Estante Peg Lev
Texto
Feita em 1968 pelas empresas Mobília Contemporânea e Abril Cultural, a estante Peg Lev é desenhada para comportar os livros das Coleções Abril, lançados na década de 1960. Idealizada pelo jornalista e editor Pedro Paulo Poppovic (1928) e projetada pelo designer francês Michel Arnoult (1922-2005), a estante desmontável faz parte da linha Peg Lev: móveis simples, com preços acessíveis, montados pelos compradores em suas casas. Anunciada em revistas da Editora Abril e vendida nas lojas da Mobília Contemporânea, pelos Correios ou em bancas de jornal, a estante surge em uma década de crescimento acelerado do consumo e da indústria cultural no Brasil.
O ano de 1968 marca a mudança na política brasileira, com o decreto do AI-5 e o acirramento das políticas da ditadura militar, e as transformações econômicas no país. Se, na década de 1950, o país passa pelo sonho da modernização com as políticas do governo de Juscelino Kubitschek (1902-1976), com o a ditadura militar há a consolidação do chamado “capitalismo tardio”. As medidas do governo JK são aprofundadas, o capital internacionaliza-se, a população cresce, as cidades verticalizam-se, a variedade de profissões aumenta e há o boom do consumo das novas classes ascendentes. Paralelamente às medidas repressoras do Estado, há intervenções no campo da cultura, que incentivam o crescimento de áreas como o teatro, o cinema e o mercado editorial. No caso deste último, destaca-se a Editora Abril, existente desde a década de 1950. A partir da década de 1960, a editora amplia seu leque de revistas especializadas (como Quatro Rodas e Claudia) e passa a publicar fascículos voltados a públicos diversificados. Pensadas por Poppovic, as coleções Cursivo da Natureza, Os Pensadores e Conhecer têm por objetivo divulgar e popularizar o conhecimento. Na coleção dos Os Pensadores, clássicos da filosofia e da sociologia são vendidos a preços baixos.
A estante Peg Lev insere-se nessas transformações econômicas e culturais do país. O conceito Peg Lev já existe na empresa Mobília Contemporânea antes de sua parceria com a Abril Cultural e inspira-se na fábrica Ikea. Fundada em 1958, a empresa sueca vende móveis que são transportados e montados pelos próprios consumidores, processo que barateia os preços. Pensada para comportar as coleções dos fascículos lançados pela editora, tem preço mais acessível do que outros móveis vendidos na época: varia de 68 cruzeiros novos – quando a madeira usada é de pinho – a 79 cruzeiros novos – quando a madeira é de imbuia. Há também a estante MC produzida com madeira de jacarandá, anunciada nas revistas como a versão luxo e vendida nas lojas da empresa. Na propaganda impressa, há o anúncio das caixas 1 (com prateleiras que aumentam a estante verticalmente) e 2 (com prateleiras que aumentam a estante horizontalmente e dispensam a aquisição de uma das laterais para o aumento do móvel), a 62 cruzeiros novos.
Inicialmente fabricada com madeira seca, a estante é vendida em caixa com as instruções de montagem. Composta por pinos, travessas de encosto, montantes e prateleiras, a Peg Lev dispensa uso de ferramentas na montagem. Com o fim do estoque da madeira original, o móvel passa a ser fabricado com madeira de reflorestamento.
Michel Arnoult funda, em 1954, junto com os arquitetos Abel de Barros Lima e Norman Westwater, a Mobília Contemporânea. Voltada para consumidores de classe média, a loja oferece móveis simples e de feição moderna. Uma novidade é a linha Peg Lev: os próprios compradores montam a mobília em suas casas. Fazendo uso de madeira, material que Michel Arnoult chama de “conforto duro”, a fábrica oferece nova possibilidade de consumo no país. A inauguração da Mobília Contemporânea é seguida de aberturas de empresas semelhantes, como Oca, de Sérgio Rodrigues (1927-2014), Hobjeto, de Geraldo Barros (1923-1998), Arredamento, Móveis Celina etc. A concorrência é vista com bons olhos por Michel, que a encara como ampliação da possibilidade de consumo para classes que não detêm tanto poder aquisitivo. A Mobília Contemporânea é fechada em 1974. A linha Peg Lev, no entanto, ainda é produzida pela Senta, empresa fundada pelo designer em 1976 e na qual ele permanece até 1988.
Entusiasta da madeira e defensor do uso do eucalipto no Brasil – país em que o crescimento da espécie é muito mais rápido do que nos Estados Unidos ou na Europa –, Michel aposta na possibilidade da fabricação de móveis brasileiros que possam competir no mercado externo. A partir da experiência que adquire fora do país, traz para o Brasil os móveis desmontáveis e uma nova forma de comercializar o mobiliário. A resistência a esse modelo surge nas fábricas, que precisam mudar sua forma de organização para que os projetos de Michel deem certo,e nas grandes lojas, que temem a não aceitação dos clientes de móveis modernos e desmontáveis. Esse conceito de mobiliário passa a ser mais aceito com a Tok & Stok no Brasil, rede de lojas de móveis e decoração que também trabalha com a proposta de desmontáveis. Para o arquiteto e designer João Carlos Cauduro (1935), “A Mobília Contemporânea lançou novos conceitos”. Ao falar das ideias trazidas ao país por Michel Arnoult, ele afirma que “o mercado brasileiro não estava preparado para Michel Arnoult (...)”1.
Nota:
1. LEON, Ethel. Michel Arnoult: o estrategista da produção seriada. In: LEON, Ethel. Memórias do design brasileiro. São Paulo: Senac, 2009. p. 139.
Fontes de pesquisa 4
- ARNOULT, Annick. Entrevista sobre Michel Arnoult feita por Natália Leon Nunes. São Paulo, 24 nov. 2012.
- ARNOULT, MICHEL. design e industrialização de móveis. Entrevista a Yvonne Mautner. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1995. Vídeo (37 min.), son., color. Disponível em: http://www.fau.usp.br/intermeios/pagina.php?id=38. Acesso em: 23 nov. 2012
- LEON, Ethel. Michel Arnoult: o estrategista da produção seriada. In: LEON, Ethel. Memórias do design brasileiro. São Paulo: Senac, 2009. p. 125-141.
- ORTIZ, Renato. O mercado dos bens simbólicos. In: ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 2006.
Como citar
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ESTANTE Peg Lev.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra69272/estante-peg-lev. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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