Ironides Rodrigues
Texto
Ironides Rodrigues (Uberlândia, Minas Gerais, 1923 – local não definido, 1987). Ator, dramaturgo, crítico, escritor. Intelectual, ativista com ampla formação cultural, valoriza a intelectualidade negra em trabalhos realizados com o Teatro Experimental do Negro (TEN) e em diversas publicações culturais brasileiras.
Nasce em uma família formada pela mãe, trabalhadora doméstica e lavadeira, o pai, motorista, que abandona a casa, e os irmãos Almiro e José (falecido precocemente). Sobre a infância, afirma: “Tenho o preconceito racial na carne”1. Por isso, embrenha-se no ativismo antirracista ainda jovem e funda, com o amigo Francisco Pinto, irmão de Grande Otelo (1915-1993), o jornal A Raça, no qual discutem modos de combater a miséria econômica e cultural da população negra por meio da educação.
Aos 21 anos, muda-se para o Rio de Janeiro para continuar seus estudos. Trabalha como garçom, lanterninha de cinema e bilheteiro e, em algumas ocasiões, dorme nas ruas por falta de recursos. O conhecimento da língua francesa permite que se torne professor particular da filha da dona da pensão onde faz faxinas. Apesar da insegurança econômica, estuda em instituições de ensino de elite. Gradua-se em direito pela Faculdade Nacional do Rio de Janeiro três décadas após ingressar no curso, já em 1974.
Nesse entremeio, leciona português, literatura, francês e latim, entre outros temas. “Estudei tanto essas disciplinas que acabei por lhes conhecer o mais íntimo conteúdo, pois os cursos que consegui fazer deram-me uma ampla visão de cultura geral que muito me ajudou no meu ganha-pão cotidiano”, conta2. Interessa-se especialmente pela poesia negra do movimento cultural estadunidense Harlem Renaissance, que emergiu nos anos 1920.
Torna-se colaborador do TEN desde o início do grupo, em 1944, assumindo funções de direção e organização, além de ministrar aulas de alfabetização, história do teatro e cultura geral. Também produz textos e traduções – inclusive a tradução do ensaio de Jean-Paul Sartre (1905-1980) sobre o espetáculo Orfeu Negro – para o jornal Quilombo, que havia fundado em companhia de Abdias Nascimento (1914-2011), Sebastião Rodrigues Alves (1913-1985) e Aguinaldo Camargo (1918-1952) em 1948.
Compreende o TEN como um poderoso veículo de educação popular e, para isso, atua politicamente na organização de eventos como a Convenção Nacional do Negro Brasileiro (1946) e do 1º Congresso do Negro Brasileiro (1950), onde apresenta a tese Estética e negritude, gerando “calorosas discussões”3.
Pioneiro pensador da sociedade brasileira nas décadas de 1950 e 1970, contribui com a incorporação do conceito de “negritude”, cunhado em 1939 pelo poeta martinicano Aimé Césaire (1913-2008). Dialoga ativamente com o movimento negro francófono apresentado na revista Présence Africaine, que publica textos sobre o pensamento de intelectuais negros de diversos continentes, e, por sua atuação, recebe a alcunha de Paladino da Negritude.
Com a geração do TEN, efetiva um debate intelectual sobre as trocas culturais entre a África e as diásporas negras, num momento em que essas questões são ignoradas pela maior parte da sociedade brasileira. “Ironides defende que [...] a colonização teria roubado do negro seus costumes, religião, cultura, filosofia, em suma, sua metafísica, seu ser, tornando-o um ser vazio de referências, que o teria forçado a assimilar a metafísica do ‘homem branco’”4.
Nos anos 1950, escreve peças como Agonia do sol (1950), O auto da Constância Lena (1950) e Sinfonia da favela (1954), trazendo personagens negros ao centro da trama. O jornal A Manhã, em 1952, menciona-o como “revelação das letras teatrais do Brasil”5, embora falte fortuna crítica sobre as montagens.
Escreve críticas literárias e cinematográficas por duas décadas para o jornal A Marcha, onde convive com o líder integralista Plínio Salgado (1895-1975). Com agudeza, pontua que Machado de Assis (1839-1908) “exprimia-se como um escritor branco que não sentisse o mínimo de sangue negro correndo em seu coração”6, em oposição à admiração expressa pela observação social popular nos escritos de Lima Barreto (1881-1922).
