João Cândido da Silva
Texto
João Cândido da Silva (Campo Belo, Minas Gerais, 1933), pintor, escultor. A produção pictórica do artista costuma ser identificada pelo uso de uma paleta de cores alegre e pela temática voltada, em especial, para os festejos populares.
Nascido em Campo Belo, Minas Gerais, filho de um trabalhador de estrada de ferro, responsável pela instalação dos dormentes das linhas de trem, e de Dona Maria, bordadeira e lavadeira, João Cândido se transfere com a família para São Paulo, em busca de melhores condições de vida, no início da década de 1940. A mãe, além da costura e das tarefas de dona-de-casa, faz bonecos e pinta. Já João Cândido, desde menino demonstra interesse pelas artes, desenhando com carvão pelas paredes. Para melhor administrar o impulso criativo do filho, Dona Maria disponibiliza alguns materiais de pintura ao menino, como restos de tinta e pincéis velhos e, a partir daí, João Candido começa a desenvolver suas primeiras experiências em pintura. Um entre os dezoito filhos de Dona Maria, muitos deles dedicados às artes plásticas, João Cândido é irmão da pintora Maria Auxiliadora da Silva (1935-1974)1, integrante mais reconhecida da família no campo da Arte. Ainda que João Cândido e os irmãos tenham o hábito de pintar, incentivados pelo exemplo da mãe, é apenas em meados da década de 1960, a partir do contato com Solano Trindade (1908-1974)2, responsável por abrir para a família Silva as portas do Embú das Artes3, que João Cândido e seus irmãos passam a encarar a pintura como ofício. Trabalhando no setor de serraria de uma fábrica de tacos por muitos anos e, posteriormente, como motorista da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, somente após a aposentadoria o artista passa a se dedicar integralmente à pintura.
Dançarino de moçambique4, na infância, e um dos fundadores da Escola de Samba Unidos do Peruche5, João Cândido traz para as telas a vivência nos espaços ligados à música e às festas populares, apresentando um universo ligado à cultura afro-brasileira. Seus quadros retratam rodas de samba, festas de bumba meu boi, carnaval, folia de reis, rodas de capoeira, serestas e toda sorte de batuques; o futebol; vistas da cidade e dos bairros do subúrbio; imagens religiosas e cenas do cotidiano. Ainda que a pintura seja a técnica mais recorrente utilizada por João Cândido, na qual ele produz com tinta óleo e acrílica, o artista é também escultor, trabalhando com madeira, papel e arame, entre outros materiais. O trabalho como escultor pode ser associado à ancestralidade do artista, cujo avô materno é entalhador de carroças em Sorocaba, Minas Gerais.
A produção em madeira de João Cândido inclui pilões, conjuntos escultóricos sobre a vida de São Francisco de Assis e reproduções de igrejas, cuidadosamente detalhadas. No que diz respeito à linguagem pictórica, cabe notar que a usual associação do artista ao campo da arte naïf, feita por alguns curadores e críticos, parece estar mais ligada à uma questão sócio-econômica do que expressiva. Isso porque, embora seja um artista autodidata, João Cândido não pinta de acordo com as características frequentemente associadas ao naïf, fazendo uso da perspectiva na composição das paisagens e respeitando as proporções das personagens, na relação entre elas e com o espaço em que estão inseridas.
Em Samba, tela doada ao Acervo Artístico do Parlamento Paulista, o espaço da tela é totalmente ocupado por uma profusão de pessoas que cantam enquanto observam os músicos. A escolha das cores, que combina roxos, azuis e verdes com vermelhos, laranjas e amarelos, gera uma vibração que enfatiza o espírito de festa retratado na imagem. Os corpos e objetos, coloridos com essa paleta vibrante, recebem um contorno em preto que define e destaca as personagens. O volume é dado por uma iluminação lateral, representada pelo uso do branco e o gênero das personagens é indicado, principalmente, pelo uso do chapéu de palha nos homens.
Além da pintura e da escultura, os dotes artísticos de João Cândido se manifestam também por meio de outros suportes e mídias. Em 1976, cria e produz o carro abre-alas para o Grêmio Recreativo Escola de Samba Vai-Vai, ano em que a escola conquista o vice-campeonato. E em 1978, cria a ilustração para a capa do disco “No Choro”, de Dilermano Reis (1916-1977), lançado pela gravadora Continental. Dentre as inúmeras exposições coletivas e individuais realizadas desde 1970, se destacam a participação na 1ª Mostra Coletiva da Cultura Negra, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), em 1973, e na 2ª Bienal Brasileira de Arte Naif, realizada pelo Sesc Piracicaba, em 1994. Os principais espaços de exposição e venda do trabalho do artista ao longo de sua trajetória, no entanto, são a Feira de Arte de Embu das Artes e a Praça da República, em São Paulo, espaços abertos aos artistas que não encontram receptividade para seus trabalhos nos museus e galerias do circuito oficial.
