Emygdio de Barros

Sem Título, 1971
Emygdio de Barros
Óleo sobre cartolina, c.i.d.
Texto
Emygdio de Barros (Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, 1895 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1986). Pintor. Diagnosticado com esquizofrenia e com grande talento artístico, Emygdio de Barros vê sua criatividade florescer em 1940, quando participa do ateliê de práticas artísticas instalado no hospital psiquiátrico em que está internado. As telas produzidas por ele demonstram grande domínio de cor e de composição do artista, que passa a se destacar de outros internos.
As habilidades manuais de Emygdio de Barros são notadas desde a infância. Na juventude, frequenta um curso técnico de torneiro mecânico e ingressa no Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro. Pelo destacado desempenho na organização, é enviado à França para participar de curso de aperfeiçoamento. De volta ao Brasil em 1924, após sofrer um trauma emocional, para de trabalhar e começa a perambular pelas ruas. Diagnosticado com esquizofrenia ainda na década de 1920, é internado pela primeira vez no Velho Hospital da Praia Vermelha1.
No início de 1944, tem contato com a psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999), que começa a trabalhar no hospital e não compactua com os tratamentos praticados pela instituição, como eletrochoque, coma insulínico e lobotomia. Influenciada pelas teorias do psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961), de quem havia sido aluna, implementa na instituição o Setor de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (Stor), que oferece aos internos atividades artísticas, como oficina de pintura e de modelagem. O objetivo é estimular o convívio entre os pacientes, para que desenvolvam autoestima e relações mais afetivas entre eles.
Um dos assistentes do Stor é o artista Almir Mavignier (1925-2018), que conhece Barros e estabelece laços de amizade com Barros. Mavignier proíbe que revistas de arte circulem entre os internos para evitar qualquer influência externa na produção dos internos. Observando o trabalho incessante de Barros, que costuma fazer uma pintura sobre a outra, Mavignier oferece telas novas ao pintor para que ele finalize uma pintura e comece outra nova. Desse modo, orienta o artista quando uma obra está finalizada.
As primeiras pinturas de Emygdio de Barros retratam memórias e paisagens. Em pouco tempo, entretanto, começa a usar cores mais intensas, dando espaço ao inconsciente e explorando sobretudo o contraste cromático. Mario Pedrosa (1900-1981) tem contato com a obra do artista na primeira Mostra dos Internos do Centro Psiquiátrico Nacional, realizada no Ministério da Educação, em 1947. O crítico de arte analisa que o pintor realiza suas telas pela cor: "Pode-se dizer que ele pinta de perto e imagina de longe. Suas paisagens, mesmo quando ao natural, não copiam a realidade, resultando formas tiradas do local e entrelaçadas a outros elementos imaginários"2. Em Universal, de 1948, uma profusão de cores puras compõem uma paisagem em que figura e fundo se confundem.
Dois anos depois, na segunda edição da exposição, o crítico de arte convida Léon Degand (1907-1958), diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp), para conhecer os trabalhos dos internos realizados com a supervisão de Nise da Silveira. O diretor se impressiona com a produção e propõe à psiquiatra expôr as obras dos pacientes no museu paulistano.
pinturas de Barros também são selecionadas para participar da mostra 9 Artistas do Engenho de Dentro, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), em 1950, e se destacam ao lado dos desenhos de Raphael Domingues (1912-1979). Sem qualquer estudo formal de artes visuais, Barros demonstra o domínio de composição dentro dos princípios da arte moderna.
Segundo o poeta Ferreira Gullar (1930-2016), a obra do pintor expressa uma rica variação cromática: "As cores, que surgem como relâmpagos do fundo da noite – noite psíquica? –, pertencem a uma outra dimensão do imaginário. Há, em seus quadros, uma carga psíquica de tal densidade que certamente só quem, como ele, visitou outros 'estados do ser' pode revelar"3.
Um exemplo da ousadia cromática do pintor é uma obra sem título, de 1968, que retrata a cena de conversa entre duas pessoas coloridas nos tons complementares de vermelho e verde. Outra tela também sem título, de 1971, mostra uma composição com contornos bem delineados colorida em tons de azul, mas com alguns pontos em amarelo habilmente composto pelo pintor para iluminar a cena. Esse uso livre das cores faz com que as telas sejam comparadas pela crítica especializada com as do pintor francês Henri Matisse (1869-1954).