As atividades de crítico e dramaturgo, entretanto, não garantem segurança financeira. Apesar do reconhecimento entre a militância negra e a boemia cultural carioca, um cronista do jornal A Última Hora, em 1957, afirma que Ironides “tem muitas poucas possibilidades de tornar-se um autor famoso”7.
Os entraves também derivam do preconceito com a homossexualidade, assumida em um meio social em que esse posicionamento ainda era infrequente. “A trajetória e as posições de Rodrigues ao longo de sua vida podem se mostrar por vezes ambíguas e até conflituosas: católico e conservador, ao mesmo tempo coloca-se como defensor intransigente dos homossexuais. Altamente erudito, valorizava o folclore e as tradições populares”8.
Produz escritos relevantes como Estética da negritude e Diários de um negro atuante: cadernos de Bento Ribeiro. Nas conexões entre o pensamento negro francês, afro-diaspórico e brasileiro,
Ironides Rodrigues contrapõe discursos de inferioridade e apagamento cultural, com imensa contribuição à compreensão da negritude.
Notas
1. BARBOSA, Muryatan S.; COSTA, Thayná Gonçalves dos Santos da. Negritude e pan-africanismo no pensamento social brasileiro: a trajetória de Ironides Rodrigues (1923-1987). Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 34, n. 100, 2019. p. 2. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/JyDVmNgVPKF9g9f5yBRbwty/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 6 out. 2022.
2. PREDEBON, Gabriel Soares. A trajetória e as colunas cinematográficas de Ironides Rodrigues para A Marcha (1954-1962). 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019. p. 25. Disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/8554/2/FINAL_Disserta%C3%A7%C3%A3o_Gabriel_10-04-2019_.pdf. Acesso em: 6 out. 2022.
3. IRONIDES Rodrigues. Ipeafro. Disponível em: https://ipeafro.org.br/personalidades/ironides-rodrigues/. Acesso em: 6 out. 2022.
4. BARBOSA, Muryatan S.; COSTA, Thayná Gonçalves dos Santos da. Op. cit. p. 10.
5. Ibidem. p. 4.
6. PREDEBON, Gabriel Soares. Op. cit. p. 30.
7. BARBOSA, Muryatan S.; COSTA, Thayná Gonçalves dos Santos da. Op. cit. p. 4.
8. PREDEBON, Gabriel Soares. Op. cit. p. 32.
Espetáculos 3
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0/0/0 - 0/0/1950
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Fontes de pesquisa 5
- BARBOSA, Muryatan S.; COSTA, Thayná Gonçalves dos Santos da. NEGRITUDE E PAN-AFRICANISMO NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO: A trajetória de Ironides Rodrigues (1923-1987). 2019. 21f. Artigo. Revista Brasileira de Ciências Sociais - Vol. 34 n°100. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/JyDVmNgVPKF9g9f5yBRbwty/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 27 jul. 2023.
- BARBOSA, Muryatan S.; COSTA, Thayná Gonçalves dos Santos da. NEGRITUDE E PAN-AFRICANISMO NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO: A trajetória de Ironides Rodrigues (1923-1987). 2019. 21f. Artigo. Revista Brasileira de Ciências Sociais - Vol. 34 n°100. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/JyDVmNgVPKF9g9f5yBRbwty/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 6 out. 2022.
- IPEAFRO. Peças e Espetáculos do Teatro Experimental do Negro: Fichas Técnicas. Rio de Janeiro, RJ, 2016, 15 p.
- IRONIDES Rodrigues. Ipeafro. Disponível em: https://ipeafro.org.br/personalidades/ironides-rodrigues/. Acesso em: 6 out. 2022.
- PREDEBON, Gabriel Soares. A trajetória e as colunas cinematográficas de Ironides Rodrigues para A Marcha (1954-1962). 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019. Disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/8554/2/FINAL_Disserta%C3%A7%C3%A3o_Gabriel_10-04-2019_.pdf. Acesso em: 6 out. 2022.
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IRONIDES Rodrigues.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
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Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7