semiprofissionais, um repertório, em sua quase totalidade, genuinamente brasileiro e, sobretudo, regional. A recém-fundada companhia teatral estréia com A Honra da Tia, de Campêlo, em agosto de 1931, no Teatro de Santa Isabel. Ao referir-se ao autor e ao GGN, em suas memórias, Valdemar de Oliveira assinala: "Não atribuindo grande valor à iniciativa, fui vê-lo, certa noite, na segunda metade de 31. Fiquei boquiaberto. Era o empreendimento em si, o idealismo de Samuel, o devotamento daquele grupo de artistas com os quais eram divididos os lucros da semana (sem que Samuel participasse deles), em suma: a realidade fascinante de um conjunto estável, no Recife. Pois, somente quando há conjuntos teatrais atuantes se pode pensar em fazer teatro".1
Em sua existência, de 1931 a 1944, o GGN obtém do público e da imprensa ampla aceitação, graças à tenacidade e à capacidade empreendedora de Samuel Campêlo. Segundo Joel Pontes, trata-se de um "homem que foi tudo no Gente Nossa - desde hábil propagandista a chefe seguro, não se eximindo nem de trabalhos mais duros, tomando do martelo e ajudando aos maquinistas quando era necessário. Um homem de luta e coração que fez numerosos amigos e pouquíssimos inimigos, ambos fervorosos, cuja estatura de pioneiro só pode ser aquilatada pelos que não estiveram nos acontecimentos de que se constituiu a parte central".2
O grupo encena textos de autores como José de Alencar, Américo Azevedo, Artur Azevedo, Armando Gonzaga, Paulo de Magalhães, Gastão Tojeiro, Oduvaldo Vianna, Corrêa Varela, Luís Iglezias, Cláudio de Souza, Joracy Camargo, Renato Viana e Abadie Faria Rosa e pelo estímulo de Samuel Campêlo vem à cena toda uma dramaturgia local de comédias, comédias musicadas, dramas, operetas e burletas. Por seu intermédio surgem autores e músicos como Silvino Lopes, Valdemar de Oliveira, Eustórgio Vanderlei, Augusto Wanderley Filho, Hermógenes Viana, Nestor de Holanda, Irmãos Valença (Raul e João Valença), Lucilo Varejão, Coelho de Almeida, Berguedof Elliot, Filgueira-Filho, Miguel Jasselli, Gaspar Moura, Umberto Santiago, Sérgio Sobreira, Luiz Lapa, Sônia F. Gourvitz, Nelson Ferreira, e outros. Os espetáculos do GGN são apresentados no Teatro de Santa Isabel, no Teatro do Parque e nos teatros dos arrabaldes que se espalham pelo Recife nos anos 1930, além de várias excursões ao interior de Pernambuco e à capital do Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas.
Em parceria com Valdemar de Oliveira escreve uma nova opereta, A Madrinha dos Catetes, que estreia pelo GGN em dezembro de 1933 e, no ano seguinte, é montada no Rio de Janeiro pela Companhia do Teatro Musicado de M. Pinto, no Teatro João Caetano. A produção de Campêlo conta também com dois dramas, Mulato e S.O.S., considerados, na verdade, "alta comédia", pelo amálgama entre o cômico e o dramático. Mulato, publicado pela Sociedade Brasileira de Teatro - SBAT, é encenado pelo GGN, no Teatro de Santa Isabel, em maio de 1935. S.O.S. estreia em Belém, numa montagem de Renato Viana, em 1938, e faz temporada em Fortaleza. No Recife, essa peça é proibida pela polícia, que a considera "comunista".
Valdemar de Oliveira relembra na sessão fúnebre em homenagem a Samuel Campêlo, na Academia Pernambucana de Letras, o discurso de recepção que lhe faz em 1936: "O riso de Samuel Campêlo tem o seu 'clima' ideal no teatro, à boca da ribalta, fazendo rir as plateias. A sua obsessão, neste particular, é tão acentuada que não tem passado sem censura do público mais sentimental o fato do autor alternar continuadamente, em suas cenas, o pranto e o riso, a dramaticidade e a comicidade jogando sobre a fervura de certas situações dignas de lágrimas a ducha fria de um 'tiro' digno de gargalhadas. No libreto de Aves de Arribação, Samuel Campêlo, parece evitar a emoção alta do público: em pleno 'clímax' da ação dramática, joga o dichote do baixo cômico e aquilo é uma lâmina cortando o impulso emocional da plateia. As suas peças são quase todas para rir e os libretos que eu estraguei com a minha música são tratados de terapêutica hepática para uso interno do auditório. Só uma vez tentou o teatro dramático, com o Mulato. Mas, esta peça é ainda uma maneira de rir dos preconceitos sociais, uma atitude de bom humor em face de convenções sociais".3
Analisando o repertório do GGN e a importância de Samuel Campêlo nesse empreendimento, Joel Pontes chama a atenção para o incentivo dado aos escritores recifenses ou radicados na cidade, para concluir: "Não é possível estudar-se a dramaturgia dos pernambucanos, sem se dizer que surgiu por obra de Samuel Campêlo. Não entra em jogo aqui o valor estético do bloco ou de cada uma das peças. [...] Disso redundou o maior benefício que os conjuntos cênicos já prestaram à cultura brasileira. Dessa atitude, mais tarde repetida em outras bases pelo Teatro do Estudante de Pernambuco e Teatro Adolescente, de não fugir, de vincular a literatura ao teatro, o teatro à vida e ao momento. De criar uma como obrigação do escritor para com a literatura dramática. Samuel Campêlo foi o desbravador desse caminho e aí se encontra a ligação entre sua obra e o que existe de mais moderno e duradouro na dramaturgia do Nordeste".4
Notas
1. OLIVEIRA, Valdemar. Mundo submerso (Memórias). 1º e 2º vol. Recife: Cepe, 1974. p. 128.
2. PONTES, Joel. O teatro moderno em Pernambuco. São Paulo: Desa, 1966. p. 17-18.
3. OLIVEIRA, Valdemar. Uma expressiva homenagem a Samuel Campêlo - A sessão fúnebre da Academia Pernambucana de Letras. Nosso Boletim, Grupo Gente Nossa, Recife, n. 11, p. 4, mar. 1939.
4. PONTES, Joel. O teatro moderno em Pernambuco. São Paulo: Desa. 1966. p. 36-37.
Espetáculos 23
Fontes de pesquisa 4
- NOSSA CARTEIRA - Os autores [Samuel Carneiro Rodrigues Campêlo]. Nosso Boletim nº 7 e 8. Recife: Grupo Gente Nossa, p. 5, set.-out. 1936.
- OLIVEIRA, Valdemar de. Mundo submerso (Memórias). 1º e 2º vol. Recife: Cepe, 1974. 291 p.
- OLIVEIRA, Valdemar. Uma expressiva homenagem a Samuel Campêlo - A sessão fúnebre da Academia Pernambucana de Letras. Nosso Boletim nº 11. Recife: Grupo Gente Nossa, p. 3-4, mar. 1939.
- PONTES, Joel. O teatro moderno em Pernambuco. São Paulo: Desa. 1966. 157 p.
Como citar
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SAMUEL Campêlo.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa516633/samuel-campelo. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7