Michel Arnoult
Texto
Biografia
Michel Arnoult (Paris, França, 1922 - São Paulo, SP, 2005). Designer e arquiteto. Aos 20 anos de idade, na França ocupada pela Alemanha nazista, Arnoult é obrigado a trabalhar como faxineiro em uma fábrica de móveis ao Norte da Bavária, perto da cidade de Würtzburg. Por falar alemão, também opera máquinas e tem sua primeira experiência com confecção mobiliária e seleção de corte de madeiras. Ao voltar para a França, em 1945, estuda no centro Artístico Técnico da Escola Camondo e estagia um ano com o designer Marcel Gascoin (1907-1986), precursor da mobília produzida em série. Em 1948, ganha concurso de projetista em sua escola e é contratado pela Block & Cia., na Cidade do México. No ano seguinte, trabalha na Arquidec, na Venezuela, com objetivo de juntar dinheiro e voltar para a França.
Ao passar pelo Rio de Janeiro, em 1950, decide ficar no Brasil. Trabalha no escritório do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) e cursa, de 1951 a 1955, arquitetura na Faculdade Nacional. No escritório, conhece figuras como o político Juscelino Kubitscheck (1902-1976), o humorista Barão de Itararé (1895-1971) e o pintor Candido Portinari (1903-1962). Após numerosas tentativas de vender projetos de mobília para indústrias brasileiras, decide montar seu próprio negócio. Junto com os amigos Abel de Barros Lima e Norman Westwater, convence uma marcenaria de Curitiba a confeccionar seus móveis. Com o sucesso de vendas, os três abrem a Mobília Contemporânea nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, em 1954. Com a crise econômica, a empresa é fechada em 1974.
Dois anos depois, Michel Arnoult funda a Senta, empresa de móveis estofados e desmontáveis para exportação que funciona durante sete anos. Em 1983, abre com Joaquim Mello o escritório Arnoult & Mello – Desenho Industrial e Arquitetônico. Desde o fechamento da Senta, Arnoult realiza projetos autônomos e faz prioritariamente desenhos de móveis populares. Ele vende seus projetos de móveis para fábricas do Sul e do interior de São Paulo e também trabalha como consultor da loja Tok&Stok, que é aberta no Brasil no fim da década de 1970. Defensor e entusiasta do eucalipto, projeta móveis dessa madeira para países estrangeiros. No fim da década de 1990, é convidado pelo governo do Distrito Federal a melhorar a produção das pequenas fábricas da periferia de Brasília. Em 2003, sua poltrona Pelicano recebe o primeiro lugar do prêmio Design do Museu da Casa Brasileira (MCB). Hoje, ela é fabricada pela loja Objekto, na Europa, e pela Futon and Company, em São Paulo.
Comentário crítico
Precursor dos móveis componíveis no Brasil, Arnoult contribui não apenas com desenhos de mobília moderna, mas também com tentativas de implantar em solo brasileiro um modelo diverso de produção, venda e consumo de mobiliário.
A experiência de Arnoult com móveis produzidos em série se inicia em Paris, em 1945, quando estagia com o designer francês Marcel Gascoin. Apesar de seu primeiro trabalho no Brasil ser no escritório do arquiteto Oscar Niemeyer, Arnoult, que se denomina “arquitetófilo”, tem grande interesse no design de móveis. Após consecutivas tentativas mal-sucedidas de vender seus projetos a fábricas brasileiras, convence um marceneiro de Curitiba a executar alguns de seus desenhos. A facilidade com que suas peças são vendidas o leva a abrir, em 1954, a Mobília Contemporânea.
A loja traz mudança significativa no varejo de móveis. Se na década de 1950 a arquitetura moderna já está consolidada no Brasil, o mesmo não ocorre com o design. Os móveis modernos, vendidos em lojas como a do arquiteto português Joaquim Tenreiro (1906-1992), a Unilabor e a Branco & Preto, são destinados ao público de maior poder aquisitivo. Com a abertura da Mobília Contemporânea, as classes médias carioca e paulista passam a montar suas casas e escritórios com móveis projetados por Arnoult. Feitos de madeira maciça, com desenho simples e racional, despojados de ornamentos, os móveis são transportados para casa e montados pelos próprios compradores – que encontram nos produtos oferecidos pela empresa uma alternativa de gosto ao que é vendido nas lojas de móveis. Pouco tempo após sua inauguração, surgem lojas como a Oca, do arquiteto Sérgio Rodrigues (1927), a Hobjeto, do artista plástico e designer Geraldo Barros (1923-1998) e a Mobilínea, do designer italiano Ernesto Hauner (1931-2002).
