De Chocolat
Texto
Biografia
João Cândido Ferreira (Salvador, BA, 1887 - Rio de Janeiro, RJ, 1956). Cantor, compositor, autor teatral, produtor, ator, dançarino. Muito jovem, ainda em Salvador, ingressa como cançonetista numa companhia espanhola de zarzuela. Com ela se transfere para o Rio de Janeiro, onde passa a atuar, na primeira década do século, em chopes berrantes, circos, "teatrinhos" e salas de espera de cinemas, com o pseudônimo Jocanfer, notabilizando-se por fazer versos de improviso. Na época, viaja para a Argentina, apresentando-se no Cine Éden Cosmopolita de Buenos Aires. Em ca.1910, vai a Portugal, Espanha e França. Nos cabarés parisienses, apresenta-se com o nome artístico De Chocolat, que adota ao retornar ao Rio de Janeiro. Em Paris, que vive então os "anos loucos", entra em contato com a negrofilia1 e com as danças modernas, que incorpora ao seu repertório, sendo considerado o principal divulgador do charleston no Brasil.
Inspirado no sucesso da Revue Nègre, espetáculo estrelado por Josephine Baker (1906-1975), em 1925, no Théâtre des Champs-Elysées, em Paris, funda com Jaime Silva, no ano seguinte, a Companhia Negra de Teatro de Revistas, formada por artistas negros. A peça de estreia, de sua autoria, é Tudo Preto. No elenco, destacam-se Dalva Espínola - mãe de Aracy Cortes (1904-1985) -, o menino Otelo (1915-1993) (futuro Grande Otelo) e Pixinguinha (1897-1973), que dirige a orquestra. Depois de excursionar com a trupe por São Paulo e Minas Gerais, desentende-se com Jaime Silva e funda a Ba-Ta-Clan Preta, com remanescentes da Cia. Negra. A estreia se dá com Na Penumbra, escrita em parceria com Lamartine Babo (1904-1963) e Gonçalves Oliveira, mas essa trupe logo se dissolve.
Das suas composições destacam-se Falando ao Teu Retrato, parceria com Jaime Florence, o Meira, gravada por Augusto Calheiros, o Patativa do Norte, em 1935, e por Teca Calazans e Heraldo do Monte (1935), em 2003. O samba Mulata, por Francisco Alves (1898-1952), em 1929, que grava ainda a marcha Negra Também É Gente (1934), parceria de De Chocolat e Ary Barroso (1903-1964); e no mesmo ano a Modinha Brasileira é interpretada por Silvio Salema. A valsa Não Te Perdoo é gravada por Silvio Caldas (1908-1998), em 1940, que é parceiro de De Chocolat nessa canção. Caldas grava também o samba Na Aldeia, de sua autoria com Caruzinho e De Chocolat, em 1933, regravado em 2004 por Mônica Salmaso e Teresa Cristina; o fox-canção Três da Manhã, parceria com Manoel Pereira Franco, por Moacir Bueno Rocha, em 1932, e ainda grava Olhos Passionais (1932), parceria com Gastão Bueno Lobo; o samba-canção Meu Branco, parceria com Benedito Lacerda, e gravado em 1935 por Aurora Miranda. Vicente Paiva grava em 1929 o samba-canção Machuca, parceria com Donga. Em 1932, Jorge Fernandes interpreta Aventura de um Beijo, parceria com Guilherme Pereira, e Gastão Formenti grava Felicidade, parceria com J.C. Rondon, de 1937.
Em 1936, cria com o dançarino Duque e Humberto Miranda a Companhia Casa de Caboclo, para a qual cria várias peças. Em 1938, funda a Companhia Negra de Operetas e Revistas - de vida curta, como as anteriores -, e para ela escreve a opereta Algemas Quebradas.
É diretamente atingido pelo fechamento dos cassinos pelo governo Vargas, em 1946. Nos últimos anos de sua vida, escreve sketches e produz show para boates como Night and Day e Cinelândia.
Comentário Crítico
Como muitos outros músicos populares das décadas de 1920 e 1930, De Chocolat desenvolve uma escuta aberta, incorporando ao seu repertório novos gêneros e sonoridades que fazem sucesso entre o público da época, à espera de novidades. Daí a presença de foxtrotes e fox-canções entre os sambas, marchas e maxixes de seu repertório. Daí também sua tendência a fazer versões de músicas estrangeiras, a exemplo do foxtrote Boa Noite, Querida, de Ray Noble, gravado por Castro Barbosa, em 1932, e da valsa Guarde a Última Valsa para Mim, de Walter Hirsch, gravada pelo grupo vocal As Três Marquesas, em 1932.
As letras de suas canções, geralmente musicadas por outros artistas, fazem muitas vezes alusão a personagens tipo do teatro musicado, como é o caso de Baianinha, parceria com Oscar Mota, gravado em 1929 por Araci Cortes (com a denominação de samba) e por Laís Areda (como maxixe). Tal imprecisão, aliás, é típica desse período, quando as características dos gêneros musicais populares ainda estão se delineando no Brasil. Em versos cheios de espirituosidade, o cançonetista descreve a "baianinha faceira / Toda dengosa e gentil", ressaltando sua sensualidade ("Tem um teto requebrado / E um quadril ondulante").
O gosto pela cançoneta francesa, gênero que costuma comentar o cotidiano por meio de chistes e double-sens, também transparece em suas composições. É o caso de Miss Brasil, paródia do famoso Pelo Telefone, gravado por Alfredo Albuquerque em 1929. A letra satiriza o concurso de Miss Brasil promovido pelo jornal A Noite:
"O chefe da folia por um cabograma mandou me avisar
Que o carioca já tem um motivo pro tempo passar
O jornal A Noite lançou um concurso em que os leitores fiam
Para entre as patrícias ver qual é que pode ser Miss Brasil
Ai, ai, ai!
Se essa ideia feliz assim não me logra
Ai, ai, ai!
Vencedora certa será minha sogra".
Como intérprete, o chansonnier De Chocolat destaca-se pelas interpretações brejeiras e maliciosas, entremeadas por quadrinhas satíricas e monólogos versejados de improviso, em que retrata tipos e costumes brasileiros. Com sua grande capacidade de granjear aplausos e risos da plateia, marca época nos palcos do Rio de Janeiro da primeira metade do século XX.
Nota
1 Também conhecida como "moda negra", a negrofilia é a tendência, observada na Europa do pós-Primeira Guerra, de valorizar tudo o que viesse da África, desde amuletos, máscaras e rituais xamânicos até o jazz norte-americano, identificado com o "primitivismo" africano. Essa tendência "refletia a mudança de status dos negros em relação aos brancos, a qual sugeria que eles poderiam recuperar e revitalizar a cultura europeia. Havia também uma preocupação particular com a autenticidade cultural negra. De modo turvo e ingênuo, achava-se que quanto mais próximo estivesse de sua origem africana, maior o seu poder e sua força". (ARCHER-STRAW, Petrine. Negrophilia. Avant-Garde Paris and Black Culture in the 1920s. Londres: Thames & Hudson, 2000. p. 94.)
Espetáculos 7
Fontes de pesquisa 4
- BARROS, Orlando de. Corações De Chocolat. A história da Companhia Negra de Revistas (1926-27). Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2005.
- De Chocolat. In: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: www.dicionariompb.com.br/de-chocolat. Acesso em: 28 ago. 2011.
- GOMES, Tiago de Melo. Um espelho no palco: identidades sociais e massificação da cultura no teatro de revista dos anos 1920. Campinas: Ed. da Unicamp, 2004.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
DE Chocolat.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa429656/de-chocolat. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7