Moisés Patrício

Moisés Patrício, 2020
Texto
Moisés Silva Patrício (São Paulo, São Paulo, 1984). Artista, arte educador, ativista. Sua produção trafega por diferentes linguagens como desenho, pintura, fotografia, vídeo, performance e instalação. Com um trabalho ligado à tradição do candomblé1, encontra na expressão artística um meio de comunicação, um espaço para falar sobre a desigualdade e a violência experimentadas pelos corpos negros na sociedade brasileira.
Nasce na antiga favela do Jardim Edite, no bairro do Brooklin, Zona Sul de São Paulo. Em 1995, muda-se com a família para a Vila Industrial, região de Sapopemba, Zona Leste, por conta da especulação imobiliária. Na Zona Leste, entra em contato com as artes visuais por meio do pintor e professor argentino Juan José Balzi (1933-2017) e seu projeto Meninos de Arte, que além de promover oficinas de desenho e pintura, organiza visitas aos museus da cidade. Começa no projeto como aluno e se torna assistente do professor. Ganha uma bolsa para estudar desenho na Oficina de Artes de Santo André e, posteriormente, ingressa na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), onde se forma bacharel em artes com ênfase em pintura.
Iniciado na nação Ketu2 ainda na infância, trabalha a partir de valores ligados à filosofia das comunidades de terreiro. Filho de Exu3, o artista se utiliza do conhecimento acumulado por séculos pelo povo negro, africano e brasileiro, como referência na construção de sua poética. Como arte educador, dá aulas de pintura, desenho e grafite para crianças e jovens em conflito com a lei, que são o foco de seu interesse. Suas vivências se refletem em seu trabalho, de maneira que tanto as questões relativas à inserção do negro na sociedade quanto aquelas que remetem à intolerância religiosa são marcantes em sua produção. Outro traço característico do trabalho do artista é o uso das redes sociais como um veículo de comunicação que permite uma ruptura com a estrutura de exclusão e desvalorização dos saberes e corpos negros.
É por meio das redes sociais que publica a série fotográfica Aceita? (2013-2014), que aborda a questão do trabalho manual e intelectual produzido por pessoas negras. Na série, a mão do próprio artista é fotografada diariamente, acompanhada de objetos residuais que seriam descartados e são recolocados em circulação por conta do ato fotográfico. No que diz respeito ao aspecto formal, são fotografias construídas a partir de princípios de composição que dialogam com a pintura. Simultaneamente, constituem uma performance, na qual o artista reúne objetos e os organiza no espaço público para construir uma imagem, enquanto está submetido às reações dos transeuntes. Quanto à questão conceitual, é um trabalho que busca quebrar o preconceito com o candomblé por meio de uma crítica ao racismo e à intolerância étnico-religiosa, questionando também a sociedade de consumo. A mão aberta, que oferece objetos que a sociedade descarta, fala também do descarte da arte negra e da herança africana, provocando o espectador com a pergunta que dá título à série.
Motivado pela experiência diária do preconceito racial ao qual é submetido em seus trajetos pela cidade, Patrício idealiza, em parceria com o artista Peter de Brito (1967), a performance Presença negra, realizada pela primeira vez em 2015. O trabalho consiste em uma ação de comparecimento em massa de artistas, ativistas e escritores negros à inauguração de exposições em galerias de arte, espaço tradicionalmente ocupado por brancos. É uma ação que problematiza o fato de que, embora a mão negra tenha sido uma contribuição fundamental para a história da arte no Brasil, os profissionais negros não costumam estar presentes nos espaços de consagração da arte.
No Movimento Artístico de Ocupação Urbana (M.A.O.U), coletivo composto por mais de 200 artistas, Patrício participa de ações de contestação aplicadas ao cotidiano, como a produção de grafite, fotografias e instalações realizada na Fábrica de Cimento Perus, nas quais a estrutura de ocupação do espaço urbano é colocada em questão. Para além do aspecto estético, o movimento tem um caráter fortemente político e ideológico, com foco na denúncia da segregação social e racial que a desigualdade na ocupação do espaço urbano representa.
