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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Raduan Nassar

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 04.06.2024
27.11.1935 Brasil / São Paulo / Pindorama
Coleção Brasiliana Itaú / Reprodução Fotográfica Horst Merkel

Lavoura Arcaica, 1975
Raduan Nassar

Raduan Nassar (Pindorama, São Paulo, 1935). Escritor. Criador de um universo literário que retrata, por meio de um romance, uma novela e diversos contos, o peso da tradição cristã, do patriarcado, do trabalho e das relações familiares sobre o indivíduo. Sua obra mais conhecida é Lavoura arcaica (1975).

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Raduan Nassar (Pindorama, São Paulo, 1935). Escritor. Criador de um universo literário que retrata, por meio de um romance, uma novela e diversos contos, o peso da tradição cristã, do patriarcado, do trabalho e das relações familiares sobre o indivíduo. Sua obra mais conhecida é Lavoura arcaica (1975).

É autor de uma obra engajada – resultado do desejo de promover consciência política contra o autoritarismo dos tempos da ditadura militar (1964-1984)1 –, que também investiga como aspectos sociais determinam a constituição das relações afetivas.

Filho de um casal de libaneses, inicia os estudos primários na cidade natal, em 1943. No ano seguinte, frequenta assiduamente a igreja católica, tornando-se coroinha. 

Começa o ginásio em Catanduva, cidade do interior de São Paulo, e termina os estudos no Instituto de Educação Fernão Dias Pais, na capital paulista, onde sua família passa a morar em 1953. Em 1955, ingressa nos cursos de direito e letras da Universidade de São Paulo (USP). Dois anos depois, transfere-se para o curso de filosofia, na mesma instituição. 

Em 1961, viaja para Canadá e Estados Unidos e se afasta temporariamente dos estudos e dos negócios da família. De volta ao Brasil, conclui o curso de filosofia, em 1963. Viaja para a Alemanha Ocidental para aprender alemão, mas retorna ao Brasil depois de tomar conhecimento do golpe militar. Antes, porém, visita a aldeia onde viveram seus pais, no Líbano. 

Em 1967, funda um jornal de bairro. No ano seguinte, inicia a leitura do Alcorão e começa a esboçar um romance. Após seis anos de elaboração, seu primeiro e grande romance, Lavoura arcaica, é publicado em 1975. Por essa obra, ganha o Prêmio Jabuti de autor revelação.

O romance recria a parábola bíblica do filho pródigo por meio do narrador-protagonista, André, que se prepara para voltar para casa. A autoridade é encarnada pelo pai, para quem é impossível viver fora do âmbito da família. “Erguer uma cerca ou guardar simplesmente o corpo, são esses os artifícios que devemos usar para impedir que as trevas de um lado invadam e contaminem a luz do outro”, diz o patriarca. O protagonista, repetidas vezes, se descreve como “escuro por dentro” devido ao desejo de romper com sua história de vida. Esse desejo se concretiza naquilo que talvez seja a maior transgressão familiar, o incesto. O amor pela irmã o leva à fuga.

A volta de André ao seio familiar, embora perturbe a ordem estabelecida, não chega a provocar mudanças. O autor retrata isso com um recurso literário: o personagem narra os eventos de seu retorno de modo conservador, respeitando os parágrafos, a pontuação e a transcrição clássica dos diálogos; no restante do romance, os capítulos têm período único, com apenas um ponto final, e são fundamentados na oralidade.

A intensidade dos conflitos é tal que até mesmo a palavra, na qual o indivíduo investe sua força, não passa de escape. Nem André, que julga o silêncio “escandaloso” e defende que “a vida se organiza desmentindo”, rompe com o discurso do pai. Lavoura arcaica, depois de todo o percurso do filho em busca da libertação familiar, termina com a transcrição de um relato ancestral.

Em 1978, o autor lança Um copo de cólera, escrita em 1970, e compra uma fazenda em Buri, município do interior de São Paulo, onde se dedica à produção rural. Nessa novela, as referências ao autoritarismo podem ser observadas na linguagem empregada pelo narrador-protagonista, que parodia lugares-comuns do discurso de resistência, e no ambiente repressivo que leva ao conflito inaugurador da trama. O livro se centra na discussão travada entre um casal cujo relacionamento, segundo palavras do narrador, é definido pela “vontade de poder misturada à volúpia de submissão”. A narrativa progressivamente reduz os personagens ao comportamento sexual e acentua a relação de dominação do homem sobre a mulher, que ironiza sua “desenvoltura de femeazinha emancipada” e a compara a um “travesti de Carnaval”, pois, apesar de privilegiada, fantasia-se de “povo”. O embate, embora anunciado desde o começo pela atmosfera de contenção e simulação de interesses e desejos, é desencadeado por um fato aparentemente banal: o protagonista descobre um buraco, cavado por formigas, na cerca viva de sua propriedade. 

Essa metáfora central não apenas ilustra como a obra de Nassar incorpora a matéria social, como também estabelece relação com Lavoura arcaica, ao refletir sobre a estrutura familiar que o fez partir. O uso de parágrafos únicos, com o fluxo da linguagem oral, também marca o estilo de linguagem desses dois trabalhos. As duas obras são adaptadas para o cinema: Um copo de cólera, em 1999; Lavoura Arcaica, em 2001. Anos depois, em 2016, o escritor ganha o prestigiado Prêmio Camões pelo conjunto da obra. 

Nas obras de Nassar, as relações pessoais reproduzem as imposições inexoráveis da sociedade. O protagonista do conto “Mãozinhas de seda” segue o caminho indicado pelo avô e sente falta de si mesmo. O sonambulismo da mulher de “Hoje de madrugada” é o correlato da insuficiência existencial, contra a qual nada podem ou desejam fazer os indivíduos: “Continuei sem dizer nada, mesmo sabendo que qualquer palavra desprezível poderia quem sabe tranquilizá-la”, afirma o marido, narrador do conto.

Raduan Nassar é um escritor de uma obra enxuta, porém marcante na forma como cria tramas de ficção nas quais relações humanas são permeadas pelo conservadorismo, pelo autoritarismo e pela força da sociedade patriarcal na vida dos personagens. A melhor tradução dessa temática está em Lavoura arcaica, seu primeiro e aclamado romance.

Notas

1. Também denominada de ditadura civil-militar por parte da historiografia com o objetivo de enfatizar a participação e apoio de setores da sociedade civil, como o empresariado e parte da imprensa, no golpe de 1964 e no regime que se instaura até o ano de 1985.

Obras 1

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Coleção Brasiliana Itaú / Reprodução Fotográfica Horst Merkel

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