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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Lavoura Arcaica

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 26.10.2021
1975
Coleção Brasiliana Itaú / Reprodução Fotográfica Horst Merkel

Lavoura Arcaica, 1975
Raduan Nassar

Lavoura Arcaica (1975), de Raduan Nassar (1935), tem lugar cativo entre os grandes romances da literatura brasileira. Apesar da dificuldade crítica de enquadrá-lo do ponto de vista estilístico e histórico, o romance tem leitores fiéis, responsáveis pelo sucesso incomum na literatura nacional, com várias edições e uma adaptação para o cinema. A p...

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Lavoura Arcaica (1975), de Raduan Nassar (1935), tem lugar cativo entre os grandes romances da literatura brasileira. Apesar da dificuldade crítica de enquadrá-lo do ponto de vista estilístico e histórico, o romance tem leitores fiéis, responsáveis pelo sucesso incomum na literatura nacional, com várias edições e uma adaptação para o cinema. A postura discreta do autor, retirado da vida literária desde 1984, não inibe o sucesso de público, de crítica e as traduções para várias línguas.

A obra é narrada em primeira pessoa e dividida em duas partes desiguais: uma longa, A Partida, em que há a apresentação e o desenvolvimento narrativos, e outra breve e conclusiva, O Retorno. Retrata a dissolução de uma família de agricultores austeros desde o ponto de vista de um de seus seis filhos, André. Trata-se de um adolescente que foge e retorna às terras familiares em meio a uma crise determinada pelo questionamento da autoridade paterna e o amor incestuoso pela irmã, Ana. Entre o presente difuso e o passado do qual emerge o drama, a narrativa começa na lembrança do quarto de pensão em que o jovem se esconde e vive dias de dissolução e licenciosidade. A chegada do irmão mais velho, Pedro, disposto a levar André de volta à família, inicia o primeiro dos dois embates que organizam a trama. A primeira parte é entremeada de recordações da vida na fazenda e registra a cisão entre a moralidade dura e discursiva do patriarca e o carinho marginal e silencioso da mãe, apresentando as razões da fuga do protagonista. Começa com uma introdução de André – sua sexualidade conturbada, contraposta aos costumes e leis da casa – e acaba com a revelação da paixão pela irmã. O horror do tabu quebrado elimina qualquer tentativa de moralização vinda de Pedro, representante dos valores do pai. Retorna, soturno, com o “filho pródigo” André para uma aparente alegria familiar. As fissuras dessa felicidade estão no segundo grande embate – o de André com seu pai, o patriarca. Nele, a “vitória” da racionalidade clara e pétrea da lei familiar contra as palavras confusas e movediças do protagonista se esvazia sob a revelação dos planos de fuga do irmão mais novo, Lula, e da dança apaixonada e sensual de Ana. Esta, irrompe na celebração do retorno de André para saudar a subversão da ordem familiar e ser morta pelo pai.

A referência à parábola do filho pródigo fundamenta a estrutura formal do enredo na palavra bíblica. Traz uma organização social patriarcal movida pelas homilias do pai à mesa com parábolas e mandamentos. Nela, tudo remete ao plano abstrato de valores morais contra o qual surge o embate ideológico: autoridade paterna versus subversão da ordem pelo direito ao desejo. As contradições inerentes ao interdito permitem inferir a luta pelo poder.  Revoltado contra a austeridade que o pai impõe ao rebanho familiar, André revela-se um sujeito igualmente cioso do poder. Este é, por exemplo, um dos caminhos de interpretação da sexualidade perturbada do protagonista, iniciada pela relação com uma cabra, a “Sudanesa”, imagem de um rebanho pacificado. A ele se contrapõe o instinto libertário de Ana, a quem quer submeter, não para libertar-se, mas para a assumir a posição dominadora do pai na família, no trabalho e na comunidade.

A manifestação da vontade de poder de André sugere uma paródia do consagrado poder patriarcal. Como o filho, impõe-se ao outro para destruí-lo. Nesse sentido, a dança sensual de Ana, vestida com os acessórios da vida dissoluta de André, pode ser interpretada não como defesa do interdito, mas libertação trágica dos extremos, o pai e o irmão, que querem dominá-la. Assim, o epílogo com a melancólica fala de André – que faz suas as palavras do pai morto – soa como uma liberdade jamais pretendida. Na condição de protagonista-narrador em primeira pessoa, para André narrar e recordar não se distinguem. Sua voz funde passado, presente e a multiplicidade das vozes narrativas da obra.

Ao tematizar a luta pelo poder e os tortuosos caminhos da liberdade, Raduan Nassar aproxima-se de um tema recorrente sem, deixar o tempo consumir sua obra na errância da mensagem. Assim, Lavoura Arcaica permanece vivo a testemunhar um olhar local, brasileiro, sobre a dimensão trágica do desejo e do poder.

Fontes de pesquisa 3

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  • MANFRINI, Bianca Ribeiro. Tragédia familiar: a formação do indivíduo burguês em obras literárias brasileiras do século XX. 2012. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
  • RODRIGUES, André Luis. Ritos da paixão em Lavoura arcaica. São Paulo: Edusp, 2006.
  • XAVIER, Ismail. A tradição da fazenda-autarquia (Lavoura Arcaica) e a dinâmica da cidade-mundo (Estorvo): desejo incestuoso e regressão em dois cenários do desastre. Nuevo mundo, mundos nuevos: questões do tempo presente (Cine, identidades e Historia en América Latina desde la democratización – Coords. Moira Cristiá e Tzvi Tal). Paris, 2010.

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