Em uma véspera de Natal, Nise da Silveira pergunta ao artista o que ele gostaria de ganhar de presente. Ele responde: um guarda-chuva. A resposta sugere à psiquiatra que ele gostaria de voltar para casa. A médica promove a venda de alguns trabalhos do artista para comprar material de pintura para que ele continue a produzir fora do hospital.
No entanto, a vida extramuros não é produtiva para o artista. Cerca de dois anos depois, ele retorna de maleta e guarda-chuva ao Engenho de Dentro e pede para ser internado novamente, pois não consegue produzir em casa. O artista vive e trabalha no hospital até completar 80 anos, quando compulsoriamente é obrigado a deixar o local e é transferido para um asilo, onde vive seus últimos anos de vida.
Notas
1. Nos anos 1940, a instituição é renomeada como Centro Psiquiátrico Pedro II, também conhecido como Hospital do Engenho de Dentro, e atualmente é chamado de Instituto Municipal Nise da Silveira.
2. PEDROSA, Mário; SILVEIRA, Nise da. Museu De Imagens do Inconsciente. Instituto Nacional de Artes Plásticas. 2ª Ed. Rio de Janeiro, RJ, 1994, p. 62.
3. GULLAR, Ferreira, "Fora da História". Folha de S.Paulo, São Paulo, 22 de out. de 2006. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2210200625.htm. Acesso em: 10 abr. 2022.
Obras 12
Carnaval
O Municipal
Sem Título
Sem Título
Sem Título
Exposições 21
Fontes de pesquisa 17
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- ARAÚJO, Paula Vaz Guimarães de. "Artistas ou Alienados – Reflexões sobre uma Pesquisa em andamento". XI EHA – Encontro de História da Arte – UNICAMP, 2015. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/eha/atas/2015/Paula%20Vaz%20Guimaraes%20de%20Araujo.pdf. Acesso em: 17 maio 2022.
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- CHAN, Glória Thereza. Emygdio de Barros: a pintura como caminho. Revista Ensaios – n.1, v.1, ano 1, 2o semestre de 2008.
- DICIONÁRIO brasileiro de artistas plásticos. Organização Carlos Cavalcanti e Walmir Ayala. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1973-1980. 4v. (Dicionários especializados, 5). p. 111.
- ESPADA, Heloisa, NAVES, Rodrigo. Raphael e Emygdio: dois modernos no Engenho de Dentro. IMS, 2012.
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- LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988.
- MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO, 2000, SÃO PAULO, SP. Imagens do inconsciente. Curadoria Nise da Silveira, Luiz Carlos Mello; tradução John Norman. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000.
- MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO, 2000, São Paulo, SP. Mostra do Redescobrimento: Brasil 500 anos. Curadoria Nelson Aguilar, Maria Cristina Mineiro Scatamacchia, Eduardo Góes Neves, Cristiana Barreto, Lúcia Hussak Van Velthem, José António Braga Fernandes Dias, Luiz Donisete Benzi Grupioni, Regina Pólo Miller, Emanoel Araújo, Maria Lúcia Montes, Carlos Eugênio Marcondes de Moura, François Neyt, Catherine Vanderhaeghe, Kabengele Munanga, Marta Heloísa Leuba Salum, Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, Luciano Migliaccio, Pedro Martins Caldas Xexéo, Frederico Pernambucano de Mello, Nise da Silveira, Luiz Carlos Mello, Franklin Espath Pedroso, Maria Alice Milliet, Glória Ferreira, Jean Galard, Pedro Corrêa do Lago. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2000.
- Museu de Imagens do Inconsciente. Apresentação de Mário Pedrosa e Afonso Henriques Neto. Editado por INSTITUTO NACIONAL DE ARTES PLÁSTICAS, Rio de Janeiro, RJ. Texto de Nise da Silveira et al. Rio de Janeiro: 1980. (Museus brasileiros, 2).
- PEDROSA, Mário. Forma e percepção estética: textos escolhidos II. Organização Otília Beatriz Fiori Arantes. São Paulo: Edusp, 1996.
- PEDROSA, Mário.; SILVEIRA, Nise. Museu De Imagens do Inconsciente. Instituto Nacional de Artes Plásticas. 2ª Ed. Rio de Janeiro, RJ,1994.
- SILVEIRA, Nise da. Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.
- SILVEIRA, Nise. Vinte anos de terapêutica ocupacional em Engenho de Dentro (1946-1966). Revista Brasileira de Saúde Mental Rio de Janeiro, Vol. 5, XII no editado, p. 18-159. 1966.
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EMYGDIO de Barros.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa22976/emygdio-de-barros. Acesso em: 03 de maio de 2025.
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