O artista mantém o estúdio Ikorita (que em iorubá4 significa encruzilhada), em São Paulo, no qual desenvolve ações de integração de pessoas negras no meio artístico, e é representado pelas galerias Mônica Filgueiras, Gabinete da Imagem e Artefacto. A mostra Exuberância (2020), realizada na Galeria Estação, em São Paulo, com curadoria de Ricardo Sardenberg, é sua primeira exposição individual. Nela o artista apresenta a série de pinturas Álbum de família, na qual homenageia sua família espiritual, retratando figuras importantes na preservação da cultura afro-brasileira.
Moisés Patrício está entre os artistas brasileiros que tensionam o debate acerca das questões raciais e do que vem a ser uma arte afro-brasileira. Com uma pesquisa e produção que abordam temas como colonização, desigualdade e questões raciais, o artista amplia o campo da produção artística contemporânea para além dos sujeitos e temas privilegiados.
Notas
1. Religião de matriz africana que cultua os orixás.
2. Maior e mais popular nação do candomblé, tem origem nas tradições dos povos originários da região de Quetu. O ritual Ketu difere das outras nações por conta da língua, do toque dos atabaques e das cores dos orixás.
3. Orixá da comunicação e da linguagem, atua como mensageiro entre o humano e o divino.
4. Povo originário do sudeste nigeriano, trazido ao Brasil para ser escravizado, e identificado em território brasileiro como povo nagô.
Obras 4
Exposições 28
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6/9/2010 - 30/9/2010
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20/11/2014 - 13/1/2013
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18/11/2014 - 18/12/2014
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8/4/2017 - 18/9/2017
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26/6/2017 - 25/7/2017
Mídias (1)
Moisés conta sua história tendo como ponto de partida o ensino formal na rede pública e a dificuldade em abarcar outras formas de aprendizagem. Diagnosticado como disléxico pelas professoras, diz que após inúmeras experiências controversas com o discurso acadêmico e a padronização das formas de compreensão de símbolos, significados e sentidos da arte, compreende que sua percepção do mundo era diferente e que, para ele, era preciso compreender a estética em sintonia com a espiritualidade.
Moisés Patrício cita o artista argentino Juan José Balzi e seu trabalho Meninos de Arte, realizado em Santo André, como seu mergulho no universo artístico pelo rompimento com a dicotomia estabelecida entre a arte erudita e popular, em oficinas oferecidas a jovens da periferia de São Paulo.
Transitando entre pintura, escultura e fotografia, Moisés Patrício apresenta a série Aceita, que tem como propósito o registro de sua mão direita e seu processo de envelhecimento, e Álbum de Família, sua retomada na pintura, que representa espiritualidade e a noção familiar baseada na cultura banto e iorubá.
ITAÚ CULTURAL
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Produção audiovisual: Letícia Santos
Edição de conteúdo acessível: Richner Allan
Direção, edição e fotografia: Marcus Leoni
Montagem: Renata Willig
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 14
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- MOREIRA, Matheus. Arte feita por negros. Você aceita? Arte!Brasileiros, 24 jun. 2018. Disponível: https://artebrasileiros.com.br/arte/arte-feita-por-negros-voce-aceita/. Acesso em: 11 fev. 2021.
- PINACOTECA DO ESTADO. Enciclopédia Negra: de 01 mai a 08 nov. 2021. Pinacoteca do Estado, 2021. Disponível em: http://pinacoteca.org.br/programacao/enciclopedia-negra/. Acesso em: 28 set. 2021.
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- É PRECISO ser presente. São Paulo: Diáspora Galeria, 2020. Exposição realizada no período de 27 nov. 2020 a 27 jan. 2021. Disponível em: https://diasporagaleria.com.br/wp-content/uploads/2020/09/Expo_Moises_material_digital.pdf. Acesso em: 26 jun. 2023.
Como citar
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MOISÉS Patrício.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa503553/moises-patricio. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7