Sem receber educação formal para as Artes, João Cândido da Silva, de origem humilde e descendente de escravizados, desenvolve uma produção que registra a cultura negra por meio da representação de cenas da cultura popular, em especial as festas e o samba. Com uma trajetória distante dos artistas canonizados pela história da arte, e num ambiente artístico dominado por uma perspectiva eurocêntrica e elitista, o trabalho de João Cândido pode ser tomado como uma manifestação de resistência.
Notas
1. Maria Auxiliadora da Silva é uma pintora brasileira identificada pela crítica como uma artista naïf. A produção da pintora retrata seu cotidiano e o dia a dia de familiares no subúrbio de São Paulo, em especial nos bairros de Brasilândia e Casa Verde, abordando também temas ligados à cultura afro-brasileira. Após sua morte precoce como consequência de um câncer, o MASP realiza uma individual da artista, em 1981. Em 2018, ano dedicado às Histórias Afro-atlânticas no mesmo MASP, se realiza uma segunda exposição individual da artista no museu.
2. Solano Trindade, poeta, pintor, ator, teatrólogo, cineasta, militante do Movimento Negro e do Partido Comunista. Nascido no Recife, se muda para o Rio de Janeiro na década de 1940 e, no final dos anos de 1950, para São Paulo, onde se estabelece na cidade de Embú. Fundador do Teatro Popular Brasileiro (TBN) e do grupo de dança Brasiliana, entre 1961 e 1970, vive em Embu das Artes, promovendo de modo significativo as atividades culturais da região.
3. Embú da Artes é um município na região de Itapecerica da Serra, em São Paulo. Originalmente chamado apenas Embu, o nome do município é alterado, em 2009, por conta da Feira de Artes que se realiza na cidade desde o fim dos anos de 1960.
4. Moçambique é uma dança popular que ocorre nas festas religiosas do Divino e na Folia de Reis, na qual um cortejo percorre as ruas cantando e dançando com instrumentos de percussão, de cordas e guizos presos aos tornozelos.
5. A Escola de Samba Sociedade Esportiva Recreativa Beneficente Unidos do Parque Peruche é fundada em 4 de janeiro de 1957 por João Candido Silva e Carlos Alberto Caetano, o Carlão. Suas cores são verde, amarelo, azul e branco, como a bandeira do Brasil. Além da administração da escola, João Candido fabrica os instrumentos de percussão e participa da bateria como ritmista, tocando contra-surdo.
Exposições 5
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6/5/1994 - 5/6/1994
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6/8/2022 - 25/9/2022
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17/11/2023 - 2/4/2022
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3/5/2024 - 27/10/2024
Fontes de pesquisa 7
- ARTE negra / raízes. São Paulo: Paço das Artes, 1981.
- BIENAL NAÏFS DO BRASIL (2. : 1994 : Piracicaba, SP). Bienal Brasileira de Arte Naif. Piracicaba: Sesc, 1994.
- D'AMBROSIO, Oscar. João Cândido da Silva. Disponível em: http://oscardambrosio.com.br/artistas/599/joao-candido-da-silva. Acesso em: 22 set. 2022.
- HISTÓRIAS Afro-atlânticas. São Paulo: Masp, 2018. Exposição realizada no período de 29 jun. a 21 out. 2018. Disponível em: https://masp.org.br/exposicoes/historias-afro-atlanticas. Acesso em: 23 set. 2022.
- MASSARANI, Emanuel von Lauenstein. Impregnadas de bucólica poesia, as obras de João Cândido da Silva transbordam felicidade.Assembleia Legislativa de São Paulo. 22 maio 2003. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=270524. Acesso em: 22 set. 2022.
- MUSEU AFRO BRASIL. Solano Trindade. http://www.museuafrobrasil.org.br/pesquisa/história-e-memória/historia-e-memoria/2014/12/30/solano-trindade. Acesso em: 23 set. 2022.
- MUSEU de Arte de São Paulo. Maria Auxiliadora: vida cotidiana, pintura e resistência, 2018. Disponível em: https://masp.org.br/busca?search=maria+auxiliadora. Acesso em: 22 set. 2022
Como citar
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JOÃO Cândido da Silva.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa276906/joao-candido-da-silva. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7