Dentre a produção da empresa se destaca a estante Peg Lev, que faz parte de linha de móveis homônima, e a poltrona Ouro Preto. De porte leve, com pés torneados e braços compridos, ela tem estofamento fino sustentado por percintas de borracha. Quando o fornecedor das percintas para de fabricá-las, Arnoult soluciona o problema substituindo o material por fios de náilon. Feita de imbuia, a peça recebe, no início da década de 1970, uma versão com braços torneados e madeira laqueada em branco. A poltrona é bom exemplo do que o designer define como “conforto duro”, termo com o qual descreve seus móveis, opondo-se às poltronas e aos sofás estofados, nos quais o usuário é convidado a sentar de forma esparramada. Ao fazer móveis que seguem preceitos modernos, Arnoult concebe um conforto que sugere postura mais ereta e ativa do corpo.
Embora seus negócios tenham êxito, em 1974 a Mobília Contemporânea é fechada. Além da crise econômica de 1973, a resistência ao modelo proposto por Arnoult explica a queda de vendas da empresa. A concepção de móveis montados pelos próprios compradores é pouco aceita em um país no qual o trabalho manual é distintivo de classes sociais mais baixas. Ela só passa a ser melhor vista com a chegada da loja Tok&Stok no Brasil.
Mesmo após o fechamento da Mobília Contemporânea, Michel Arnoult segue com seus projetos, sem abrir mão dos seus princípios. Na Senta e nos trabalhos como autônomo que realiza, sobretudo a partir da década de 1980, não faz concessões a encomendas de móveis com peças meramente decorativas, que encarecem o produto. Sua crítica aos preços de móveis se dirige também às lojas que vendem peças com valores muito superiores aos das fábricas. Defensor de preço justo, Michel emprega a expressão francesa “en avoir pour son argent” [estar satisfeito pelo valor pago]. Bom exemplo disso é a cadeira que desenvolve para exportação na década de 1990. Sem pretensão de originalidade estética, a cadeira é simples: ortogonal, com assento ripado ou estofado e composta de sarrafos de eucalipto. A inovação de Arnoult está no uso dessa madeira de reflorestamento como matéria-prima da peça. Enquanto na Europa o metro cúbico do eucalipto demora de 15 a 30 anos para crescer, no Brasil esse tempo é de apenas 6 anos. Entusiasta da madeira maciça e crítico dos compensados, Arnoult enxerga nela a possibilidade de produção do mobiliário brasileiro com preços competitivos no mercado.
Nos anos de 1996 e 1997, o designer participa do Programa de Implantação de Núcleos Tecnológicos, em Brasília. A iniciativa do Instituto de Ciência e Tecnologia do Distrito Federal pretende capacitar empreendedores a fim de torná-los aptos a competir com grandes empresas e gerar mais emprego. Convidado pelo governo do Distrito Federal, Arnoult oferece consultorias a empresas de pequeno e médio porte. Além de capacitar as fábricas para produção seriada de móveis, diminuindo seus custos e aumentando a qualidade dos seus produtos, Arnoult desenha uma linha de móveis para casas. Dela fazem parte a poltrona de balanço e a mesa de jantar, cujos assentos podem ser cadeiras, bancos individuais ou bancos coletivos.
A historiadora Ethel Leon (1951) caracteriza Arnoult como um “designer convicto que se tornou empresário apenas para pôr em prática ideias que os industriais não compravam”¹. Ao comentar a contribuição de Arnoult, cuja produção lançou novos conceitos de mobília no Brasil, o arquiteto e designer João Carlos Cauduro (1935) afirma que “ele estava dez a quinze anos à frente do que acontecia aqui”².
Fonte de pesquisa
¹ LEON, Ethel. Memórias do design brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2009.
² Idem.
Obras 1
Fontes de pesquisa 5
- ARNOULT, Annick. Entrevista sobre Michel Arnoult feita por Natália Leon Nunes. São Paulo, 24 nov. 2012.
- BERGMAN NETO, Luiz. Michel Arnoult, design e industrialização de móveis. [Filmevídeo] Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1995. 37 min, color., son. Disponível em: http://www.fau.usp.br/intermeios/pagina.php?id=38. Acesso em: 23 nov. 2012.
- LEON, Ethel. Design brasileiro: quem fez, quem faz. Rio de Janeiro: Viana & Mosley, 2005.
- LEON, Ethel. Michel Arnoult. O estrategista da produção seriada. In: LEON, Ethel. Memórias do design brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2009. p. 125-141.
- POPPOVIC, Pedro Paulo. Entrevista sobre Michel Arnoult feita por Natália Leon Nunes. São Paulo, set. 2013.
Como citar
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MICHEL Arnoult.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa26207/michel-arnoult. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7