Yedamaria
Texto
Yeda Maria Correia de Oliveira (Salvador, Bahia, 1932 – Idem, 2016). Artista visual, professora. As pinturas, gravuras e colagens de Yêdamaria são povoadas por embarcações de saveiros, sereias, Iemanjás e naturezas-mortas que compõem figurações do cotidiano, abordadas com um profundo lirismo, atento às questões da abstração, da nova figuração e da visualidade popular.
Depois de se formar no Instituto Normal da Bahia em 1951, Yêdamaria ingressa no curso de artes visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (EBA-UFBA), que conclui em 1959. Prossegue aprofundando seus estudos em gravura na Escolinha de Artes do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1962. De volta à Bahia no mesmo ano, frequenta as aulas do gravador Henrique Oswald (1918-1965), então professor da EBA-UFBA.
Ainda durante a graduação, recebe menção honrosa no Salão Baiano de Artes Plásticas de 1956 com a marinha Barcos da Água de Meninos, cujas pinceladas horizontais, fortes e alargadas, ritmadas pela verticalidade dos mastros, dão ao pequeno quadro uma sensação de expansão. Já as pinturas do início dos anos 1960 assumem uma planaridade mais acentuada em barcos quase abstratos que ocupam toda a composição, reduzindo o fundo a uma paisagem sumária. Yêdamaria faz do tema dos barcos um encontro com a geometria singela da cidade, mas numa estrutura compositiva que muitas vezes se aproxima da linguagem da natureza-morta, sobretudo quando justapõe elementos de escalas diferentes, como em Barco com Frutas (1963), que remete aos pequenos barcos de oferendas a Iemanjá que enfeitam os mares nas comemorações de 2 de fevereiro. Aos poucos, o contorno vai se tornando mais aparente, enquanto a pincelada suaviza e as embarcações de saveiros fundem-se às fachadas das casas, gerando tensão entre figuração e abstração. Tais experimentações chamam a atenção da arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992), que em 1964 realiza uma exposição de Yêdamaria no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA).
Em fins da década de 1960, a geometrização sutil divide espaço com a sinuosidade das sereias e Iemanjás, que num primeiro momento se misturam à paisagem marinha, e, a seguir, estruturam toda a composição. Yemanjá com Luz (1972), assume uma simplicidade similar aos riscos dos ícones religiosos. Ao mesmo tempo, essa imediatez do desenho dialoga com as novas figurações pictóricas, relação que se torna evidente quando a artista insere uma fotografia de Martin Luther King (1929-1968) no ventre da figura, ou fotografias de duas mulheres de etnias diferentes em Yemanjá Todos Iguais (1972). As obras unem ancestralidade africana e debates do mundo contemporâneo. As simetrias dessa geometria singela são também afirmação de igualdade racial.
Esse repertório é exposto em 1975 em um espaço cultural no Rio Vermelho, Salvador, ponto de encontro de pescadores. A convite da comunidade, produz a oferenda principal da celebração de Iemanjá de 2 de fevereiro de 1976, uma sereia em gesso. O tema retorna no grande painel em Homenagem a Dois de Fevereiro (1995), com embarcações de oferendas em torno da grande sereia, cuja cauda é repleta de retratos multiétnicos.
Desde 1972, leciona desenho e gravura na Universidade Federal da Bahia, e é a primeira estudante negra a receber bolsa de intercâmbio da EBA-UFBA para realizar seu mestrado na Art Studio da Universidade Estadual de Illinois, nos Estados Unidos, em 1979. No período, amplia seu repertório técnico e, mesmo quando desencorajada a explorar a iconografia de Iemanjá, considerada primitiva por seus professores americanos, persiste introduzindo-a discretamente na série de colagens e pinturas de cabeças de fisionomias fortes e de impressionante força tectônica, algumas delas incorporadas ao acervo da Universidade de Illinois. Nos anos 1980, começa a lhe interessar o apelo sensorial dos alimentos populares americanos, que depois são substituídos por elementos tropicais.
Em 1991, uma mostra retrospectiva de Yêdamaria é realizada na Universidade Northridge, da Califórnia, e em 1999 é a única artista brasileira na exposição International Print Portfolio, em Durban, na África do Sul, em comemoração à Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde apresenta a gravura For a Human World (1999), na qual as diversas gradações da água-tinta compõem a multiplicidade étnica das figuras ao redor de um globo. O Museu Afro Brasil realiza uma retrospectiva de sua obra em 2005, com curadoria de Emanoel Araújo (1940).
Os elementos que compõem a mesa e seus rituais cotidianos atraem a atenção de Yêdamaria. Além de trazerem algo do capricho de sua casa de infância, essas formas conferem diferentes possibilidades para alcançar equilíbrios tênues em arranjos ligeiramente assimétricos, vazados por áreas de grande luminosidade. Em Mesa Festiva (1998), predomina o amarelo terroso, tema da cadeira popular em primeiro plano. Todos os objetos são ornamentos, e, no contexto de uma cultura visual de raiz barroca, trazem consigo a memória do trabalho material. Essas pinturas estimulam a pergunta: quem sentará e desfrutará dessas mesas? Reunião de todas as cores e formas, a mesa posta pode congregar e apaziguar os conflitos? Mais que naturezas mortas, elas constroem ambientes completos e suas atmosferas imemoriais.
As composições de Yêdamaria tratam das superfícies do cotidiano, e, assim como nas vertentes nascidas da pop art, suas superfícies não são vazias, mas sim trabalhadas pelo homem, são os espaços de sua afetividade. A elegância das relações entre cores e formas impregna os objetos num lirismo que os destaca da realidade.
Exposições 13
Fontes de pesquisa 12
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- YÊDAMARIA. Yêdamaria. São Paulo: Museu Afro Brasil, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.
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YEDAMARIA.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa267833/yedamaria. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7